Crises Lusófonas

por Reginaldo Silva

De Maputo a Lisboa são mais de dez horas nas alturas, onde o homem tem desafiado com bastante sucesso a fúria dos deuses, não obstante todas as aparatosas e trágicas quedas que os seus gigantescos pássaros de ferro têm levado, com a malta toda lá dentro aos gritos, ai,ai, ai, se eu soubesse vinha mazé com meu ruka, porque de comboio também já não está a dar depois do que aconteceu em Santiago de Compostela e de barco muito menos, depois daquele capitão italiano com pinta de Alain Délon ter bazado antes do Costa Concórdia se afundar tão perto da praia.

Como cada vez ando menos nestes estranhos e levitantes aparelhos, que nós chamamos de avião ou de voo, tenho algumas esperanças de nunca figurar nesta estatística das probabilidades de todos quantos não têm conseguido chegar ao destino com os ossos inteiros.

A esta hora da passada quarta-feira em que num bar de Lisboa tomava um capuchino e dava os últimos retoques nestes secos e molhados, lamentavelmente ainda me separavam sete horas de voo até chegar a minha eterna Vila-Alice, sem contar com as do engarrafamento que espero não encontrar tão pesado, considerando que o sábado da minha prevista chegada é um dia mais atípico.
Com o Dhlakama novamente na Gonrogosa, onde se encontrava em gozo de prolongadas férias políticas que, entretanto, de acordo com as últimas notícias, foram subitamente interrompidas esta semana pelas tropas da presidência aberta de Armando Guebuza, deixei a capital moçambicana numa boa para entrar triunfalmente na capital portuguesa na maior, onde me esperava a “crise da pareceria estratégica” decreta por JES em Luanda.
O périplo iniciado no passado dia 10 em Cape Town para participar na gala dos jornalistas africanos 2013 da CNN/Multichoice, prosseguiu assim sem makas nos aeroportos/fronteiras, onde tudo é sempre possível quando andamos sem visto ao abrigo de um acordo especial.

Lembrei-me que a CPLP afinal existe e que nos entendemos razoavelmente bem em português, apesar do tal acordo ortográfico que nos querem impor/impingir.

A solução continuo a defender, é resistir até onde for possível com todos cés e pés no devido lugar.

A Constituição está do nosso lado e a CRA só diz que o português é a nossa língua oficial sem nenhuma referência a assinatura de futuros acordos de conveniência das editoras.
Nada de pactos a serem confundidos com os antigos, velhos e novos patos das nossas farras.

Claudicar é que não. Jámé de la vie!

A resistência também está a ser feita aqui apesar da traição de Lisboa/São Bento/Belém ao português de Portugal, que ainda é o nosso.

Uma resistência constatada, nomeadamente, na recusa da maior parte dos renomados articulistas do semanário Expresso em utilizar a nova e abrasileirada “agráfiáda”.

Por este atrelamento, qualquer dia ainda vamos assinar um acordo sobre a nova pronuncia do português.

Aí é que vai mesmo começar o forrô…

Em Lisboa, curiosamente, o primeiro contacto que tenho é com o sotaque de Angola, aquele bem nosso e bem pesado, na pessoa do taxista branco que me leva para o hotel, um simpático baixinho que me faz o primeiro “brieffing” sobre a crise da “parceria estratégica”.
Isto não vai dar nada, confidenciou-me.
Yá sou da banda, sou do Lobito a cidade mais bonita de Angola, mas já não vou lá desde 1978.
Só se for depois da Vila-Alice, respondo-lhe em surdina. Ele não chega a ouvir.
Penso para mim: como é que um mwadié desses mantém inalterado o seu sotaque, ao fim de tantos anos sem contacto com a banda?
Mistério…
No carro do lobitanga que tem a RDP-África sintonizada, oiço as primeiras notícias sobre o “continente berço”.
Está o ex-PM santomense, Patrice Trovoada, actualmente refugiado em Lisboa, a acusar o Kota Pinto da Costa, que tem idade de ser seu pai, de ser o responsável da nova crise que se vive no arquipélago.
Penso para mim: mas sempre que oiço notícias africanas, crise é a palavra que mais se pronuncia e que domina tudo o resto. Por que será?
No hotel o quarto ainda não está pronto.
Deixo as malas e vou à procura do “chip”, rua da Liberdade abaixo, rumo ao “nosso” quartel-general, onde cruzo com o primeiro político africano, curiosamente um outro refugiado na capital portuguesa.
É Carlos Gomes, o ex-PM guineense, acompanhado da sua “velhota”, aquela senhora trémula e completamente aterrorizada que eu vi nas fotografias quando os militares em Bissau foram à procura dele e lhe partiram até as paredes da casa.
Lembrei-me do sucesso mundial “Ai se te pego” do Michel Teló e da minha franzina amiga guineense, a jornalista Milocas Pereira, até hoje desaparecida em Luanda, onde se foi juntar/engrossar  uma das estatísticas mais assustadoras da nossa história.

Texto publicado no semanário “O País”/Revista Vida-Secos e Molhados (25/10/13) ver blog do autor Morro da Maianga 

28.10.2013 | por martalanca | crise, lusofonia