Desvendar práticas coloniais

Desvendar práticas coloniais Esta é uma questão interessante quando olhada do ponto de vista dos burocratas. Por um lado, há antecedentes muito directos e locais, como o programa de desinsectização algodoeira que estava a ser preparado pela Cotonang durante 1960. Ainda antes da revolta ter rebentado em Malange, há informações e apontamentos que evidenciavam a natureza explosiva de se fazer recair todo o ónus financeiro desse programa no trabalhador africano da Baixa. Uma contingência como esse programa pôde de facto estar na origem da sublevação. Se assim foi, trata-se uma falha de intelligence do Estado português, porque tinha à sua disposição todos os dados que apontavam nessa direcção até Dezembro de 1960. Por outro lado, temos os antecedentes estruturais identificados pelos analistas: a destribalização e o chamado “autoritarismo burocrático”, uma ideia muito pouco estudada, que teve em Marcello Caetano e Adriano Moreira dois fortes promotores e se disseminou como categoria analítica e explicativa pelos novos burocratas do Ministério do Ultramar.

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28.10.2016 | por Marta Lança

Portugal no Museu Afro-Brasil, São Paulo, Brasil

Portugal no Museu Afro-Brasil, São Paulo, Brasil Reflectir e discutir o papel da arte portuguesa contemporânea ou as suas relações com a cultura e a história brasileira num museu que tem como papel fundamental a história da escravatura revela a determinação e o carácter do museu na sua função educativa no seio de uma sociedade pouco permissiva a estas discussões fracturantes. Talvez só por isso, e isto não é dizer pouco, a exposição “Portugal, Portugueses” torna-se um marco importante e pertinente na relação entre as diferentes culturas como forma de comparar elementos de apropriação e recusa presentes nos seus objectos e manifestações artísticas.

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26.10.2016 | por Hugo Dinis

Entre o visual e o textual: poética e a construção da memória urbana

Entre o visual e o textual: poética e a construção da memória urbana Ainda que desde o seu surgimento a fotografia tenha sido considerada uma forma de se guardar a realidade, está hoje claro que esta se aproxima do real tanto quanto qualquer outra modalidade artística. No texto, somos capazes de sentir a cumplicidade da criação, assim como na fotografia: nem tudo está dado à partida. Nos é permitida a colaboração criativa por meio da imaginação e da subjetividade; da sensibilidade que cabe à cada um, e que nos permite enxergar um mundo (ou vários) pertencente a um outro alguém, mas que ajudamos a construir. Por isso a construção da memória da metrópole e a industrialização possuem um retrato tão forte para a mente humana, pois encontramos registros em diferentes tipos de arte que influenciam umas às outras.

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20.10.2016 | por Maria Isabel Machado

Outras possibilidades, uma visita à 32.ª Bienal de São Paulo: Incerteza Viva

Outras possibilidades, uma visita à 32.ª Bienal de São Paulo: Incerteza Viva Com estas premissas iniciais seria de prever uma inovadora e frutífera exposição que, sem propor vias a seguir para um mundo melhor, poderia indagar pertinentemente as condições actuais e, deste modo, questionar e pôr em causa as promessas de um falso futuro por vir. Neste sentido, esperava-se que as perguntas se multiplicassem, mesmo as mais inocentes e históricas, como: Quem somos? Ou para onde vamos? De facto, as propostas apresentadas revelam, em grande parte, exemplos ilustrativos e expectáveis sobre os contextos sociais e políticos em que são propostos.

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18.10.2016 | por Hugo Dinis

É preciso olhar para cima, o céu está a cair: Humanidade antes e depois do fim do mundo

É preciso olhar para cima, o céu está a cair:  Humanidade antes e depois do fim do mundo Enfim, o fim do mundo não é um assunto multicultural, mas sim multinatural. Claramente, fé nos híbridos não é o suficiente. O mesmo se poderá dizer do elogio da diferença. Em contraste com os discursos do inhumano ou do anti-humano, será possível sugerir, como acontece em sociedades animistas, que tudo é humano? Será tal palavra sequer relevante para lá do sentido histórico que lhe foi atribuído a partir do Renascimento? Manter essa palavra implicaria não apenas uma humanidade para lá da espécie, mas também para lá da modernidade. Mas isso seria um oximoro: uma humanidade amoderna? Quem sabe no fim do dia estas sejam as perguntas erradas. Mas sejamos claros, reconhecer a agência dos não-humanos não faz de nós animistas. O animismo é simplesmente a palavra antropológica para a crença em uma humanidade outra à qual os modernos têm sido fieis. E, no entanto, as ontologias não são fixas, elas mudam e se transformam, confrontam-se e negociam-se entre si. É isto que, de um ponto de vista multinaturalista, o fim do mundo quer dizer: entrar na cosmopolítica.

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18.10.2016 | por Pedro Neves Marques

Coreografar o nosso tempo, Vânia Gala

Coreografar o nosso tempo, Vânia Gala Digo “coisas” (o não-humano) para me referir a objectos, arquitectura, seres vivos, som e mesmo aspectos invisíveis (frequências sonoras de um espaço) ou imaginários (fantasmas?) que fazem parte do espaço performativo. É uma pesquisa centrada na invisibilidade, ausência, hiper-capitalismo e que novas questões se levantam para as artes performativas. Mas é também o questionar de muitos binários – próprios da modernidade – assumidos como verdades absolutas nas artes performativas: a ideia de supremacia do “estar no momento” ou que as artes performativas só existem no presente e não deixam rastro.

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11.10.2016 | por Marta Lança

Modernidade vs. Epistemodiversidade

Modernidade vs. Epistemodiversidade A arte sempre foi capaz de reunir ferramentas críticas de acção de diferentes contextos de conhecimento de modo a intervir em instituições, em políticas e em problemas sociais. Isto faz dela um local privilegiado para encontrar novas estratégias para a epistemodiversidade. Ao mesmo tempo, a arte sempre manteve uma fronteira estrita entre si mesma e a cultura popular, para assegurar que a arte está ao mesmo nível das ciências ocidentais. E se esta fronteira desaparecesse? Como é que construimos uma nova linguagem que utiliza conhecimento popular não para um tema de arte contemporânea, mas como uma faísca para criar novos regimes de representação e novas estruturas de pensamento? Como pode a arte contemporânea contribuir para a aprendizagem da epistemodiversidade?

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11.10.2016 | por María Iñigo Clavo

Zululuzu: é isto, é aquilo. Mas não é isso!

Zululuzu: é isto, é aquilo. Mas não é isso! Mariana Pinho escreveu um artigo sobre o nosso espetáculo, ZULULUZU, a que deu o nome de “Zululuzu: é isto, é aquilo? Ai não pode ser”. Não temos por hábito reagir ao que se escreve sobre o que fazemos, mas discutindo-se no espetáculo as questões e políticas de identidade, onde se dialoga com normas e convenções, e notando nós nesta leitura de Mariana Pinho a gramática de uma ontologia dominadora que estrutura a opressão contínua dos diversos esquemas sociais, decidimos redigir este texto.

Palcos

11.10.2016 | por Teatro Praga

Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon | Prefácio de Jean-Paul Sartre

Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon | Prefácio de Jean-Paul Sartre Curar-nos-emos? Sim. A violência, como a lança de Aquiles, pode cicatrizar as feridas que abriu. Hoje, estamos presos, humilhados, doentes de medo: estamos muito em baixo. Felizmente isto não chega à aristocracia colonialista: ela não pode concluir a sua missão retardatária na Argélia, sem colonizar antes os franceses. Cada dia retrocedemos frente à contenda, mas podem estar certos de que a não evitaremos: eles, os assassinos, precisam dela; seguem revoluteando em redor de nós e espancam a multidão. Assim, acabará o tempo dos bruxos e dos feitiços: terão que ser espancados ou apodrecer nos campos. É o momento final da dialéctica: condenam essa guerra, mas não se atrevem, todavia, a declarar-se solidários com os combatentes argelinos; não tenham medo, os colonos e os mercenários obrigá-los-ão a dar este passo. Talvez, então, encurralados contra a parede, desenfreareis por fim essa violência nova suscitada pelos velhos crimes acumulados. Mas isso, como costuma dizer-se, é outra história. A história do homem. Estou certo de que já se aproxima o momento em que nos uniremos a quem a está fazendo.

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04.10.2016 | por Jean-Paul Sartre

Zululuzu: é isto, é aquilo? Ai não pode ser.

Zululuzu: é isto, é aquilo? Ai não pode ser. Aqui o dispositivo teatral de representação surge como um constante “piscar de olho” ao espectador: os actores representam perante o público de espectadores – frente-a-frente – criando uma espécie de cumplicidade com os mesmos. Cumplicidade essa que nos vai tentando mostrar sim, estão a ver? Nós sabemos que vocês também sabem. Esse formato interactivo que montam com o espectador acaba por definir as regras do jogo que estamos a ver. Se num primeiro momento deixavam espaço para pensarmos essa imagem de África que temos na cabeça - e que até aí não associámos ao Pessoa - aqui, a literalidade visual, revestida de provocação, somada ao tom de denúncia permanente, fazem com que se perca esse espaço de reflexão autónoma e desilude nesse clássico tom de sobranceria perante as evidências.

Palcos

03.10.2016 | por Mariana Pinho