Portugal no Museu Afro-Brasil, São Paulo, Brasil

Albuquerque Mendes, Ana Vieira, António Manuel, Artur Barrio, Ascânio MMM, Cristina Ataíde, Didier Faustino, Fernando Lemos, Francisco Vidal, Gonçalo Pena, Helena Almeida, Joana Vasconcelos, João Fonte Santa, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, Joaquim Rodrigo, Joaquim Tenreiro, José de Guimarães, José Loureiro, José Pedro Croft, Jorge Molder, Julião Sarmento, Lourdes Castro, Manuel Correia, Maria Helena Vieira da Silva, Michael de Brito, Miguel Palma, Miguel Soares, Nuno Ramalho, Nuno Sousa Vieira, Orlando Azevedo, Paula Rego, Paulo Lisboa, Pedro Barateiro, Pedro Cabrita Reis, Pedro Valdez Cardoso, Rui Calçada Bastos, Sofia Leitão, Teresa Braula Reis, Tiago Alexandre, Vasco Araújo, Vasco Futscher e Yonamine são os artistas presentes na exposição “Portugal Portugueses” patente no Museu Afro-Brasil em São Paulo, com curadoria de Emanoel Araújo. O projecto curatorial é a segunda parte de uma trilogia que o curador desenvolveu para questionar as origens da cultura brasileira. A primeira parte intitulada “Africa Africans”, eleita a melhor exposição de 2015 pela Associação Brasileira de Críticos de Arte, apresentava alguns artistas contemporâneos africanos residentes no continente e outros em diáspora, nomeadamente no Brasil e também em Portugal. A terceira parte dessa trilogia, que ocorrerá no ano que vem, irá debruçar-se sobre os artistas indígenas dos povos ameríndios que povoaram e povoam parte do território da América do Sul.

A exposição “Portugal Portugueses” pretende discutir, em grande medida, não só as raízes da cultura brasileira, mas também indagar sobre as relações entre o antigo poder colonial e as suas colónias produtoras de escravos e destinatárias desde mercado, especialmente o Brasil. Esta relação conflituosa servirá de ponto de partida para o entendimento da história da escravatura e como forma de compreensão da colecção do próprio museu, muito visível nos primeiros dois núcleos da exposição. Um destes núcleos junta artistas de origem africana ou artistas que discutem a temática do chavão pós-colonial. O outro núcleo apresenta artistas nascidos em Portugal, mas que vivem ou viveram por um grande período de tempo no Brasil. Um terceiro núcleo apresenta a outra intenção desta exposição, tornar-se uma mostra diversificada e multi-dimensional da arte portuguesa (ou o que isto quererá dizer) que agrega artistas escolhidos através de uma lógica muito pessoal do curador. A exposição é completada com homenagens ao ceramista e caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro (Lisboa, 1846-1905), à actriz Beatriz Costa (Lisboa, 1907-1996) e ao pintor Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante, 1987-1918).

Tanto nas premissas teóricas e conceptuais celebradas na origem deste projecto, como na escolha de algumas das obras apresentadas, a exposição “Portugal Portugueses” questiona tanto o papel da colónia Portugal na rota dos escravos para o Brasil, como também as relações contemporâneas que actualmente são discutidas nos meios artísticos, nomeadamente em África e na Europa. A obra de Yonamine (Luanda, 1975) “Pão nosso de cada dia” (2016) cinicamente representa o presidente angolano José Eduardo dos Santos em torradas de pão de forma criticando, assim, a necessidade ou a obrigação da veneração do poder vigente como forma de sobrevivência. O artista, pessoalmente, problematiza a questão das identidades plurais e de como estas se relacionam com a história social, política, económica e cultural do mundo globalizado em que vivemos. A discussão não passa pela crítica da figura do “outro”, mas sim a forma como se critica a posição interiorizada sobre as diversas problemáticas vigentes. Neste sentido, a identidade de um povo, cultura, nação ou país é mais o modo em como esta se relaciona (mimetizando ou diferenciando) com o que lhe é externo e menos com a forma como se apresenta isolada com as suas características próprias.
'O inferno não são os outros' 2015,de Vasco Araújo. Mesa em Madeira, estatuetas africanas em madeira, a partir de Yaka de Pepetela, 275x110x80 cm, Cortesia do artista e Galeria Francisco Fino, Lisboa.

As obras de Vasco Araújo (Lisboa, 1975) “O inferno não são os outros” (2015) e “É nos sonhos que tudo começa” (2014) reflectem, do mesmo ponto de vista pessoal, sobre a questão da figura do “outro”. No texto gravado na mesa de madeira e nos textos pintados nas telas de tecidos floridos o conteúdo não expressa a representação do oprimido colonizado, mas sim do opressor poder colonial português. É neste espaço crítico que se faz a pertinência da obra. Os textos originais de Pepetela e de Isabela Figueiredo sugerem o ponto de vista dos colonizadores e o modo como estes representavam e se relacionavam com as populações autóctones. Extrapolando esta mesma relação com o “outro” João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira apresentam a obra “Trouble in Paradise” (2015) originalmente produzida para a programação em torno dos 25 anos da publicação do “Gender Trouble” de Judith Butler, promovida pelo Teatro Maria Matos, em Lisboa. Neste gigantesco cartaz a dupla de artistas faz-se representar ao lado de figuras queer que ao longo da história questionaram a identidade de género veiculadas pelo poder dominantemente falocêntrico, heterocêntrico e etnocêntrico. Deste modo, o discurso está minado pela parcialidade das acções por eles cometidas. As leituras identitárias são principalmente construções escritas na primeira pessoa - do singular ou do plural, ou seja, eu ou nós - e que revelam os próprios autores na relação com o que lhe é interiorizado. A mesma dupla de artistas apresenta a obra “Feijoeiro” (2004) que, pela primeira vez, mostrada no Brasil ganha novas relações que não faziam parte das premissas que lhe deram origem. A sua relação com a feijoada, prato típico brasileiro, foi resgatado pelos modernistas às origens africanas. Esta nova relação com a história da escravatura permite afirmar que os objectos culturais são mutáveis às suas condicionantes externas, nomeadamente, aos espaços culturais e sociais em que são apresentados. Seguindo este periclitante raciocínio a obra de Joana Vasconcelos (Paris, 1972) “Coração Independente Vermelho“ (2005) privilegia, por outro lado, a propaganda nacionalista do trabalho de filigrana de Viana do Castelo feito com talheres de plástico vermelhos. Perante o desejo que vingar a particularidade e contemporaneidade da chamada arte portuguesa, a obra da artista perpetua acriticamente, mas de um modo, luxuriantemente deslumbrante, a cultura dominante, estática e fechada. Sem o espirito crítico que as obras anteriores denotam no seio do museu em que são apresentadas, outros artistas revelam-se indiscutíveis para uma mostra desta natureza - Francisco Vidal, Helena Almeida, José de Guimarães, José Loureiro, José Pedro Croft, Jorge Molder, Julião Sarmento, Miguel Palma, Miguel Soares, Pedro Barateiro, Pedro Cabrita Reis e outros artistas históricos como Maria Helena Vieira da Silva, Joaquim Rodrigo, Fernando Lemos, Paula Rego e Lourdes Castro -, salientado contudo outras marcantes ausências.

Cartaz da 32ª Bienal de São Paulo. Design Bienal Aninha de Carvalho, Adriano Campos e Roman AtamanczukCartaz da 32ª Bienal de São Paulo. Design Bienal Aninha de Carvalho, Adriano Campos e Roman AtamanczukReflectir e discutir o papel da arte portuguesa contemporânea ou as suas relações com a cultura e a história brasileira num museu que tem como papel fundamental a história da escravatura revela a determinação e o carácter do museu na sua função educativa no seio de uma sociedade pouco permissiva a estas discussões fracturantes. Talvez só por isso, e isto não é dizer pouco, a exposição “Portugal, Portugueses” torna-se um marco importante e pertinente na relação entre as diferentes culturas como forma de comparar elementos de apropriação e recusa presentes nos seus objectos e manifestações artísticas.

[Este texto foi originalmente publicado na Revista Contemporânea]

por Hugo Dinis
Vou lá visitar | 26 Outubro 2016 | 32ª Bienal de São Paulo, Albuquerque Mendes, Ana Vieira, António Manuel, arte, Artur Barrio, Ascânio MMM, Cristina Ataíde, Didier Faustino, Fernando Lemos, Francisco Vidal, Gonçalo Pena, Helena Almeida, Joana Vasconcelos, João Fonte Santa, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, Joaquim Rodrigo, Joaquim Tenreiro, Jorge Molder, José de Guimarães, José Loureiro, José Pedro Croft, Julião Sarmento, Lourdes Castro, Manuel Correia, Maria Helena Vieira da Silva, Michael de Brito, Miguel Palma, Miguel Soares, Nuno Ramalho, Nuno Sousa Vieira, Orlando Azevedo, Paula Rego, Paulo Lisboa, pedro barateiro, Pedro Cabrita Reis, Pedro Valdez Cardoso, Rui Calçada Bastos, Sofia Leitão, Teresa Braula Reis, Tiago Alexandre, Vasco Araújo, Vasco Futscher, yonamine