White Racism, entrevista a Loren Landau

O Professor Loren Landau  foi presidente do Consórcio para Refugiados e Migrantes na África do Sul (CoRMSA), é membro do Conselho Consultivo de Imigração da África do Sul e integra os conselhos editoriais das revistas International Migration Review, Migration Studies e Journal of Refugee Studies. Atualmente, ocupa uma dupla posição como professor de Migração e Desenvolvimento no ACMS (Universidade de Witwatersrand) e na Universidade de Oxford, na área de Migração e Desenvolvimento. Ele inicia esta entrevista dizendo: “Há uma parte de mim que tem de admirar a criatividade dele [Trump], pela forma como consegue inventar coisas que eu nunca sequer poderia imaginar.”

Sim, mas há quem leve isso a sério. Desde a declaração de Trump, houve um aumento nos pedidos de visto para os EUA.

Sim, houve dezenas de milhares de sul-africanos a solicitar o visto para os EUA. E esses pedidos foram processados com uma rapidez notável. Mesmo os turistas têm de esperar meses por uma marcação no consulado, mas estes foram enviados em voos charter especiais.

Mas acredita que estas pessoas são realmente movidas por essa ideia de procurar refúgio nos EUA como “refugiados brancos”?

Há razões para estar preocupado com a vida na África do Sul. A criminalidade é elevada, a economia está sob pressão, as infraestruturas estão a degradar-se e tudo, desde manuais escolares até milhares de milhões, desaparece. Mas isso não é dirigido aos africânderes. Afeta toda a gente. E acredito que muitos dos africânderes que se candidataram têm consciência disso. Alguns convenceram-se, sem dúvida, de que existe um ‘genocídio branco’, mas suspeito que a maioria não. Por isso, quando os EUA abriram essa porta, claro que quiseram passar por ela. Não é que estejam a sofrer mais do que os outros — as condições económicas e infraestruturais na África do Sul são agora mais difíceis do que nos últimos 20 anos, não por causa de discriminação racial, mas porque perderam muitos dos subsídios que sustentavam os agricultores brancos durante o apartheid. Enfrentam violência, como toda a gente na África do Sul. Enfrentam incerteza económica, como toda a gente. O que precisamos de compreender é que as declarações de Trump têm muito pouco a ver com a África do Sul, e tudo a ver com a sua campanha interna, para mostrar que há um ataque global à branquitude, ao privilégio branco, especialmente aos homens brancos cristãos.

O que está a dizer é que não está diretamente relacionado com a declaração de Trump sobre a perseguição aos agricultores brancos e a violação das ‘suas’ terras?

Claramente há quem goste de acreditar e apoiar essa ideia. Isso faz parte da narrativa da extrema-direita nos EUA e na África do Sul há mais de uma década. Nos EUA, há uma narrativa segundo a qual o governo é anti-cristão e anti-branco. Acreditam que as universidades estão a ensinar história e cidadania de forma a fazer com que se odeie os brancos. E há brancos na África do Sul que acreditam que os programas de ação afirmativa (conhecidos localmente como empoderamento económico negro) são uma estratégia anti-branca.

Algumas pessoas acreditam nisto. O Elon Musk talvez acredite. Mas não penso que a maioria dos brancos sul-africanos se deixe levar por essa narrativa. No fundo, sabem que a sua condição é muito melhor do que a dos sul-africanos negros. Embora exista racismo anti-branco no país, os seus efeitos são limitados. Há um partido no parlamento – a oposição oficial – que representa principalmente os interesses dos brancos. Existem organizações da sociedade civil afrikaneer que aparecem regularmente nos meios de comunicação nacionais. Há jornais, rádios e programas de televisão em africânder. São uma das associações étnicas mais organizadas e poderosas do país. [O AfriForum, uma iniciativa independente do Solidariedade, ligado ao sindicato Solidariedade, criado em 2006 para encorajar o reengajamento dos africânderes e outras minorias na esfera pública]. A África do Sul não parece um país onde estão a ser perseguidos. Há impostos elevados, há esforços para redistribuir riqueza, mas os brancos sul-africanos têm um dos padrões de vida mais elevados – pelo menos em termos materiais – do mundo. Mesmo que estejam a pagar impostos, mesmo que estejam a contribuir, voluntariamente ou não, para estes programas de transformação, nada lhes está a ser retirado. Mantêm as suas terras, os seus negócios, o seu privilégio. Portanto, não é verdade.

Sim, sem dúvida, mas é muito fácil vender essa ideia de que os brancos estão em risco na África do Sul.

Claro. Mas alguém publicou online uma observação significativa e brilhante: “em que país é que a polícia protege refugiados quando vão para o aeroporto?” Comentando as imagens da polícia sul-africana a proteger este grupo enquanto se dirigia ao aeroporto para garantir a sua segurança. Como é que isso parece? Não estão a ser deportados. Estão a pedir para sair. E o governo sul-africano diz: “Ok, vamos garantir a vossa segurança até à partida.” Se quiserem acreditar que há perseguição, vão encontrá-la. Podem encontrar o ‘Kill the Boer!’ [“Dubul’ ibhunu”, traduzido como “mata o boer” ou “mata o agricultor”, é uma canção controversa da era do apartheid, cantada em xhosa ou zulu]. Mas não passa de um apego do EFF à canção. [O Tribunal Constitucional foi consultado duas vezes sobre a canção: uma em 2010, quando Julius Malema, então líder da Juventude da ANC, começou a cantá-la em eventos públicos; e outra em agosto de 2022, quando o Tribunal de Igualdade decidiu que a canção podia ser cantada pelos membros do EFF, pois não constituía discurso de ódio].

Na realidade, houve de facto alguns casos de expropriação de terras, mas fazem parte dos esforços para redistribuir terras – para compensar pela enorme quantidade de terra retirada às pessoas durante o apartheid. A África do Sul tem compensado as pessoas por isso. O Estado pode tomar terras da mesma forma que qualquer outro governo, para construir estradas, infraestrutura, etc., mas não houve nenhum esforço para tirar terras sem compensação. As novas leis são claras nesse sentido.

Isso faz parte da estratégia do EFF para criar um estado de alarme e terror no país, como há dois anos quando declararam uma Greve Nacional com avisos de possível violência generalizada, e no fim não aconteceu nada de grave.

Sim, mas isso também coincidiu com os motins ligados ao Zuma, que se espalharam por Durban e Joanesburgo. E as pessoas ficaram assustadas com essa ideia. No fim, acho que todos os sul-africanos deviam estar preocupados porque há muita raiva no país. E com razão. Todos sabem que basta pouco para acontecer algo que leve à morte de várias pessoas, por diferentes motivos. Atacam somalis, bengalis, podem atacar qualquer outro. Mas a riqueza e a geografia tendem a proteger os brancos. Têm muros, têm segurança privada. Não são eles os primeiros a serem mortos.

E isso também se vê claramente nos dados, nas estatísticas de quem é morto na África do Sul – a maioria não são brancos.

Não, a esmagadora maioria das pessoas assassinadas – mesmo em quintas – são negras.

Mas mesmo assim, como é possível estas pessoas deixarem o país fingindo estar em estatuto de refugiado com base em suposições falsas de abusos e perigos?

Ao abrigo do direito internacional dos refugiados, cabe a cada país determinar quem qualifica como refugiado. Assim, cabe totalmente aos Estados Unidos aceitar estas pessoas ou não. Portanto, é legal, no sentido em que os EUA têm o direito de aceitar quem quiser sob estatuto de refugiado.

Dito isto, é bastante invulgar que as pessoas façam candidaturas tão abertamente, se realmente temessem perseguição por falarem. Imagina-se uma situação na RDC ou no Ruanda, ou noutro lugar instável e perigoso, onde se fale abertamente contra o governo – seriam imediatamente presos ou pior. E, no entanto, ali estavam, em fila, a falar para canais de TV enquanto se candidatavam ao estatuto de refugiado. E estavam a ser protegidos pelo mesmo governo que, segundo a visão peculiar de Trump, os estaria a perseguir. Fizeram o pedido, e foram aceites. É ridículo. Mas é legal.

Devem os brancos sul-africanos qualificar-se para asilo noutros países?

Não sou jurista, mas arriscaria dizer que não, de forma alguma. Há muitos refugiados na África do Sul – do Congo, do Sudão, e de outros lugares – que pedem há anos para serem reassentados nos EUA ou noutros países. E esses têm um caso muito mais forte. Os africânderes brancos não conseguem demonstrar que têm um medo fundado de perseguição. Não conseguem mostrar que foram vítimas de forma dirigida. Por isso, ao abrigo da lei internacional e da lei norte-americana, não têm direito ao estatuto de refugiado. Podem emigrar como outros tipos de migrantes, mas como refugiados ou requerentes de asilo, não faz sentido. Essas alegações de que as suas vidas estão em risco por serem brancos não se sustentam.

Se houvesse provas fortes de perseguição sistémica a pessoas brancas – violência, perseguição, etc. – teriam um caso. O problema é que essas provas não existem. A taxa de homicídios, de perseguições, de redistribuição de terra não os afeta de forma desproporcional.

E para onde estão a ser reassentados?

Estão a ser enviados, na maioria, para estados agrícolas, muito republicanos e muito brancos – como Idaho, Alabama, Mississippi – onde as autoridades locais dizem: “Vamos acolher estas pessoas para salvar cristãos brancos”, ou algo do género.

Será interessante ver como estas comunidades os irão receber.

Sim, haverá grupos de americanos que acreditam que há uma guerra contra os brancos e os cristãos na África do Sul, e provavelmente vão acolhê-los da mesma forma que os europeus acolheram os ucranianos após a invasão russa: “Ainda bem que conseguiste sair. Ainda bem que estás em segurança. Lamento muito.” A maioria dos americanos provavelmente não quer saber. Gostaria de ouvir o que os sul-africanos dizem sobre estas pessoas. Sei que muita gente acha isto ofensivo ou ridículo, mas talvez isso inicie uma discussão sobre o papel e a posição dos brancos na sociedade sul-africana. Acho que ainda há alguns debates que precisam de ser feitos.

 

De acordo com Jack Jenkins, a Igreja Episcopal recusa-se a reassentar africânderes brancos da África do Sul que tenham sido classificados como refugiados pela administração de Donald Trump. Segundo o Arcebispo Sean W. Rowe – líder da Igreja Episcopal (parte da Comunhão Anglicana global, que teve entre os seus líderes o falecido Arcebispo Desmond Tutu, um opositor vocal do apartheid na África do Sul) – o pedido ultrapassou uma linha moral inaceitável para a Igreja.

 

Publicado em 16.05.2025 no Il Manifesto. 

por Laura Burocco
A ler | 26 Junho 2025 | Africa do Sul, africânder, brancos, EUA, refugiados