Neocolonialismo, barbárie e cultura contemporânea sobem ao palco do CCVF com 'Tierras del Sud' (22 fevereiro, Ciclo Poder)

No final de fevereiro e durante o mês de março, o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, apresenta um ciclo de 3 espetáculos que tem como eixo temático a ideia de ‘Poder’, sob várias das suas perspetivas possíveis. A primeira parte deste ciclo – que terá continuidade no último quadrimestre do ano – inaugura já no próximo dia 22 de fevereiro com Tierras del Sud, da dupla hispano-chilena Azkona & Toloza. Trata-se de uma pertinente peça com uma forte carga documental, que lhe confere uma acutilância desarmante. A barbárie sobre os povos nativos da América Latina e as novas formas de colonialismo são alguns dos temas tratados. A primeira parte deste ciclo fica completa com A Tragédia de Júlio César (6 de março), de Luís Araújo e, finalmente, com Eins Zwei Drei (27 de março), que marca o delirante regresso de Martin Zimmermann a Guimarães.

Este ano, o Centro Cultural Vila Flor irá apresentar um ciclo de espetáculos comandado por uma das maiores formas universais de intervenção na relação com as mais diversas temáticas: o Poder. Cabe à dupla de artistas Azkona & Toloza lançar este ciclo, já no próximo dia 22 de fevereiro, às 21h30, com Tierras del Sud, uma peça que aborda a estreita relação entre as grandes fortunas estrangeiras, a barbárie sobre os povos nativos da América Latina, o desenvolvimento de novas formas de colonialismo e as várias expressões da cultura contemporânea.

 

Tierras del Sud foca-se no estreito relacionamento entre a fortuna dos empresários italianos Carlo e Luciano Benetton e a barbárie sobre o território localizado entre as províncias da Patagónia de Neuquén, Chubut e Rio Preto. Território que o povo Mapuche reconhece como ancestralmente seu. Em cena, os dois artistas transformam um palco completamente vazio num pedaço da atual Patagónia Argentina. Entre cadeias de montanhas, lagos, florestas virgens e cidades fictícias, é reescrita a história do nascimento do estado argentino, a sua relação com as grandes capitais e a barbárie estrangeira e sistemática que, durante séculos, assolou o território e os povos do sul da América Latina.

 

O que leva, ano após ano, bilionários e celebridades a investir e comprar terras na Patagónia Argentina? Qual o valor geopolítico estratégico da área? O controlo do território e dos seus recursos naturais é um dos pilares da pesquisa documental de Tierras del Sud. Mas esta é apenas uma das possíveis perspetivas deste problema, às quais podemos acrescentar a especulação imobiliária e a indústria do turismo.   

 

No passo seguinte deste ciclo em torno do ‘Poder’, o encenador Luís Araújo e a Ao Cabo Teatro levam-nos de volta aos fatídicos “idos de março” de William Shakespeare e de A Tragédia de Júlio César (6 março). Peça-problema, densa e controversa, ambientada no tempo-charneira da sangrenta metamorfose da República Romana no Império Romano, A Tragédia de Júlio César, mais do que a tragédia de um homem ou do poder, é a tragédia de Roma enquanto Cidade, palco e epítome expressivo da vida em comum dos homens. Alienada e podre, abate um tirano para apaziguar a culpa de si que não admite, e ergue uma outra, ainda mais feroz, tirania. A Tragédia de Júlio César é também a tragédia de um “tempo estranho”, cego, volátil, tenso, de ambíguos vínculos entre a vida privada e a responsabilidade pública e entre política e moral – estranheza essa que é metonímia possível e implacável do negrume que carateriza o nosso tempo.

 

Após mergulharmos na sociedade, dirigimos o nosso olhar sobre o indivíduo e a sua complexa luta pelo poder, onde poesia e violência podem caminhar lado a lado. Tudo isso estará refletido em Eins Zwei Drei (27 março), de Martin Zimmermann, que regressa a Guimarães para transpor todos os limites da comédia convencional, numa criação que se inspira no circo, uma das origens do artista suíço, para se cruzar com a dança, o teatro e a música numa elegante alquimia. Em Eins Zwei Drei (Um Dois Três), Zimmermann utiliza três personagens, arquétipos de palhaços, para abordar questões poderosas como a autoridade, a submissão e a liberdade. Três figuras arrancadas do mundo anárquico do circo sobrevivem, ou não, no ambiente estritamente controlado de um museu? Esta é a pergunta que se instala. O que se desenrola é altamente absurdo e trágico. Quanto mais controlado, mais cómico se torna o contexto. Com música tocada ao vivo por Colin Vallon, Eins Zwei Drei é interpretado magistralmente por Tarek Halaby, Dimitri Jourde e o português Romeu Runa.

 

A terra (propriedade), a sociedade e o indivíduo, enquanto temáticas, traçam perspetivas de atualização sobre o exercício de poder no contexto atual. Esta trilogia forma a primeira parte desta linha de programação do Centro Cultural Vila Flor, que terá continuidade no último quadrimestre do ano. Os bilhetes para assistir a cada um dos espetáculos têm um custo de 10 euros ou 7,50 euros com desconto, havendo a possibilidade de adquirir um bilhete conjunto para os três, no valor de 20 euros.

12.02.2020 | por martalanca | barbárie, neocolonialismo