Raízes e Rotas
Co-criação de uma instalação artístico-política e de caminhadas de ressignificação da paisagem arbórea urbana. Com uma leitura decolonial das árvores centenárias de Lisboa, interrompe-se a narrativa exótificante, reintengrando contextos de deslocamento e exploração das espécies trazidas de diferentes geografias ocupadas. Investiga-se coletivamente a colonialidade urbana, a resistência cultural, assim como a interdependência entre seres humanos e não-humanos e epistemologias ancestrais reparadoras.
Descrição detalhada
A cidade de Lisboa alberga uma grande diversidade de árvores centenárias, que testemunharam séculos sobre este território, cujas origens e trajetórias estão profundamente entrelaçadas com os processos históricos coloniais. Raízes e Rotas propõe uma leitura da paisagem a partir da observação decolonial destas árvores urbanas, como elementos centrais da memória histórica e justiça ambiental. O projeto busca criar uma cartografia viva e sonora que articule dinâmicas políticas, económicas e culturais, a partir de uma narrativa além-botánica, que rejeita o exotizante, e que apaga as constelações sócio-ambientais às quais pertencem. Partilhando o modo como as árvores da cidade podem ser lidas como corpos-documento.
Este projeto é uma co-criação entre o Frame Colectivo e a Batoto Yetu Portugal, com abordagens complementares e comprometidas com o desenho de dispositivos artístico- políticos de impacto social. O Frame Colectivo, um atelier de arquitetura e arte, traz uma prática múltipla e interseccional com instalações que refletem sobre o espaço urbano contemporâneo e a arte colaborativa descentralizada, que propõe modos de interação horizontais e experimentais. A Batoto Yetu Portugal, com mais de 25 anos de experiência no trabalho artístico com populações afrodescendentes, traz uma prática de resistência cultural, memória e valorização da cultura entre comunidades segregadas na cidade, sob orientação de Djuzé Lino, engenheiro florestal de formação. Juntas propõem investigar e
criar a partir das conexões entre colonialidade urbana, botânica e resistência cultural e ambiental.
Programam-se caminhadas participativas, mapeamento crítico e documentação, que criam um espaço de pesquisa sobre as árvores de Lisboa (integra espécies originárias da Ásia, América do Sul e África) que se tornaram, ao longo do tempo, testemunhas vivas dos processos de extração, deslocamento e apropriação, que marcaram o tecido social e ambiental da cidade. As árvores, enquanto agentes de justiça ambiental, são colocadas no centro do debate sobre o direito à cidade, já que muitas áreas com menor cobertura verde coincidem com bairros de população racializada e com menos infraestrutura de lazer. Esta distribuição reflete as desigualdades ambientais herdadas do sistema colonial, cujos efeitos continuam a marcar a vida urbana contemporânea. É neste sentido que se constrói uma rede de criação e iteração com parceiros da periferia de Lisboa, estendendo-se à Amadora, Trafaria e Loures.
Começamos com atividades de pesquisa, gravação e criação de roteiros, com destaque para oficinas e apresentações das artistas latino-americanas, Pamela Cevallos, Sandra Gamarra e Astrid González no C/ARPA, na Batoto Yetu, Cavaleiros de São Brás e AOPIC de Novembro 2025 a Janeiro 2026. Durante esse período, serão realizadas atividades de cocriação, nas quais as histórias e experiências do público serão integradas na construção da cartografia visual e sonora das árvores centenárias e hortas de Lisboa. De seguida o projeto ativará as caminhadas que começam no Jardim da Gulbenkian ou Jardim Botânico Tropical de Belém e seguem para várias zonas da cidade. Esta atividade poderá ter continuidade como programa recorrente da Batoto Yetu após término do projeto. O coletivo Tributo aos Ancestrais junta-se com visitas participadas às Coleções Coloniais, Etnográficas e Xiloteca. Estão planeadas seis caminhadas, podendo haver repetições de acordo com o volume do público. O projeto será apresentado também em Viena na Architecture Summer School VAS2, em Setembro de 2026, com uma reflexão pública sobre a justiça ambiental e a decolonização do espaço verde urbano. A instalação resultante com curadoria de Ana Salazar Herrera, será exposta no MAC/CCB e no Espaço c/arpa em Outubro de 2026. Um dispositivo multimédia composto por um
mapa-chão e paisagem sonora, que ilustram o deslocamento das espécies, sendo uma representação material e sensível do processo de pesquisa e das caminhadas realizadas. A exposição acolherá encontros públicos de debate e performance a definir. As árvores centenárias como corpos-documento no sentido dado por Beatriz Nascimento, intelectual, historiadora, poeta e ativista negra brasileira, que define o corpo racializado como um documento histórico, por carregar em si as marcas da escravidão, do racismo estrutural e da resistência. Este conceito reflete a ideia de que os traços e as vivências das pessoas negras são registos vivos de sua trajetória histórica, funcionando como um arquivo de experiências que transcende os documentos escritos oficiais. Seu pensamento dialoga com outras abordagens da história oral e das epistemologias afro-diaspóricas, propondo que
a memória e a identidade negra não dependem apenas de registos escritos, mas também da corporalidade, das práticas culturais e da oralidade. O Frame Colectivo traz uma forte experiência de criação artística baseada em pesquisa, com foco na vivência emigrante e queer relacionada à fragmentação urbana. Batoto Yetu tem uma prática enraizada na multidisciplinaridade e longa experiência na criação de caminhadas decoloniais e performativas baseadas na arte e cultura afrodescendente. A parceria que se proporciona também com o coletivo Tributo Aos Ancestrais e com o HANGAR – Centro de Investigação Artística contribui consolidar o projecto.
Decolonizar a Paisagem: Para Além do Jardim Europeu
Lisboa, como muitas outras cidades europeias, mantém uma relação instrumentalizadora com a natureza da cidade, onde parques e jardins são lidos como zonas de lazer e como exemplos de ordenamento, priorizando o catalogar e ordenar o mundo. A desconexão com a natureza sentida no Ocidente não é acidental. É um reflexo histórico de séculos de exploração, dominação e apagamento das relações entre humanos e não-humanos. Para justificar e perpetuar os ciclos de extração e deslocamento, foi necessário fragmentar as histórias e romper os laços entre espécies e comunidades. Wilhelm Reich, em Psicologia de Massas do Fascismo, argumenta que, na tentativa de diferenciar-se dos outros seres vivos, o Ocidente não apenas rompeu com a natureza, mas também reprimiu suas próprias conexões orgânicas e emocionais. Esse afastamento gerou um mundo mecanicista, onde a relação com a natureza se tornou artificial e rígida. Para nos reconectar precisamos resgatar a narrativa completa, também destas árvores centenárias, muitas delas chegaram a Lisboa através de redes coloniais de exploração, transformando a cidade num palimpsesto de deslocamentos forçados e apropriações de saberes ecológicos indígenas. Espécies como a Araucária-colunar (trazida das ilhas do Pacífico no século XVIII), os Jacarandás e as Tipuanas (América do Sul) e a Palmeira Tamareira (Médio-Oriente) fazem parte da paisagem de Lisboa. O discurso tradicionalmente associado a essas espécies destaca sua adaptação ao clima ou sua beleza ornamental, ignorando as estruturas políticas e econômicas que determinaram sua chegada. Este projeto promove um processo de reestruturação do olhar sobre a paisagem, para uma cidade mais inclusiva e ecologicamente responsável. Através da interseção entre arte, arquitetura, botânica e ativismo comunitário, Raízes e Rotas contribui para expandir a noção de arquitetura para além das construções humanas, inscrevendo a paisagem vegetal como parte integral do tecido urbano e da luta por um futuro mais justo e sustentável.
3. Cronograma de Trabalho do Projeto de Investigação
Mês Atividade
Abril -Maio 2025 Pesquisa, botânica e cartografia expândida
Maio - Junho 2025 Recolha de testemunhos e envolvimento comunitário
Junho 2025 Primeira apresentação pública (27 ou 28 de junho)
Julho - Agosto 2025 Produção de materiais do percurso e instalação
Setembro - Outubro 2025 Ativação do percurso e apresentação final no Centro de Arquitetura do MAC/CCB
2. Exemplos de atividades públicas
- Caminhadas participativas – Guiadas por investigadores e mediadores culturais, destacando
as conexões entre botânica, colonialismo e ecologia política. 1 acontecerá durante o período
de pesquisa e 3 durante o período de apresentação/exposição.
- Oficinas de escuta e mapeamento coletivo – Sessões abertas ao público para recolha de
narrativas orais e partilha de experiências sobre as relações entre comunidades e a vegetação
urbana. Realizadas no MAC/CCB, espaço c/arpa do Frame Colectivo e Batoto Yetu.
- Instalação no Centro de Arquitetura do MAC/CCB. Consiste de um mapa/guia de grande
escala no chão e uma instalação sonora.
- Lançamento do mapa e guia online – Plataforma digital interativa que reunirá as histórias,
mapas e materiais recolhidos durante a investigação.
- Debate público sobre justiça ambiental e arquitetura interespécies – Encontro com
investigadores, artistas e ativistas para discutir o impacto colonial na paisagem urbana
contemporânea.
Equipa envolvida
Agapi Dimitriadou
Gabriela Salhe
Apolo de Carvalho
Luisa Capalbo
Parcerias:
Batoto Yetu
Tributo aos Ancestrais
Assessoria:
Jessica Bruno
Ana Salazar Herrera