O patusco (Daniel) Medina, seus fajutos asseclas & os descaminhos da Academia Cabo-verdiana de Letras
[ou o diabo volta à arena para novo round de um combate já antigo]
Talento é sorte. O que importa mesmo é a coragem.
Woody Allen
Não começarei este texto declarando que um espectro ronda a Academia Cabo-verdiana de Letras [ACL] (mesmo se um pestilento fedor emana há muito das suas entranhas), porquanto os tempos não vão bons para marxismos, nem o acontecimento é da ordem do espectral (notavelmente escalpelizado por Jacques Derrida em Os Espectros de Marx), mas sim da natureza do deletério.
É na diminuta esperança de devolver alguns bons ares à instituição ACL que hoje dedico de novo (a última vez que o fizemos foi em março de 2017, era então presidente da direção a sempre impante e marinhante, benza-a deus, Vera Duarte) públicas palavras aos mandarins de turno, depois de esgotadas as vias internas, na convicção, porém, de que, hoje como então, serão raros ou nenhuns os que nos aplaudirão, mas sempre imensos aqueles que resmonearão pelos cantos, impotentes, ou tentarão atacar covarde e anonimamente, porquanto não o poderão fazer com nome e rosto, porque sabem que o troco será devastador.
Nestes tempos de derrota do pensamento, em que ao sadio sentido agonístico do enfrentamento ético se contrapõe o trollismo cibernético e o cancelamento, de feição fascistoide, mesmo quando militante e de justas causas, a lucidez obriga-nos a esta triste constatação. Mas a determinação que não esmorece também ao aviso, pois cada um nasce para o que nasce, ou, como é o caso, escolhe para o que nasceu. Não é uma antecipada defesa, apenas a clara consciência da selvajaria (ainda que pusilânime) dos tempos, mesmo se, como intuiu Walter Benjamin, em todos os tempos o homem e as sociedades sempre acharam que viviam tempos crepusculares.
Não sou desses que simulam um malditismo embevecido consigo próprio, remetendo-se quase à clandestinidade social (coisa outra é a clandestinidade criadora), mas embora não nos deixando seduzir pelos sempre vácuos olimpos mediáticos, saímos, contudo, do nosso refúgio criador quando algumas formas particulares de organização do nosso comum viver exigem o nosso mais veemente e aguerrido enfrentamento. Não é precisa a luz do futuro para desmascarar esses toscos propositores de amenidades bolorentas e vácuas banalidades como padrão, com aquele sorriso sonso de musas há muito decaídas; basta não se estar enredado nessas formas esterilizadas de cultura, que já nem conseguem carregar um genuíno impulso de morte.
Eu não quis nem quero esta responsabilidade para mim. Mas lá onde quase todos se calam é necessário que, pelo menos, um levante a voz. No presente caso, não um, mas dois se têm levantado. Daí ser de elementar justiça salientar os persistentes, e bastas vezes coincidentes, emails enviados pelo confrade José Luís Hopffer Almada (JLHA), poeta e ensaísta de mérito, aos órgãos sociais da ACL contendo inúmeras propostas de reforma da nossa Academia, uns altaneiramente ignorados, outros conveniente e manhosamente reciclados e reaproveitados, sem que se diga de quem partiram as iniciativas ou as propostas. É uma gula destemperada pelo poder, uma sem-vergonhice rasteira, a que nada neste mundo porá fim, numa confirmação do que escreveu Nietzsche: chegará o tempo do mais desprezível ser humano, que já não é capaz de desprezar a si mesmo; (…) a sua estirpe é inarredável como a pulga terrestre.
Tal estado de coisas é também culpa de quem, em devido tempo, tendo o poder de adiar as eleições para que se encontrasse uma alternativa mais sólida, mais credível e higiénica, não o fez, permitindo, com a sua incompreensível e desastrosa teimosia, que uma trupe de trôpegos e toscos se acastelasse nos pináculos da ACL, embora seja de salientar que há também gente meritória a integrar os seus órgãos. A um desses voltaremos mais adiante.
A última manigância do presidente da direção da ACL, e do júri por ele autocraticamente escolhido, teve como objeto o Prémio Claridade, patrocinado pelo BAICV, assunto que também abordaremos mais adiante, e é apenas mais uma das amontoadas e fedidas façanhas praticadas pelos trôpegos mandarins dessa triste Academia.
Não é inevitável o assalto aos lugares mais simbólicos do nosso viver coletivo por esses padrecas profanos, realizando como que um sabat tenebroso e malsão, desígnio de certas castas hoje dominantes, na desastrosa proporção em que aqueles que devem resistir, acusar e apontar o dedo, se demitem das prerrogativas que a condição de criadores lhes exige.
A nova literatura cabo-verdiana (velhíssima nos seus esquemas de neorrealice comicieira e/ou militante, hoje fastidiosa e entorpecentemente enquistada nos enclaves identitários e de género) é de baixíssimo nível; está infestada de medíocres oportunistas, que nem que cristo descesse à terra haveria salvação para ela. Na falta de talento, aos seus cultivadores sobra-lhes a manha, o conluio e a reles barganha, numa tremenda ausência de compromisso ético e estético, no que chamaríamos de triunfo do modelo Vera Duarte: viciados nas enxúndias e migalhas do poder, do prandial ao simbólico, intelectualmente limitados por pouco e mal terem lido e cultivado, são heróis dos palanques e das redes, ufanos dos likes que vão caçando com as suas inanidades confrangedoras, em língua portuguesa, ou simplesmente caricatos, em língua cabo-verdiana.
É certo que há uns xerifinhos que se querem parecer sumas autoridades, mas quando tentam disparar vemos que, afinal, a arma era uma pífia pistola de borra bolorenta. Também é seguro que há umas ajudantas, mas essas, a mor das vezes, lacraias que são, escondem-se debaixo das pedras e dos destroços fingindo oportunas demissões ou outras suas reconhecíveis e inqualificáveis artimanhas, só saindo das suas tocas fedorentas para o sol que se dá a todos, e não é nenhuma puta (VV), ao anúncio de algum ranço literário, como essas tristíssimas patuscadas macaronésias, ou ainda a quaisquer outras pútridas ou sensaboronas festanças.
Não sou bacharel, mestre, doutor ou pós-doutor — são títulos que nunca me interessaram (quando nas regadas e noturnas cavalgadas etílicas calha alguém me tratar por dr., digo brejeiramente, mas sem disfarçar a mordacidade, que, a tais horas, sou apenas enfermeiro), como nunca me interessou qualquer tipo de inteligência incapaz de arte, ou as cabeças mecânicas como lhes chamou Kant. Interessou-me sempre a vida que há nos livros, e por isso de cada um retirei potentes pedras para construir a minha pobre morada, onde, porém, habita o que de mais alto e mais puro de mim posso dar ao mundo — a poesia, mesmo se em tempos de indigências, do ético ao estético, em que abundante apenas as formas vis de desertar a terra e conceber de pior modo a irredenta humanidade. Por ela, poesia, e para ela só eu vivo, mesmo quando os lacraus e lacraias deste mundo nos obrigam a estas pugnas menores.
Por isso, e porque debaixo dos céus um tempo há para todo o propósito e toda a obra, hoje é tempo de colher o que se plantou. E como há muito aguardávamos, vigiando das nossas ameias o inimigo invasor, hoje é também tempo de matar, pois, como pregou o nazareno, não vim trazer a paz, mas sim a espada.
É pena que o lustroso Medina, reputadíssimo investigador (como afiançam as redes), com obra bastamente citada por todo esse imenso mundo de deus, não tenha interiorizado este simples preceito da Arte da guerra, do mestre Sun Tzu: não confies que o inimigo não venha. E o Medina confiou que o seu reinado de sombras e táticos silêncios não teriam consequência, perante a quietude também, se não cúmplice, pelo menos totalmente incompreensível de quase todos na ACL.
Inimigo, sim, sou eu, declaradamente, não da pessoa do Medina, que não nos interessa para absolutissimamente nada, mas da sua presença, da sua autossuficiência vácua e nefasta para a ACL, e inimigo ainda do que ele (e gente como ele) encarna e representa, e, sobretudo, por se ter assenhoreado duma casa que deveria ser apenas minha e de todos os verdadeiros escritores do meu país, por má decisão, repito, de quem em devido tempo podendo ter travado o assalto não o fez, e da manha de alguns medíocres, mas sempre gulosos escribas que da sombra iam recitando o guião, fazendo coro, ou dando corda ao boneco triunfante.
Digo assalto, porquanto, embora tenha acedido ao poder em eleições legítimas, ainda que com toda a espécie de escandalosas más decisões, quando não mesmo tropelias pelo meio (como o não deferimento das repetidas solicitações de adiamento da assembleia eleitoral) a ilegitimidade é substancial e insanável, revela-se ab initio, posto que nada de razoável neste mundo de deus e do diabo tornaria o Medina elegível para uma Academia de Letras digna desse nome. Os maus versos, de um livreco de um irredimível e desastrado epigonismo, rapados do fundo do tacho do Corsino Fortes (que teve powa enquanto certos modos poéticos já declinantes noutras geografias culturais lhe deu tração, mas, conceda-se, foi um inteligente e competente importador), e uma compilação de crónicas placebas publicadas em jornais, não são obra que permita a qualquer um aceder a uma Academia, que, diga-se em abono da verdade já nasceu fadada para o desastre.
Senão vejamos: como é que um país como Cabo Verde possui 40 escritores com envergadura suficiente para serem membros duma Academia de Letras digna desse nome? Apenas para ficarmos com um termo de comparação, o Brasil com os seus mais de 200 milhões de almas tem uma Academia de Letras que alberga os exatos 40 membros que tem a ACL. Edificante! É claro que este não é caso único: hoje basta abrir um jornal para se deparar com uma miríade desses novos e velhos tartufos se refocilando nas suas palhaçadas bizarras produzidas nas novas usinas da indigência e do analfabetismo, analfabetismo esse também duma crítica que, quando milagrosamente dá sinal de si, não consegue estabelecer a fronteira entre high e low brow. Talvez ainda um dia desses, para completar o quadro caricatural, inventemos se não um roliço cardeal, pelo menos um anafado cura Tolentino verdiano, ao nível da nossa pobre republiqueta das letras.
Diga-se, aliás, que um dos maiores constrangimentos do sistema literário cabo-verdiano é a inexistência duma crítica culta e informada que fizesse um trabalho pedagógico, mas por via duma impiedosa atitude de demolição. Houvesse isso, e não teríamos esses noturnos bolçadores de arrotos e peidos, em forma de verso ou prosa, a virem na manhã após o cometimento reclamarem o seu trono (de escórias) e a sua coroa (de latão). Mas eu não desisto, não posso desistir de esperar por quem venha trilhar os caminhos de Arménio Vieira, João Vário ou José Luiz Tavares, porquanto lavar a alma é o dever essencial da esperança. Ainda que, por ora, dos nossos cumes exilares divisamos apenas os traseiros nus desses reizinhos que pensam porque pularam aos pináculos da academia passam de meros recoletores de escórias ou de simples varredores na hierarquia das letárgicas letras pátrias.
A nível cultural, a nossa lustrosa personagem vem deixando atrás de si um deletério e ftártico rasto de cadáveres e escombros. A atestá-lo: os restos mortais da falecida Associação dos Escritores Cabo-verdianos, para além do simulacro da pré-candidatura à presidência da República, para a qual sequer teria condições jurídicas para efetivar, lugar esse que a sua comparsa de lides anda por aí, qual latoeira duma feira vazia e crepuscular, a apregoar que vai também disputar (outro indecoroso simulacro, em estafantes, mas vazias sessões de um ilusionismo oco, próprias para endrominar as pobres almas de tolos e crentes) no intuito de caçar mais umas migalhas mediáticas, ou simplesmente simbólicas. (Ao cadáver da também defunta Universidade Intercontinental de Cabo Verde não referiremos aqui, por não dispormos de suficientes dados tanatológicos).
Nós bem sabemos de quem o Medina era marioneta quando ascendeu à presidência da direção da ACL. Mas isso foi num tempo em que nas duas casas saía-se por uma porta e nem era preciso entrar-se pela janela— entrava-se na porta ao lado. Felizmente as comadres se zangaram, por a marioneta ter escapado ao domínio do titereiro. Não fora esse conúbio malsão, o Medina nunca se teria alcandorado aos pináculos da ACL, porquanto estava-se a trabalhar numa candidatura encabeçada pelo David Hopffer Almada, mas em face dessoutra candidatura engendrada interesseiramente por quem antes lhe declarara apoio, preferiu não avançar para o pleito, com a justificação de que, sendo a ACL uma instituição ainda não consolidada, tal disputa poderia provocar fissuras irreparáveis. Pelos vistos, de nada serviu tal gesto de desprendimento, e a ACL afundou-se na inação e no desprestígio completos, aparecendo o Medina e a sua comparsa de quando em quando para colher os dividendos simbólicos (ainda que no meio de resolutas ruínas) de estarem à frente dos seus destinos.
O nível de podridão e improbidade, falta de consistência cultural e a indisfarçável rasteirice literária são de tal monta que, acreditamos, possa haver um pequeno assomo de dignidade humana e o Medina e os demais integrantes dos outros órgãos, cujo mandato há muito expirou, se declarem impedidos de praticar quaisquer atos relevantes em nome da ACL, e, concomitantemente, os associados constituam uma provisória comissão gestora, que deverá ter também poderes de comissão eleitoral, e convidar-se a confrade Dina Salústio a encabeçar uma lista única para dirigir os destinos da ACL (para os próximos dois anos, se antes não houver uma revisão dos estatutos, há muito exigida e por alguns proposta, que, entre outros aspetos, reveja a duração dos mandatos).
Por isso, estimada Dina Salústio, pedimos-te: não aceites esses convites manhentos para participares em eventos na condição de poeta (mesmo se em tempos recuados cometeste uns versos, mas quem não os cometeu nesta vida?), como esse deslustrado evento macaronésio; recusa esses afagos ao ego, pois vales bem mais, muitíssimo mais do que isso, e tal te dizemos nós que conhecemos a tua grandeza como prosadora.
[Quanto a esse evento macaronésio de poesia, devo dizer que participei no primeiro, em Ponta Delgada, nos Açores, em 2017, mas ao segundo convite, para Porto Santo, na Madeira, fugi a sete pés. Ainda bem, posto que essa minha recusa permitiu-lhes encontrar outros e outras mais cómodos e bajuladores, ainda que, ou por isso mesmo, definitivamente medíocres. Mas foi bom encontrar na minha cidade da Praia, enquanto uma assustada amanuense do MCIC vigiava à distância este anticristo estraga-festa, o querido amigo canarino Aquiles Garcia, e o grande poeta espanhol António Massieu, que, vendo a monumentalidade de Como um Segredo na Boca do Universo, se perguntou como se produzia um livro daquele quilate em tal torrão].
Em tempo: vendo os nomes de poetas de Cabo Verde no feminino que participaram em tal encontro, torna-se para nós uma espécie de enigma sociológico o facto de não aparecerem em Cabo Verde poetas relevantes em tal género (nem também no masculino, conceda-se) como têm aparecido em Portugal nos últimos anos, e, em certa medida, também no Brasil. Será devido ao que mais atrás chamámos de «triunfo do modelo Vera Duarte», em que a uma obra reconhecidamente inane e medíocre [1] corresponde uma inusual visibilidade, pelo domínio instrumental dos corredores e alavancas do poder (resquícios ainda do aggiornamento por um sistema de pensamento único nunca desmantelado em décadas de alternância política. Senão veja-se o entendimento instrumental entre a ora visada e outro canhestro manhento, o tiktokeiro ministro da cultura, Abraão Vicente, alvo nosso doutras lides), e das veredas da promoção social e mediática, alicerçado na geral ignorância literária de quase todo o jornalismo nacional, excetuando-se os excecionalíssimos casos de José Vicente Lopes e António Monteiro, no conhecimento da natureza da literatura, e, numa vertente mais de divulgação, dois ou três outros, porquanto não pode existir uma literatura nacional digna desse nome sem uma crítica esclarecida e esclarecedora enquanto sistema. (Da academia, em sentido lato, como lugar da crítica sistémica e da produção conceptual, nem vale a pena falarmos, pois são os seus lustrosos dotores e dotoras os primeiros a publicar, patrocinar ou publicitar a indisfarçável montanha de merda que enxameia as nossas minguadas livrarias).
Perante a despudorada desfaçatez usurpatória desses landgrávios de baixa estirpe, cuja única lei por eles conhecida é a do alpinismo ou do trepanço, seja social, político ou cultural (se tal fosse possível, até decretariam a usucapião para permanecerem eternamente sentados nos plintos da Academia. Aliás, para os devidos efeitos, dever-se-ia considerar a ACL sem direção, uma espécie de vacatio administrativus, não podendo a atual praticar nenhum ato relevante em seu nome), há que convocar eleições no mais curto espaço de tempo, a fim de se livrar a Academia desses contumazes toscos literários e abcessos culturais.
A nossa ideia primeira é infinitamente mais radical e mais salutar: a própria ACL decretar a sua autodissolução, e, no mesmo passo, constituir-se uma comissão legatária que se encarregaria de promover a criação duma nova Academia, com outros apertadíssimos critérios, baseados sobretudo na relevância da obra, e no estabelecimento de um número máximo de membros, em nenhum caso superior a vinte. Embora sendo a melhor ideia, ninguém nos acompanharia. Por isso, voltamos a propor para a Presidência da direção da ACL a confrade Dina Salústio, a nossa mais notável prosadora viva, e que é preciso ter em relevante conta quando se pensar na atribuição do Prémio Camões a um escritor cabo-verdiano.
Sei que imensos se perguntam porque permaneço então como membro de tal infrequentável agremiação. Embora não nos presumimos um Hércules das letras, se lá não estivéssemos quem mais para fazer este trabalho de desinfestação dessa autêntica cavalariça de Augias? O erro, o grande erro deles foi confiar que somos todos Neleu(s).
O PRÉMIO BAICV E OS DESMANDOS DE UM JÚRI PORTADOR DE UM ESTREITO CONCEITO DE LITERATURA MAS TOMADO DE INCONTINENTE E FAÇANHUDA SANHA ADMINISTRATIVA
Com relação a esse prémio, queremos, antes de tudo, saudar a esclarecida generosidade do BAICV por tê-lo criado, um gesto de relevante alcance cultural num país carente das mais elementares formas de incentivo à criação e circulação literária, a começar pelo descaso do principal poder estatal em tal matéria, o ministério da cultura, sempre dirigista e estatizante em tudo, menos na literatura, e que, como tenho referido em contundentes escritos, em sete anos de regência abriu editais para tudo e mais alguma coisa (embora sempre na proporção de migalhas, para, como qualquer populista, jogar com o número de contemplados) só faltando o kasu-bodi, essa próspera e já bem implantada indústria, com know how exclusivamente nacional, que deveria ser explorada como nicho, por exemplo na vertente de turismo de terror. Dizemos turismo, porquanto para os autóctones essa inaudita e excruciante violência (sub)urbana passou a ser simples rotina.
Saudar também o vencedor, que em entrevista se declarou leitor do imenso e incontornável Arménio Vieira, e também deste que ora põe a pena ao serviço de nova jornada de desratização. Se a obra não vier a satisfazer as expetativas, não será pela falta de bons guias. Oxalá venha a ser um reconhecido camarada de ofício.
Rezamos, mas rezamos genuinamente, para que a obra premiada seja uma obra de valor, porquanto um segundo julgamento será feito quando esta e outras que concorreram ao prémio forem publicadas. Mas não só por isso; porque também, daquilo que nos foi dado ler e ouvir, o autor pareceu-nos alguém com um interesse genuíno na literatura, ao contrário da chusma de toscos literários que enxameia a academia e cujo interesse maior é o uso do parco prestígio das letras para a ascensão ou a barganha social.
Mas temos alguma apreensão em relação ao prémio, no meio de bastas certezas, por aquilo que conhecemos factualmente, e pelo histórico, que nos permite fazer determinadas analogias, sendo que nada disto fere a integridade do autor da obra vencedora, que nada tem a ver com os dislates de um júri que cometeu tantas tropelias ao regulamento, que só pode vir a ser responsabilizado, duma forma ou de outra, pelas suas ações de lesa-criação, abusivas e irregulares, como iremos demonstrar.
Comecemos pelo princípio.
Depois de termos tomado conhecimento pela comunicação social de um regulamento tosco e autocrático, publicado no jornal A Nação de 29 de dezembro de 2022, alertámos em email de 6 de janeiro de 2023 o presidente da direção da ACL (com conhecimento para todos os membros da ACL) para as inconsistências e trapalhices nele detetadas, ao qual respondeu, para não variar, com um ruidoso silêncio. A 9 de janeiro um membro da Academia responde ao nosso email dizendo que iria falar com o Medina e depois nos diria algo. Ao que respondemos tempestiva (4 céleres minutos depois) e claramente que não aceitaríamos que dissesse nada ao Medina, pois o email tinha-lhe sido dirigido enquanto presidente da direção, e ele responderia, se assim entendesse.
Longos onze meses se passaram sem nenhuma resposta, nós até esquecidos que havia tal prémio, até que tivemos notícia da sua atribuição.
Em primeiro lugar é de saudar vivamente quem não sendo jovem, nem tendo percurso conhecido (pelo menos para nós) no mundo das letras aparece como uma promessa da nossa literatura, hoje tão falha de obras relevantes, sobretudo no domínio da poesia. A esse genuíno contentamento inicial, que ainda mantemos, logo se apôs um denso nevoeiro, porque nas parcas notícias saídas nada era claro; pelo contrário, era tudo muito confuso. Por isso foi uma atitude natural para nós, que desde o início nos manifestamos em relação ao regulamento, sem sucesso, para que não houvesse tensões e confusões, como aconteceu nas duas edições do Prémio BCA de Literatura, e também no Prémio Mário Fonseca – Livro do Ano, em decorrência de regulamentos trapalhões e posteriores nebulosas ações da trupe que (des)governa a ACL.
Assim, a 7 de dezembro nos dirigimos via email a Daniel Medina, e com conhecimento de todos os membros da ACL, solicitando que socializasse com os membros informações mais concretas acerca do prémio de modo até que a anuência dos pares possa servir de escora a atos praticados por órgãos com mandato largamente expirado. Assim, fazendo voto para que este email não tenha o mesmo destino de outros, isto é, o absoluto silêncio, solicitaríamos que partilhasse com os membros da Academia, através do meio mais idóneo e simples, a ata assinada pelos elementos do júri [como determina o regulamento], de forma que possamos aquilatar da decorrência e da conformidade da atribuição do prémio (sic). O email terminava saudando o vencedor, e fazendo votos para que a obra premiada venha robustecer uma literatura depauperada de obras de significativa valia, aguardamos por uma resposta positiva, que não o habitual silêncio.
O estimado leitor nem precisa de ser bruxo para adivinhar a resposta que (não) tive, até à data em que escrevo este artigo, e que é a resposta que há anos devíamos ter dado ao Daniel Medina, no seguimento da varredela desinfestante que demos à sua comparsa eterna. Infelizmente não o fizemos na altura, coisa de que sinceramente nos arrependemos, pois, se o tivéssemos feito, talvez hoje não teríamos esse janota sem obra, mas sempre mui impante, montado na garupa da ACL.
Agora perguntamos aqui publicamente: o que esconde essa ata que o Medina se recusa a partilhar com os membros da ACL? Ou não há ata?[2] Se não há ata, então o prémio foi atribuído irregularmente, pois o regulamento (e foi a autossuficiência ignorante do Medina em matéria de literatura que o pariu) diz taxativamente no artigo 20: a decisão do júri terá em conta o ineditismo da obra e basear-se-á em três aspetos fundamentais: estética, criatividade e originalidade. A decisão deverá constar de uma ata [sublinhado nosso] com a apreciação da obra vencedora, com os devidos fundamentos estéticos e científicos que superintenderam as escolhas dos jurados, sendo que o ponto anterior, o 19, diz que o júri decidirá com base nas declarações dos jurados, que também não temos.
.Baseado em que pressupostos o presidente da direção da ACL não responde durante anos aos emails de JLT e JLHA, dois reconhecidos escritores, e os únicos a pugnarem perante os seus mudos pares (logo desinteressados, ou coniventes por omissão) pela clareza e salubridade procedimental, mas sobretudo ética e literária? Presunção? Mas como é que a criatura, que não passa de um reconhecido penetra naquela casa, poderia presumir-se ou presumir alguma coisa se está numa instituição onde não tem obra para estar, e, concomitantemente, ocupando um lugar que não tem estatuto (literário) para ocupar?
Fragilidade? Então que abandonasse o lugar. Melhor: que nunca se guindasse ou alapasse a ele. Recordemos aqui a parte final do email do confrade José Luís Hopffer Almada, enviado à presumida presidente da mesa da assembleia geral [3], datado de 22 de abril de 2022, e com conhecimento para todos os membros da ACL, acerca das manobras engendradas nos bastidores e que permitiram a (re)candidatura única do atual presidente: «Em face disso, só posso concluir que fede (aliás, tresanda) o féretro das carpideiras a caminho do cemitério!… Elas que fazem questão de estarem sempre atoladas na desfaçatez e na promiscuidade de nauseabunda má-fé. Havemos de voltar à carga, quando o tempo for propício para essas e outras coisas, nem sempre agradáveis. Saudações cordiais.»
Abra-se aqui um memorioso parêntesis para dizer que a expressão fede o féretro/das carpideiras são os dois primeiros versos do poema Fede o féretro, publicado originalmente no livro À Sombra do Sol (2 volumes, Praia 1990) de JLHA, e que tem como detonador objetivo um cortejo fúnebre que do alto de Ponta Belém víramos descer a avenida cidade de Lisboa, no longínquo ano de 1988, quando os dois novéis pretendentes a poetas andavam «parodiando» pelo citado bairro popular do plateau. De recordar que esses finais dos anos oitenta na cidade da Praia foram um tempo de grande efervescência literária, e cuja prova cabal é essa meia dezena de escritores hoje na casa dos 50/60 anos que vêm sustendo de certa forma a decadência da literatura cabo-verdiana. O poema foi dedicado inicialmente ao autor deste artigo, e, em nova versão publicada no livro Sombras, também ao falecido escritor Fernando Monteiro, filho dileto daquele bairro.
[Para se aquilatar da bondade da copofonia como indutor ou detonador criativo, pelo menos para alguns, refira-se aqui ainda que o título À Sombra do Sol surgiu ao autor JLHA enquanto os dois poetas derrubavam umas cervejas Ceris no antigo Cantinho de S. Tomé, no bairro de Terra Branca].
Retomemos os fios às mal tecidas meadas do prémio BAICV de Literatura.
O júri praticou, a nosso ver, uma série de irregularidades (se lemos bem a parte constante da minuta da conferência de imprensa, porquanto tal parte é bastamente confusa) que podem tornar nulas as suas decisões (e daqui incentivo, para salubridade de futuros concursos, a todos aqueles que concorreram e não sabem qual foi o destino das suas obras a, primeiro, pedirem satisfações à ACL, e, a partir daí, se não se sentirem satisfeitos ou inteiramente esclarecidos, recorrer aos tribunais. O documento fidedigno terá de ser a ata comprovadamente já existente e assinada pelos três elementos do júri, e não qualquer documento engendrado a posteriori para tapar os eventuais atropelos cometidos). Senão vejamos:
- O poder autocrático de desclassificar candidaturas que apresentaram mais do que uma obra
O júri não pode, nem podia desclassificar as candidaturas que apresentaram mais do que uma obra, porquanto esta sanção está clara e unicamente estabelecida para os casos comprovados de plágio e de não-ineditismo das obras (artigo 10 do regulamento). Em nenhum outro caso mais. Se não sabem ler literalmente, aprendam a fazê-lo, senhores doutores-investigadores-linguistas, e o diabo que vos carregue, tivesse ele pachorra para tanta pesporrência e ignorância ilustrada. E, além disso, o que não é menos, o júri não podia, nem tinha como saber, a anteriori, que um concorrente apresentou mais do que uma obra. Se os envelopes com os respetivos dados identificativos estavam na posse da ACL, como é que o júri poderia saber que um determinado concorrente apresentara mais do que uma obra? É apenas uma questão de lógica. Só por um milagre, ou violando o envelope [4] contendo os dados. Quem o fez? Em que momento? Isto é grave, e exige cabal esclarecimento.
Ainda que pudesse saber de modo regular que alguém apresentou mais do que uma obra, e tal sanção desclassificatória estivesse prevista, e não está (e nem é caso omisso, o que daria ao júri a liberdade de decidir a seu critério, artigo 23), seria uma sanção desproporcional, na medida em que o concurso tem por finalidade premiar e revelar a melhor obra, mas com essa decisão estar-se-ia a impedir o júri de tomar conhecimento duma obra potencialmente de maior valor. E mais: ainda que a sanção estivesse no regulamento, e volto a frisar que não está, o júri deveria guiar-se pelo princípio legal e jurídico de a maiori, ad minus, isto é, no âmbito do mais sempre se compreende também o menos, e, tendo em conta isso, analisar apenas uma das obras.
2. Acrescentamento de critérios de julgamento
O júri não pode, a posteriori, introduzir quaisquer outros critérios de julgamento (a não ser para casos de desempate), porque acha que sim. Um regulamento publicado faz fé pública, e um júri tão façanhudo nas suas prerrogativas formais (quando se trata do júri, pode torcer o regulamento a seu bel-prazer; quando se trata dos concorrentes, cumprimento rígido, escrupuloso e maximalista da letra do regulamento) devia ter a coerência de nem sonhar mexer naquilo que não tem competência para mexer. Isto não quer dizer que não use de critérios subjetivos que não estejam no regulamento. Mas pô-lo em letra de forma é enforcar-se com as próprias mãos. Quanto a isso não há volta a dar que não seja a declaração de nulidade desse concurso, ou a responsabilização cível do júri, porquanto o artigo 20 do regulamento reza: a decisão do Júri terá em conta o ineditismo da obra e basear-se-á em três [sublinhado nosso] aspetos fundamentais: estética, criatividade e originalidade.
Mas o que resolveu fazer o brioso júri na avaliação das obras a concurso, violando clara e grosseiramente o regulamento? Leiam e arregalem os olhos: a avaliação das obras a concurso ao Prémio Claridade 2023 foi feita ao abrigo do nº 20 do Regulamento, ao que foi acrescentado o critério da correção linguística e estruturação do discurso, pois que o júri entendeu que uma obra digna deste prémio não poderia conter desvios à norma, devendo enquadrar-se minimamente no registo padrão-culto.
O mais esdrúxulo nesse quarto e irregular critério apócrifo, introduzido pelo todo-poderoso júri, é a sua profunda mediocridade, quando não mesmo retumbante necedade. O critério de correção linguística e estruturação do discurso é para redação de meninos e meninas da quarta classe, quando havia, ou tara de professorecos que da literatura têm a vaga ideia de que é uma coisa parecida com isto, mas não sabem ao certo de que substância, para parodiarmos um célebre título de Manuel António Pina. Não é esse formalismo, há muito varrido para o caixote de velharias de ferramentas hermenêuticas, que determina ou enforma o literário, e nem estamos num concurso para redatores da Assembleia Nacional. Até um Saint-Beuve era capaz de ficar com os cabelos em pé diante de tal basismo professoral.
A obra não deve conter desvios à norma padrão!?(sic) Mas o que constitui a natureza do literário e o substancia enquanto tal não é, primacialmente, o desvio à norma, qualquer que ela seja, sobretudo à função normalizada e normalizadora, pragmática e burocrática da linguagem? É caso para dizer: estou basto ofendido, mas vou rir até smaiar!
3. Exclusão de candidaturas cujas obras não atinjam as cem páginas e apresentadas fora de prazo
Parece que essa gente da ACL tem o fetiche ou a tara dos cem. Ninguém tem a nada a ver com isso, mas não transportem isso para os concursos literários. E o que é mais, é que essa gente para além de irredentamente burra, é infinitamente casmurra. Foi um regulamento desses, no tempo da comparsa de deletéria memória (era o atual mandarim seu vice), precisamente contendo essa cláusula de 100 páginas, entre outros avultados dislates, que fez com que nenhum livro apresentado ao Prémio Mário Fonseca – Livro do ano, em 2016, cumprisse todos os clausulados, e o prémio ficou vago, tendo morrido ingloriamente, matado por esses fetichistas dos cem.
As obras literárias têm a dimensão, o tamanho e a estrutura que a sua organicidade interna exige, e ponto final. Para dar só um exemplo: uma das obras fundamentais da estética do século xx, A Origem da Obra de Arte, de Martin Heidegger, hoje nem serviria para um reles concurso da ACL, posto que possui umas míseras (pela bitola larga da ACL para medir a abundante palha de que se alimentam essas alimárias ilustradas) 30 e tal páginas.
Embora o artigo 7 estabeleça que não são aceites candidaturas enviadas fora de prazo, um júri de pessoas medianamente esclarecidas não deveria tratar um concurso cultural para revelação duma obra de criação literária - no fundo o engendramento de um mundo novo com as suas próprias leis internas -, como se se tratasse de uma proposta de empreitada para beneficiação de uns esgotos, ou a licitação dumas ferrugentas carcaças de automóveis ou de navios abatidos.
Um júri que teve sete meses, senhores, sete, para decidir sobre meia dúzia de obras, agarra-se a esse formalismo merceeiro, quando devia aceitar todas as obras recebidas até ao início dos seus hercúleos trabalhos? Esta não é a prova provada, se dela precisássemos, de que essa gente pode saber de tudo, menos dos infinitos labirintos e universos que a arte cria, e, por tal via, alarga os limites e as fronteiras do humano?
Vejo nesse júri um único elemento com capacidade crítica suficientemente comprovada e background estético para julgar obras poéticas relevantes em língua portuguesa [5], por escritos sobre a grande poeta São-Tomense, Conceição Lima, acima das choraminguices piedosas sobre identidades e géneros, ao lado das estreitas pautas etnológicas, das tristes e absurdas versalhadas surreais, querendo ser surrealistas, ou prosas naturalistas onde a condessa sai de casa às cinco em ponto da tarde, ou mamai trazia o filhinho às costas debaixo de um sol bué quente.
Foi também por demais absurda e desnecessária a indicação pelo BAICV de um elemento para o júri, pessoa que humanamente estimamos, competente e séria no seu campo profissional, mas aqui tratava-se de um âmbito que requer uma comprovada e específica competência intelectual para o julgamento e estabelecimento duma disputada verdade, e não há provas ou indícios públicos, por via dalgum exercício crítico ou de divulgação, ou confirmados por via de formação, de que o indicado fosse totalmente capaz. Era como se eu, José Luiz Tavares, por absurdo, por saber aritmética, ou conseguir fazer os cálculos da mercearia, fosse convidado a integrar uma equipa que certificasse as contas do BAI. Convenhamos que seria sumamente ridículo, e desqualificaria qualquer julgamento ou proposta produzida sobre o assunto.
Permitia-me sugerir ao BAICV um novo figurino ou modelo para o prémio: passar a anual, e em cada ano, alternadamente, dedicado a um género (poesia num ano, prosa noutro), transformando o Prémio Claridade em prémio de consagração para obras éditas, com relação das obras concorrentes, júri, fundamentos da decisão, tudo divulgado publicamente em cada uma das etapas. Para esta modalidade escolher-se-iam, entre as concorrentes, três obras que disputariam a premiação final.
Uma outra modalidade seria um prémio de revelação, em que os candidatos, no género a que concorrem, não têm nenhuma obra editada à data da candidatura. O prémio seria a edição da obra com o montante que anteriormente era destinado à edição da obra vencedora do prémio Claridade.
O diabo às vezes tem boas ideias.
Mantende vigilantes, até nova varredela.
TRÊS NOTAS MUI POUCO NATALÍCIAS PARA DESAGRADAR A CEGOS SURDOS E COXOS ISTO É A TODAS AS INUMERÁVEIS CARRAÇAS PARTIDÁRIAS CABO-VERDIANAS
1.
Teria sido duma monumental coragem política indultar o «prisioneiro» Amadeu Oliveira (sim, sabemos que não cumpria os requisitos formais), um indivíduo perseguido pela lei, espoliado dos seus direitos de cidadão, o que nos torna axiologicamente indignos (entre outras indignidades recentes praticadas pelo estado cabo-verdiano) de reclamarmos o epíteto de estado direito. Não, somos um estado «torto».
Dizia eu, houvesse tal coragem, depois de o PR ter incitado o povo soberano a discutir o acórdão do mui douto e venerandíssimo tribunal constitucional, para no fim declarar-se olimpicamente de mãos atadas.
É certo que pela gravíssima ilegalidade cometida pela AN, e que todos os juristas não aferrados à mama reconhecem (nós, sumamente ignorantes que somos dessas transcendentais matérias jurídicas, nada diremos, pois, como nos disse um desses rasteirinhos ruminadores de sebentas coimbrãs, seria uma pretensão caricata), o PR teria todas as razões para a dissolver. Sucede, porém, que esta deve ser a única constituição no mundo em que o carrasco necessita da anuência da vítima para lhe cortar o pescoço. Mas, em contrapartida, tem o poderoso artigo 19, que uma nação e um povo vilipendiados deveriam ler todos os dias. E daí, quem sabe…
2.
O PR atolou-se completamente nesse caso do vencimento da (não) Primeira Dama. É totalmente incompreensível, inaceitável e indesculpável. Com que moral o PAICV pode atacar os incontáveis regabofes deste governo do MPD, se mostra santa e natalícia compreensão por esse indefensável privilégio da (não) Primeira-Dama?
3.
Pior, só a deriva direitista (aliás, é um rumo bem traçado e coerente no alinhamento) do estado de Cabo Verde no âmbito das relações internacionais. Agora fez-se luz sobre aquela parte desse documento redefinidor do posicionamento de Cabo Verde no âmbito das relações externas e que começava por dizer que Cabo Verde se definia ou regia por valores judaico-cristãos. Judaicos, sim, quando se põe do lado de um bárbaro, inumano e continuado morticínio, mas mui pouco ou nada cristãos na assunção do único absoluto, o inegociável valor da vida humana.
Talvez agora tenha ficado claro aquela publicação do ainda primeiro-ministro de Israel, quando em tempos escreveu que Cabo Verde nunca mais iria votar nas Nações Unidas a favor dos palestinianos. Nojo. Esperamos vir a saber um dia quais foram as contrapartidas da venda da dignidade do nosso país, porquanto em relação a Marrocos, soubemos agora que as migalhas foram a sustentação das nossas representações diplomáticas em Rabat e Dakhla. Vergonha.
NOTAS
[1] Confiram-se o risivelmente e desenxabido José Mãos Limpas, o manhoso, mas assustadoramente medíocre e panfletário, Súplicas e Prantos, e o tosco e bastamente bolorento Urdindo Palavras no Silêncio dos Dias (este com um prefácio do agora negregado, pelas hostes feministas – de que a poetastra irredenta estrategicamente se diz parte –, Boaventura Sousa Santos, sendo todos esses monos produtos duma vocação falhada, ainda que sempre alevantada e astutamente comicieira.
[2] Semanas após o nosso email enviado ao Medina solicitando a ata para todos os membros da ACL, e quando nada o fazia prever, porquanto há anos que lhe enviamos emails sem qualquer resposta sequer a um único, a 18 de dezembro de 2023 recebemos um email dele (enviou-o apenas para nós, quando tínhamos solicitado a ata para toda a Academia) trazendo em anexo um documento apócrifo em word (um filme que já tínhamos visto em 2017, aquando das peripécias do Prémio Mário Fonseca), a minuta da conferência de imprensa do anúncio do vencedor do prémio. Quando o recebemos este texto já estava escrito. Esta segunda parte do texto foi adaptada a algumas informações que a minuta veiculava. Ata não deve haver, porquanto não a recebemos.
Estranhamos esta inesperada e absolutamente inusual resposta do Medina. Como tentamos colher elementos junto de outras fontes, e tendo dito claramente o fim a que se destinavam, o mesmo deve ter transpirado e, com esse envio, tentou controlar os danos. Demasiado tarde; a ata do prémio foi apenas o detonador.
[3] Na sequência duma veemente e contundente contestação a mais uma tropelia na ACL, dando nome aos seus autores, o poeta Kaká Barbosa, a quem nada fora apontado, mesmo assim, incomodado, resolveu demitir-se, uma atitude que só o enobreceu. A visada, a então presidente da mesa da assembleia geral (MAG), Vera Duarte, informou que também se demitia para levar o autor destas linhas a tribunal. Ainda hoje aguardamos sentados pela concretização da farronca. Aliás, essa imprudente e mal medida ameaça apenas retemperou os meus propósitos de não dar tréguas a essa trupe de atoleimados literários.
Acontece que na altura dumas eleições (creio que falhadas) para os órgãos sociais da ACL a demissionária presidente da MAG reaparece milagrosamente nas vestes de presidente da mesma, sem qualquer formalidade, ainda tentando trazer pela mão, sorrateiramente, dado que estava no rol dos destinatários do email da milagrosa reassunção, alguém que em tempo algum fora admitida formalmente na Academia. Quando apanhada com a pata na poça, balbuciou que apenas suspendera o mandato. Em resposta a um email façanhudo da dita, mas transpirando desespero e impotência, e falta de argumentos factuais, o autor destas linhas revidou duramente, e com factos, como é seu timbre, tendo a poetastra irredenta na sua impotência socorrido covardemente da atitude límpida e digna de Kaká Barbosa, afirmando que o poeta de Konfison na Finata se demitira para «ajustar contas» comigo.
Devo dizer claramente que as duas únicas formas de se ajustar contas comigo que conheço são estas: terçar armas (pena) aqui na tapadinha, o que não é nada fácil, e de que têm fugido todos de modo conveniente, para não dizer cobardemente, ou levar-nos a tribunal, o que também ansiamos ardentemente. Qualquer outra devem guardar como um impotente pensamento engendrado na podridão dos seus cérebros de covardes (éticos), ou enterrá-los em chiqueiros e currais, habitats naturais das respetivas espécies.
[4] A primeira vez que concorri a um prémio da ACL, por não ter nenhuma confiança nas pessoas que se encontravam à frente da instituição, os mesmos do golpe do Prémio Sonangol de literatura 2004, e face ao afã de todos em querer saber se eu ia concorrer ou não, sempre alimentei a suspeita de que podiam abrir previamente os envelopes contendo a identificação dos concorrentes, e, desta forma, como nunca há relação das obras efetivamente aceites ao concurso, bem que podiam, identificando uma obra minha, dar-lhe sumiço, fazendo com que nem chegasse às mãos do júri. Por isso, no envelope onde deveria estar os elementos de identificação, havia apenas um número de telefone, para ser contactado, e revelar quem eu era, no caso de o envelope corresponder à obra vencedora. Acontece ter sido eu o vencedor, e mesmo sem esses elementos de identificação, souberam que era eu. Elucidativo, não é?
[5] Temos assistido nos últimos tempos, por nossa pobreza intelectual [muita garganta, mas pouco saber?] à participação de cidadãos estrangeiros em júris de concursos literários cabo-verdianos, e em que as obras avaliadas estão escritas nas duas línguas nacionais. Primeiro foi no Prémio Mário Fonseca, depois no Prémio Lhana, e agora no Prémio BAICV. Tenho imensas reservas de princípio em relação à participação de elementos estrangeiros em júris de prémios nacionais. Vivo há trinta e cinco anos em Portugal e nunca vi tal. A nossa pobreza intelectual não pode justificar tudo. Se tem de ser, então que se assegure de antemão o domínio e a proficiência desses elementos na língua nacional, o que, posso assegurar, não aconteceu nos três casos citados.