“Nós, artistas, somos como os pedreiros que construíram o Kilamba que não têm acesso às moradias”, arte que vem da periferia

São artistas que pintam e mostram uma nova Angola, com técnicas e estéticas tão ousadas como os seus discursos e olhar para o cenário artístico. Nas artes visuais angolanas, a produção mais potente vem da periferia, longe do centro onde se encontram as galerias e salas de exposição.

Em outubro do ano passado fui desafiado a sair da minha zona de conforto — a música — para entrevistar os jovens da residência artística ResiliArt que produziram obras para a II Bienal Africana da Cultura da Paz. Aceite a proposta de Marcos Agostinho, director da ASA - American Schools of Angola, tornou-se evidente que essa produção artística não está na elite de Luanda e que apenas uma parte destes artistas entra nos grandes centros durante as exposições e não tem acesso às condições de produção e mercado.

Ter sido pintado pelas cores dos argumentos de artistas promissores como: Giovani Tadi, Oksana Dias, Nefwani Júnior, Isabel Landama, Cesário Kissandeca, Sarhai da Costa, Imaculada Tchitanga, Manuel Pedro “Raffa”, Adão Cavota, Manuel Kakwarta, Benigno Tengo, Jorsanady dos Santos, Yola Balanga, Débora Sanjhai, Danick Bumba, Marisa Kinjika, que frequentaram a residência, proporcionou outro olhar para o mundo das artes visuais em Angola. E assim nasceu uma relação. Passei a receber por várias vezes convites para conversas e a assistir com alguma regularidade às exposições, como aconteceu nos últimos dias com a exposição ResiliArt no Palácio de Ferro e o Cucarte no Hotel Intercontinental do Miramar, unidade hoteleira de cinco estrelas que recebe os detentores do poder político e económico. Elite do poder que supostamente gosta do belo, mas que olha de esgueira para os operários das artes, pela forma como moldam e talham as acções para o fomento das artes. Conhecer os lugares de produção (outros centros) destes artistas é uma excelente oportunidade para conhecer Luanda profunda, com os seus sons e cheiros, uma experiência que não tem preço. 

O roteiro de duas semanas teve início no Bairro Popular, nas imediações do Cassequel bem próximo das valas de drenagens, ao encontro de Benigno Tengo que é discípulo do mestre Mawete e tem todo o seu processo criativo no ateliê deste gigante das artes plásticas angolanas. Benigno é natural de Cabinda e, desde cedo, se começou a interessar pela pintura, influenciado pelos irmãos Patrício e Cristiano Mangovo. O seu posicionamento é o seguinte: “não uso o nome da família porque o Cristiano já tem um caminho bem traçado, penso que dá a impressão que estou a apanhar boleia e também trazia muita confusão porque as pessoas quando falassem de mim pensariam no Cristiano. Mas não deixo de ser Mangono porque me está no sangue”.

Benigno Tengo, fotografia de Dralton MaquinaBenigno Tengo, fotografia de Dralton Maquina

Jovem autodidacta, desde 2017 frequenta o Ateliê de Pintura Mawete. Benigno Tengo diz “tem sido muita prática e teoria com o mestre Patrício Mawete que é artista puro, muito inteligente, sabe o que faz é dedicado e tem um vasto conhecimento. Para o meu trabalho uso a minha vida, as experiências pessoais como fonte de inspiração, as minhas emoções, sentimentos, a memória.Gosto de representar isto, as relações familiares e interpessoais, também a experiência humana de cada um de nós.É o pacote de inspiração do meu trabalho”. 

Benigno participou na primeira exposição colectiva em 2019 no Candango, uma produção do seu mestre, depois veio a Covid e muita coisa ficou meio estragada. Não obstante este impasse, aconteceram dois eventos: “um dos meus trabalhos foi escolhido para uma exposição numa Bienal em Portugal, o projecto “Animal em Transformação”.Depois participei na Holanda no projecto “Africa Change” que aposta em artistas emergentes, organizado pela galeria Art Change. Foram duas experiências interessantes apesar de não ter sido presencial.

A parada seguinte foi no Palanca, bairro com forte presença da cultura do Reino do Kongo e encontramos a simpática Imaculada Tchitanga, que assina obras como “Ima Tchitanga”. A artista localiza melhor “vivo no Kilamba Kiaxi, na subzona-14 do Golf 1, o interesse pelas artes começou muito cedo. Eu queria fugir da arte mas ela não me deixou e, com trabalho árduo, quero ser uma artista conceitual. Pretendo contribuir para a arte angolana e o meu maior objectivo, enquanto artista e estudante de arte, é a criação de um museu de arte angolana. Estou preocupada em acabar com o facto de muitas obras produzidas ficarem abandoadas”.

Ima Tchitanda lembra que aos sete anos, durante as aulas, já desenhava. A professora ficava muito chateada, assim como a mãe porque preenchia as folhas do caderno, mais tarde ficava fazer banda desenhada sem legendas nos cadernos e cresceu tendo o desenho apenas como passatempo. Revelou-nos quefoi quando a família vivia em Viana em 2017 que passou a ter outro olhar, fazendo e vendendo desenho de roupas para uma estilista porque queria ajudar a família nas despesas da casa. Depois deixou de fazer isso “porque via que não era bem aquilo o que queria porque acabava por ferir alguns dos meus princípios, fazia desenhos extravagantes que contrastavam com aquilo que acreditava ser o comportamento para roupas femininas, só pensava no dinheiro que estava a entrar. Depois pesou na consciência porque estava a contribuir negativamente para certas tendências na sociedade. Eu vivo nesta zona, longe das galerias e dos salões de arte, aqui há muito vandalismo. Não temos acesso nem investimento na arte. Quando saio com um quadro, os vizinhos perguntam se sou a autora da obra e depois dizem que eu pinto muito.Quanto ao preço, infelizmente eles não têm como pagar. Tento fazer algo pela minha comunidade, procuro trabalhar com crianças mas infelizmente os pais não investem apenas, querem que os filhos aprendam mas é preciso adquirir materiais e querem tudo de favor mas, infelizmente, não se vive apenas de favores”.

Quanto aos salões e galerias. “A gente vai para aquele ambiente elitista, onde muitos não sabem as nossas condições, como vivemos e como produzimos. Simplesmente vêem e apreciam os quadros, tratam-nos de acordo com o espaço. É um pouco triste a valorização do artista e a legitimação da obra. Deve-se também à questão do investimento na área das artes visuais, o que é diferente em relação a um cantor dos bairros. Nós podemos ficar lá mas a vida é muito diferente: há um desequilíbrio total, nós gostamos que apreciem as nossas obras, mas era importante também apostar e descentralizar, levar crianças e estudantes das nossas zonas para as exposições em visitas guiadas e não serem apenas pessoas com uma certa possibilidade a iràs galerias. É algo estranho, nós pintamos as nossas realidades mas não apresentamos aqui e devíamos equilibrar esta situação. Para eles, a nossa realidade é fantasia, nós artistas somos como os pedreiros que construíram o Kilamba que não têm acesso às moradias”.

Dias depois retomamos ao Palanca, bem próximo do bairro de Imaculada, para o encontro com a sua amiga Isabel Landama. Apesar da vizinhança entre bairros, o recurso é apanhar um candongueiro, não dos azuis e brancos, mas um turismo, grande parte velhinhos, ou pegar um kupapata (moto-taxi). Próximo do mercado do Palanca encontramos a artista, professora e costureira, recém-licenciada em Artes Visuais no ISART-Instituto Superior de Artes de Luanda. Tal como a amiga, o quintal e algumas dependências da casa dos pais trasnformou-se em ateliê. Gente hospitaleira, a recepção com uma quissanguâ e a artista começa por contar o seu percurso. “A arte entra na minha vida ainda pequena, talvez aos sete anos de idade, quando observava o meu irmão mais velho Virgílio a desenhar. Depois a minha irmã Luísa, que comprava materiais como resmas de papel e lápis de cores, ela foi uma grande impulsionada até chegou a comprar-me um projector onde apresentava imagens e eu ficava a desenhar. Na escola era muito dedicada nas aulas de desenho(EVP), ajudava os colegas e o professor também me incentivava. Agora pretendo chegar longe com as minhas obras, quero mudar a forma de pensar das pessoas para olharem nela e puderem olhar de forma diferente o mundo”.

fotografia de Dralton Maquinafotografia de Dralton Maquina

Morar no bairro. “Poucos me conhecem como artista mas, por viver próximo da praça, ter de comprar alguns materiais lá e às vezes sair com quadros, alguns ficaram a saber e despertou curiosidade. Não há qualquer movimento artístico mas tento retratar o meu bairro, infelizmente eles não podem comprar as minhas obras, mas inspiram-me no meu processo criativo”.

A artista Isabel Landama preocupa-se com o meio ambiente. “Trabalho com materiais recicláveis principalmente nas instalações. Vivo no Palanca, um bairro muito sujo onde a população joga tudo no chão e, por ver isso, decidi levar isto para a minha arte. Por exemplo, tenho uma obra “Kilamba Kiaxi” onde questiono a frase “amar o Kilamba Kiaxi”, espantada em determinados locais do meu município.” Como artista visual explora a pintura, escultura, instalação e a costura, outra paixão. “A costura é algo que gosto, mas artes plásticas é o que amo de coração, posso não desistir da costura mas quero mesmo dedicar-me às artes plásticas. Sei que está difícil”.

Encontramos outro jovem do “Popula”, bairro Popular, mas no seu gueto colacado ao Palanca, mas na Mutamba, pois Manuel Tchimbengo é estudante do primeiro ano de arquitectura na Universidade Metodista. Entre a correria das aulas deu tempo para abordar aspectos do sua curta trajectória “entro nas artes na verdade quando terminei o ensino secundário, naquele período de escolha para um curso alguém próximo ao Mestre Dom Sebas viu-me a desenhar e encaminhou-me para o seu ateliê e numa escola. Depois surge todo este processo e passei a conhecer colegas que já desenhavam, assim como a frequentar exposições e daí nunca mais parei. Os meus pais apoiam-me muito, são daqueles tipos de pessoas que dão liberdade de escolha e não te limitam.Eles me disseram ‘deves fazer o curso que quiseres porque é a tua formação e vida, nos já fizemos a nossa, podemos dar opinião mas não podemos impedir que faças aquilo que tu gostas’. Quando optei pelo curso de artes plásticas eles apoiaram-me e continuam a fazer até agora, como actividade semiprofissional há quatro anos entrei no CEART e tenho desenvolvido o meu trabalho como artista plástico e tenho recebido muito da experiência do Dom Sebas Cassule”.

Tchimbengo tem participado em várias exposições feitas na escola e depois nos murais do Catetão e da Cidade do Kilamba. Sobre o seu trabalho explicou que aderia mais à PopArt,“apresentações que envolvem muita cor, muita informação, publicidadee mensagens. As minhas obras são muito vivas, deixo que as cores falem muito nelas, em murais também opto por estas cores”. Percebendo a importante valorização da cultura, refere queo contacto com a arte fez com que se “interessasse mais pela cultura nacional e africana no geral, tendo uma percepção mais abrangente da minha preocupação para engrandecer a nossa cultura”.

Dias depois duas outras conversas aconteceram no centro da cidade, uma na zona dos Coqueiros, outra no Hotel Globo, com dois artistas cujas vidas têm Cabinda como local de construção social. O primeiro foi Danick Bumba, artista autodidacta que aos nove anos foi influenciado pelo primo em Cabinda para o desenho, em Luanda desde 2016 para a formação superior em engenharia de minas, dois anos depois penetrou no movimento artístico e, em 2019, inscreve-se na UNAP-União Nacional dos Artistas Plásticos e passou a frequentar mais as exposições e a relacionar-se com artistas “para beber alguma experiência”, participando e realizando algumas exposições colectivas. 

Danick também tem usado a internet para a formação e, como sempre, esteve preocupado com o ensino, tem um projecto com esta inclinação no seu ateliê, nos Coqueiros. Tudo começou na escola Mutu Ya Kevela em 2019 com a primeira turma e continuam com o objectivo de formar pessoas que se interessam pelo desenho, pinturas, aspirantes a artistas plásticos e não só, assim como promover os trabalhos dos formados. Organizam exposições em locais públicos, tudo isto para promover as obras, do seu ateliê em parceria com a irmã a Nikesse Bumba. 

Um dos objectivos “é levar a linguagem artística para todas as camadas porque existe um grande défice quanto a isto. Hoje em dia as pessoas olham para um objecto artístico e só vêem uma pintura ou desenho bonito, não passam disto. É pela educação artística que nós quase não temos. Num país onde ainda estamos preocupados com a cesta básica pensar em comprar uma peça é difícil. Vamos supor que um artista tenha arte como sendo a sua sobrevivência, ele vai ter de se “prostituir”, automaticamente dar os preços mais baixo possíveis para que possam consumir a sua obra. Se tivermos uma educação artística em todos os meios, acredito que poderíamos mudar porque o indivíduo que vai ter o contacto já sabe o valor porque isto acrescenta nele um certo valor. É dever de um artista atribuirvalor à sua arte e, se eu não me identificar com ela, retirar algum conceito como comprador não o faria”.

Danick Bumba explica a sua intenção: “não penso em ter uma carreira muito longa como artista plástico. O meu propósito é formar mais pessoas e depois promovê-las, tal como acredito que os artistas merecem um suporte forte. Por isso desejo fazer uma pequena carreira artística e passar pelo mesmo e assim, quando estiver na produção,vou entender realmente o que um artista precisa, porque muitos que apoiam os artistas são empresários e não têm nada a ver com a arte. As pessoas acreditam que estão a ajudar artistas mas é mais ou menos como se tivessem um fogo que daqui a pouco vai apagar mas não é disto que precisam, segundo a minha experiência pessoal.Os artistas precisam mais do que isto porque de nada vale pagar pelos seus serviços e dizer que eu estou a te apoiar, mas na verdade estou a comprar o teu serviço porque apoiar seria ir além disto”.

Para finalizar estes encontros de artistas com origens na periferia trago parte da conversa com Yola Balanga que se tem destacado como performer. A primeira escolha para o encontro era a sua residência, no Morro Bento, onde vive com a filha, mas tudo convergiu para o Hotel Globo onde tem o seu ateliê depois da participação na 7ª edição do Fuckin’ Globo. A escolha cai perfeitamente porque feita num local de legitimação bem central, por uma jovem irreverente que o conquistou.

 'Entre Grades e Coroa', Yola Balanga, 2022 'Entre Grades e Coroa', Yola Balanga, 2022

Yola nasceu no Cazenga, em Luanda e muito cedo deixa a capital e vive com a irmã mais velha em Cabinda onde estuda o curso médio de contabilidade e gestão, porque não conseguiu frequentar o de desenhador projectista. Dedicou-se ao desenho de moda e fazia teatro na Igreja Metodista de Cabinda. Depois de nove anos na província mais a norte de Angola, regressa a Luanda em 2013 para frequentar o curso superior, esperando fazer teatro aconselhada pelo encenador Tito Lopes Soares. Quando chega no ISART descarta as artes cénicas e opta pelo curso de artes visuais para aprimorar o seu lado de estilista na área da moda. 

Yola Balanga “No segundo ano as coisas complicavam-se e eu tive que optar pelas artes plásticas, porque tinha que garantir a bolsa do INAGBE (Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo), porque dependia dela para continuar a formação. Não conseguia conciliar moda, costura e artes plásticas. A partir dai afastei-me da moda e foquei-me mais nas artes plásticas.”

E porque escolheu a performance como linguagem artística?

“Apostei na performance como eu vinha de uma realidade um pouquinho mais corporal no teatro no terceiro ano, em 2018, senti necessidade de experimentar coisas novas. A professora Ana Meli apresentou-nos a performance, a instalação, environement, body art, e outras vertentes mais contemporâneas. Ela dava-nos muito apoio, tanto que durante as aulas desenvolvemos performance colectivas na turma. Foi assim que me senti mais ligada e conectada com as artes visuais e à performance, sem estar presa à tela, se calhar porque já vinha de uma realidade mais movimentada que era o teatro. A partir daí que conectei-me e, para o final do curso, regresso a Cabinda onde fui fazer uma pesquisa de campo de um ritual de lá que é o Tchikumbi, que era o tema central da minha tese e faço a performance Casa de Tinta”.

Considera-se uma artista de intervenção e justifica. “Se tens um palco mais alargado de visualização não podes usá-lo apenas para entreter as pessoas, tens de deixá-las um pouco conscientes. O artista que não tem esta pretensão no seu trabalho deveria fazer decoração e não quero menosprezar alguém. Se tens o microfone na mão, não podes simplesmente falar baboseiras, tens de deixar um pouquinho de interrogação nas mentes das pessoas e obrigá-las a pensar”.

Também deu uma pincelada de opinião quanto ao acesso à arte. “Nós aqui tornamos a arte um produto de elite, não sei se foi intencional mas a arte faz pensar e questionar, fechando este mercado também estamos a mexer na capacidade das pessoas de questionar. Não é propositado mas tornaram a arte mas elitizada. Dizem ‘mas vocês são da periferia, porque que não criam e mostram a vossa arte lá?’Nós ainda não temos um mercado artístico como tal, mas temos galerias, produtores e curadores e eles não estão nas periferias. Um artista que quer fincar tem de sair do bairro para ter maior visibilidade. Para fazer uma contracorrente é preciso muita disposição e garra para o artista se manter,ele tem noção que não vai conseguir facilmente. Eu conheço alguns artistas que vingaram principalmente no teatro, que saíram e depois de conquistarem o centro levaram os seu projectos para as periferias. Através do seu nome, as pessoas da cidade seguem-no e é isto que devemos fazer, já percebemos este mercado artístico. Vamos levar toda a nossa bagagem adquirida para lá e contribuir para o aceso à arte colectiva. Vejam a nossa escola localizada na Centralidade do Kilamba, para se chegar lá nós sofremos muito. A estrutura não foi concebida para escola de arte, a programação era cubana, olha o táxi para quem vivia em Viana, Cacuaco, Prenda, Cazenga como eu, chegar a horas era difícil, já pulei as janelas do candongueiro muitas vezes e isto de colocar o CEART, o ISART bem distante de uma população artística que vive maioritariamente na periferia, sinceramente, não sei. Porém, há uma coisa positiva: tem crescido jovens preocupados divulgando, fazendo curadoria e crítica e é assim que deve ser, fazer por nós e não esperarmos que criem políticas”.

Depois destes encontros passámos na zona da Coreia, falamos com Oksana Dias que começou a apostar em costura. É uma artista urbana e tem a rua como “principal galeria”. Não fomos a Viana, mas foi na rua dos Mercadores, junto a uma das suas intervenções nas paredes da baixa de Luanda que encontramos Manuel Pedro ou simplesmente “Raffa, o Invencível” artista visual, grafiteiro, que também encontra na rua a tela perfeita para exprimir a sua arte e partilhar com todo o mundo numa galeria a céu aberto. Bem distante da cidade, entre o Patriota e a via-expressa que liga o Benfica ao Cacuaco, fomos recebidos pela também artista urbana Saray uma antiga integrante do colectivo Verikron, movimento de arte urbana com várias intervenções em Luanda. A maternidade deixou-a um pouco afastada da street art. “Pelo tipo de mensagem que quero passar acredito que aarte urbana é a mais adequada, a galeria é muito fechada e eu pretendo que mais  pessoas tenham acesso, prefiro mil vezes fazer uma pintura na rua do que numa tela”. Ouvimos revelações importantes destes três artistas.

Conhecer a zona do Calemba II no Amor e Paz foi outra experiência agradável porque não apenas conhecemos o atelier do artista Don Sebas Cassule e, de uma assentada, reencontramos Manuel Tchibengo, Adão Cardoso “Manjuca”, Cesário Dias “Cassendeca” e Nefwany Júnior, todos do Resiliart. O mentor e mestre Dom Sebas Cassule com projecção internacional, já foi distinguido com o mais alto troféu atribuído pelo Governo Angolano, o Prémio Nacional de Cultura e Artes. Manjuca também é estudante no Isart, tem o seu ateliê no Catinton, uma das zonas perigosas de Luanda e serve como fonte de inspiração quer para as telas como para as instalações. Em relação aos outros, é vizinho do mestre Evandro Dias “Cassendeca”, vive no Camama, como estudante do ISART e, tal como os colegas, partilha a carteira com o mestre. Inicialmente contrariado pelos pais, actualmente leva a arte a sério. Distante do seu ateliê, no Zango 5 ficou facilitada a entrevista com Nefwany Júnior, é um artista muito interventivo e com uma história de vida interessante que tem impacto na sua arte, sentiu na pele o que é viver num centro de refugiados, natural de Mbanza Congo mas fez-se homem no Cazenga onde viveu duas décadas e fundou o colectivo Mwene Arte.

Passamos pelos distantes Zango 1 e 2 para onde encontramos os ateliês de Jorsanady dos Santos e Amândio Cachiumbua, artistas com forte preocupação no academicismo, fortes reflexões sobre o mercado, estética e crítica. A nossa última escala foi o Cazenga interagindo com Marisa Kanjica e Giovani Tadi, ambos estudantes do ISART, professores e também compreendidos com a democratização das artes e com iniciativas na comunidade.

Depois de conhecer o roteiro dos novos centros de produção das artes visuais angolanas, tenho mantido relação com os jovens artistas, naquilo que se considera centro das exposições. Aos poucos, os sonhos estão a tornar-se realidade com a conquista destes espaços, mas ainda não chegou a fase da independência pela arte, onde os supostos mecenas apenas estão preocupados com os seus lucros e muitos querem brilhar mais do que as verdadeiras estrelas que mantêm o espírito de resiliência com a arte.

 

Artigo produzido como trabalho final do curso Comunicação Cultural para os PALOP, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, coordenado por Marta Lança (BUALA).

por Analtino Santos
Vou lá visitar | 16 Fevereiro 2022 | angola, artes, jovens, luanda, periferia