Entre medo e modernidade: resistência em Amílcar Cabral

A trajectória e os contextos em que o pensamento de Amílcar Cabral se formou e tem vindo a ser interpretado constituíram o principal objecto de estudo do projecto de investigação Amílcar Cabral: da História Política às Políticas da Memória1. Ao longo de três anos e meio, a equipa do projecto desenvolveu as seguintes estratégias: procedeu a uma história de conceitos veiculados pelo discurso de Cabral, como por exemplo os conceitos de “povo” e “nação”, analisando-os enquanto expressão do seu pensamento e de processos históricos que o antecederam2; procurou mapear a actividade de Cabral na tessitura de diferentes redes políticas internacionais e transnacionais, assim considerando o tempo que o precedeu e a envolvência global de que a sua vida foi e se fez contemporânea3; e, por fim, submeteu a sua figura a uma análise metabiográfica, na certeza de que a memória de Cabral diz tanto dos seus feitos quanto do sentido que outros deram à sua vida, à época como em posteridade4

Análise de Alguns Tipos de Resistência tornou-se, então, motivo de especial interesse para este projecto. Revelou-se uma fonte importante para a história de conceitos relevantes na economia geral do discurso de Amílcar Cabral, desde logo o de “resistência”. Denotou a permeabilidade desse discurso a vários fenómenos políticos em curso noutras paragens do mundo, desde a evolução dos novos Estados pós-coloniais africanos até à luta anti-imperialista travada no Vietname, em contexto de Guerra Fria. E finalmente, mas não menos importante, o texto participou dos processos de configuração de Cabral por que diferentes estudiosos têm procurado fixar a sua memória e dotá-la de significados. 

Reunião de responsáveis do PAIGC com a população, interior da Guiné. data 1963 - 1973Reunião de responsáveis do PAIGC com a população, interior da Guiné. data 1963 - 1973

A respeito destes últimos processos, diríamos que, se Análise de Alguns Tipos de Resistência e o seu autor têm sido tratados na maior parte das vezes como fonte e objecto de análise, outras abordagens cuidam já de projectar e perfilar Amílcar Cabral como um sujeito autoral de referência no domínio da teoria política e das ciências sociais e humanas. É dessa tendência exemplo a primeira edição do texto em língua inglesa, que surge numa colecção apostada em renovar o campo da teoria social crítica5, publicando Cabral ao lado de académicos nossos contemporâneos, como Nancy Fraser, cientista política e filósofa norte-americana, ou o sociólogo e filósofo alemão Axel Honneth. Também o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, num livro recente, encontrou neste texto de Cabral um prenúncio do que tem vindo a cunhar como epistemologias do Sul6.

As hipóteses interpretativas a que em seguida submetemos o texto em apreço beneficiam da variedade de usos e abordagens académicas que acabámos de referir. Procurámos historicizar o texto e interpelá-lo de um ponto de vista teórico, assumindo assim o lugar que este conjunto de intervenções tem granjeado no estado da arte de domínios como os estudos sobre resistência, a antropologia dos movimentos sociais ou os estudos pós-coloniais. Beneficiámos também de novas perspectivas, suscitadas quer em conversas com guineenses que viram chegar a guerra às suas tabancas, quer em sessões de discussão académica do texto realizadas ao longo de 2019 em Portugal, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, com a participação de colegas de diferentes áreas disciplinares7.

Nas páginas que se seguem começaremos por situar Análise de Alguns Tipos de Resistência nas circunstâncias mais imediatas em que surgiu o texto, reconhecendo o seu carácter pragmático. De seguida, discutiremos o seu discurso sobre a cosmologia local à luz dos relatos por nós ouvidos no decurso de uma pesquisa etnográfica. Por fim, articularemos as suas ideias com uma história mais vasta da modernidade, a das rupturas e continuidades entre o projecto colonial e o imaginário anticolonial. 

 

A estratégia de luta e o Estado por vir

Ao contrário de intervenções de Amílcar Cabral mais referenciadas, como a que foi publicada sob o título de A Arma da Teoria (correspondente a um discurso proferido em Havana, na Conferência Tricontinental de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina), as intervenções no seminário de 1969 não se destinavam primeiramente a uma audiência internacional. Começavam, sim, por falar aos quadros dirigentes do PAIGC e combatentes no terreno, reunidos em Conacri para a ocasião ou aos quais se esperava que as intervenções acabassem por ser transmitidas através da transcrição e publicação do respectivo texto. Tratava-se de intervenções que procuravam, em primeira instância, incutir e definir uma consciência política que conduzisse as armas e que, submetida à ordem partidária, contribuísse para uma mais eficiente continuação da guerra, corrigindo desvios e evitando a repetição de erros até então cometidos pelo PAIGC. Naquele momento, a luta armada levava já seis anos de duração e a política de contra-insurreição spinolista começava a produzir efeitos8. O seminário pontuava o correr da guerra, a retomar logo de seguida, com um intervalo estratégico para afinar a prática militar e militante. 

Amílcar Cabral a sair de um carro militar [presumivelmente na região do Boé, Frente Leste]. Data Agosto de 1971Amílcar Cabral a sair de um carro militar [presumivelmente na região do Boé, Frente Leste]. Data Agosto de 1971

Não se estranhe, por isso, que o texto que aqui reeditamos articule uma atitude disciplinadora e uma orientação pedagógica: por um lado, Cabral insiste na importância de hábitos de planeamento, pontualidade e higiene, o que testemunha uma forte preocupação com o rigor militar e com a modelação de uma apresentação de si digna e respeitável; por outro, assume um tom didático, com o enaltecer genérico da figura do professor, perante uma audiência composta por um público com níveis diferentes de escolaridade, face aos quais Cabral se distinguia como principal teórico da libertação nacional e pela formação científica e profissional de engenheiro agrónomo. 

Esta articulação estratégica entre a exigência de disciplina e o apelo motivacional verifica-se em vários momentos das suas intervenções. Se Cabral apela a que quem o ouve se submeta às exigências da disciplina militar e aceite arriscar a sua vida num combate tantas vezes letal, justificado em função de uma causa maior que se materializaria no futuro (como sugere a metáfora de arrecadar arroz para a sementeira seguinte, ao invés de o esgotar na satisfação de apetites imediatos), ele nem por isso pretende que a generalidade da população guineense incorra numa lógica sacrificial tão austera. Veja-se a questão do trabalho: Cabral valoriza a necessidade de mobilização da população para a produção, o que se compreende à luz de uma economia de guerra em que a provisão alimentar das tropas do PAIGC era matéria premente, mas recusa o recurso ao trabalho forçado dos camponeses que se mantinham nas ditas zonas libertadas – “não queremos extremismos”, afirma, repreendendo elementos do PAIGC que pudessem ter abusado da sua autoridade sobre o povo da Guiné. Este tipo de repreensão, sendo tributável a uma ética própria, seria também devido a um cálculo de índole pragmática, segundo o qual – e de acordo com Cabral – actos que comprometessem a imagem do Partido perante a população guineense condenavam a luta ao fracasso, dificultando o recrutamento de novos membros das forças armadas e a obtenção de apoio popular aos sacrifícios exigidos. De resto, outras considerações incruentas que por uma e outra vez surgem em Análise de Alguns Tipos de Resistência, como a recomendação de benevolência no tratamento de prisioneiros de guerra e desertores portugueses, eram elaboradas enquanto parte de uma estratégia de propaganda direcionada igualmente ao povo português, “isolando-o dos nossos inimigos, que são os colonialistas portugueses”.

Dito isto, importa ressalvar que o pensamento de Amílcar Cabral acerca do modo como o PAIGC praticava a luta armada – pensamento que foi objecto de teorização por analistas como Gérard Chaliand e destacado por companheiros como Mário Pinto de Andrade ou cientistas políticos como Lars Rudebeck9 – não respondia apenas às exigências tácticas colocadas pela guerra em curso. Desde logo porque para Cabral a luta armada, filiando-se numa tradição de resistência que remontava ao início da ocupação portuguesa10, era igualmente um meio de agregação política de uma população social e etnicamente diversa, na senda da formação de uma “consciência nacional”. Depois, porque no entendimento estratégico de Cabral o modo de travar a guerra pela independência delineava as próprias feições do período pós-independência. Acautelado pela situação de países que já se haviam libertado da tutela de outros colonialismos europeus (e porventura atendendo aos alertas emitidos por Frantz Fanon11), Cabral denunciava a pilhagem, corrupção e atrocidades propostas ou praticadas por elementos do PAIGC, assim procurando prevenir que o Estado saído da luta anticolonial viesse a ser capturado por elites “oportunistas” e, também, que o povo se tornasse “sanguinário” com a propagação de uma cultura de violência. Ou seja, as questões relativas ao modo de travar a guerra revelavam-se matéria política de longo alcance e não apenas assunto militar de interesse imediato – como resume lapidarmente o próprio Cabral: “Fazer sangue só fazendo política, servindo o futuro da nossa terra”. A consciência haveria de guiar a arma, não o contrário. Em Análise de Alguns Tipos de Resistência, Cabral assume assim a figura de líder do combate contra o colonialismo português, mas também de pensador da construção do Estado binacional que se projectava para a Guiné e Cabo Verde livres. 

Esta dupla condição repercute-se ainda no entendimento de resistência que o texto propõe. A dado momento das suas intervenções, Cabral define como propósito da resistência o derrube do colonialismo, mas também a eliminação de “tudo quanto seja um obstáculo ao progresso do nosso povo”, para que todas as mulheres e todos os homens tenham “possibilidades concretas e iguais” para “desenvolver o seu físico e o seu espírito” e “avançar como ser humano” numa “vida nova”. A resistência económica, por exemplo, deveria dirigir-se tanto contra o sistema de exploração colonial, hoje, como “amanhã contra o subdesenvolvimento”, substituindo as práticas coloniais que reputava de atávicas por técnicas extrativas mais eficientes. A resistência cultural, por sua vez, não se cingiria à luta contra a presença europeia, mas estender-se-ia à condenação da “interpretação mágica da realidade”, advogando um maior racionalismo contra o que tinha por obscurantismo e apelando a que se eliminasse “da nossa cultura tudo quanto é anticientífico”. A resistência era aqui definida enquanto movimento contra o domínio externo, mas também contra a persistência de certos elementos internos ao que se afirmava africano. 

Esta concepção da resistência prolonga-se no modo como Cabral equaciona a questão do medo, que logo de início define como índice de opressão, a par da ignorância e da falta de saúde. Dado como sintoma de ausência de coragem e de espírito de sacrifício, no contexto da guerra o medo era entendido como um obstáculo e a exortação a que os quadros do PAIGC o enfrentassem visava a mobilização contínua de uma vontade de lutar, instigando nos corpos e nos espíritos um hábito militarista de resiliência e combate. Porém, segundo Análise de Alguns Tipos de Resistência, o medo a ser vencido não era apenas esse. A luta contra o medo era também dirigida contra os temores do povo perante os irãs e as desditas de diversos sacerdotes, entidades que demarcavam uma certa autonomia política e que haveriam de ser excluídas (ou pelo menos tornadas invisíveis) no momento de construção do novo Estado12. Quando o texto exorta os quadros do PAIGC a enfrentarem o medo, fala-se do medo de pancada, do medo de ser preso ou deportado ou, ainda, do medo da fome, mas também do medo do mato escuro, do medo de chifres, do medo dos relâmpagos, do medo dos olhos arregalados dos feiticeiros. Ao medo da dor infligida pela acção dos colonialistas somavam-se o medo do poder da natureza e os temores suscitados no universo do pensamento animista – nas palavras de Cabral, “crendices” que seriam um entrave ao aproveitamento do potencial produtivo da natureza e a uma devida valorização das “forças produtivas”, impedindo a racionalização das práticas quotidianas da população e assim constrangendo o desenvolvimento económico e cultural das nações africanas por vir. 

 

Desencontros e convergências – um périplo etnográfico

As palavras de Amílcar Cabral contra as “crendices” codificam a cosmologia local em termos negativos, problematizando-a como um obstáculo a transpor por intermédio dos princípios do racionalismo cartesiano, que o PAIGC embandeirava, rumo ao progresso científico. Uma análise deste investimento ideológico sobre a cosmologia local deverá situá-lo no contexto específico da guerra e das urgências que a mesma foi impondo, atendendo a que as relações entre os imaginários mobilizados pelo PAIGC e pelas populações locais foram desde cedo marcadas tanto por desencontros como por convergências, conforme nos sugeriu um conjunto de conversas que mantivemos ao redor de Tite, em 201613.  

Reunião de quadros do PAIGC, distinguindo-se Francisco Bá [Chico Bá], José Pereira, Fidelis Cabral de Almada, Manuel Santos e Manuel Boal. 1963 - 1973Reunião de quadros do PAIGC, distinguindo-se Francisco Bá [Chico Bá], José Pereira, Fidelis Cabral de Almada, Manuel Santos e Manuel Boal. 1963 - 1973

Segundo o que nos contaram os garandis (anciãos, reunidos em conselho) acerca da infância que ali passaram, ao redor de Tite, como noutras regiões, não faltavam razões para que a população respondesse à chamada do PAIGC para a luta. Quando em 1948 se implantou uma loja em Jabadá Porto, na margem sul do rio Geba, e os brancos quiseram arrolar o imposto e comprar produtos da terra, os garandis das tabancas daquela região reuniram-se, passando por Fulacunda até Buba, para mandar os portugueses embora. Na aliança assim gerada, aguaram uma baloba (altar) para cercar os portugueses dali para fora, fazendo uso de futis (feitiço) e kabesa (poderes mentais extraordinários) no contacto com os irãs da região. Os portugueses, porém, continuaram a cobrar o imposto e, na ausência de um homem que o pagasse, sequestravam as mulheres no posto-presídio de Tite14. Foi nestas circunstâncias que os habitantes das tabancas daquela região se predispuseram a entrar na guerra, participando no ataque do PAIGC ao quartel de Tite na noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, data tantas vezes referida como início da luta de libertação na Guiné15.

Pelo que lemos em Análise de Alguns Tipos de Resistência, é de crer que tentativas de expulsar os portugueses com recurso a futis e kabesa pudessem exasperar os militantes mais arreigados a uma concepção científica da luta, como era o caso de Amílcar Cabral. O recurso a certas fontes orais permite, no entanto, matizar a oposição ao animismo que transparece do discurso oficial do PAIGC16. Em Jabadá Biafada, os mais velhos, que se juntaram connosco à conversa sobre a luta, lamentaram não manter algum tarikh que pudesse sustentar por escrito as crónicas do tempo antigo, assinalando que também isso se perdeu com a morte dos seus depositários e com a entrada no mato durante a guerra. Com cautelas de quem só se autoriza a falar para um gravador do que viu, ou ouviu alguém nessas condições contar, recordam que nas vésperas do ataque a Tite alguns militantes do PAIGC saídos do chão Nalu, mais a sul, ali chegaram para mobilizá-los. Primeiro fazendo-se hóspedes discretos, os militantes começaram por conversar apenas com umas poucas pessoas, em quem confiavam. Depois, juntando mulheres e homens da tabanca a coberto da noite, no mato, anunciaram o previsível início da luta armada e já então os instigaram a não terem medo, alegando que, por estarem longe da estrada grande, houvesse ali algum combate e não chegariam sequer a sentir a toada da guerra. Na eventualidade de um ataque, garantiam-lhes que ninguém seria morto, mesmo que os tugas viessem pelo ar, de avioneta: bastaria que tomassem um pano para cobrir o corpo como protecção, sacudindo-o depois de lhes terem sido lançadas balas e outras munições. Os mais velhos de Jabadá Biafada revelavam assim como, na hora de apaziguar alguma ansiedade suscitada pela desmesura das forças a enfrentar, os próprios militantes do PAIGC puderam dispensar dos instrumentos da racionalidade científica. 

Luís Cabral, Vasco Cabral, Silvino da Luz, Braima Dakar, Manuel Boal, Pedro Pires, Arafam Mané e Flora Gomes, durante uma reunião do PAIGC no interior da Guiné. 1963 - 1973Luís Cabral, Vasco Cabral, Silvino da Luz, Braima Dakar, Manuel Boal, Pedro Pires, Arafam Mané e Flora Gomes, durante uma reunião do PAIGC no interior da Guiné. 1963 - 1973

Logo após o ataque a Tite, os moradores de Jabadá Biafada puseram-se em fuga, alertados por um rapaz saído da tabanca de Bodjol quanto ao andamento da represália lançada pelo Capitão Curto17, que na continuação de uma política de terror mandara queimar toda a região de Quinara. Para sobreviver, entraram no mato e abandonaram a tabanca à mercê da força destrutiva das tropas coloniais, ali chegadas com os seus carros e lança-bala para queimar as casas, o milho no bentém e todo o arroz. Dois anos depois, os portugueses instalariam ali perto, em Jabadá Porto, um quartel militar, entretanto rodeado de um aldeamento estratégico que reorganizaria em fileiras as moranças antes dispersas e autónomas, e juntaria também gente das povoações vizinhas, então destruídas ou parcialmente desmanteladas. Entre os seus despojos, desenhava-se uma cintura de barakas (aquartelamentos) de guerrilheiros, intervaladas por bolanhas onde, a despeito de assaltos, bombardeamentos e minas armadilhadas, se procuraria manter a produção de arroz alagado, a coberto do tarafe (mangal) que delineia aquelas margens. Naquela zona, várias foram, então, as povoações que se reconstituíram no mato de forma precária, ao ritmo dos ataques das forças coloniais. No entanto, e à semelhança das moranças que mais tarde se esquivaram à deslocação para junto do quartel, a fuga não as impediu nem isentou de contribuírem para a luta anticolonial: as mais das vezes sob orientação de algum comité de tabanca, em cada uma se media arroz para juntar ao que as mulheres cozinhavam para alimentar os combatentes; as jovens badjudas iam para as barakas dos guerrilheiros ajudar nas tarefas necessárias ao sustento quotidiano; e muitos homens integraram os carreiros de transportadores que distribuíam material de guerra entre as zonas de actuação do PAIGC. 

Numa paisagem marcada por bombardeamentos, ainda para mais vendo-se seriamente perturbadas as redes comerciais e de transporte que permitiam tirar rendimento de outros produtos agrícolas, o complexo ecológico da produção de arroz acabaria por tornar-se fundamental para o desenrolar da guerra. A disputa pelo território visava o controlo sobre as áreas mais produtivas no sul, que haveriam de permitir alimentar os combatentes nas frentes do norte e leste da Guiné. E perante a destruição de algumas bolanhas, o PAIGC configurava a imagem de um combatente produtivo, mediante uma política agrícola orientada para a autonomização da subsistência das zonas libertadas e da guerrilha: ombro a ombro com o camponês desapossado pelo colonialismo, o combatente multiplicaria a força de trabalho, coadjuvado por técnicas inovadoras. O arroz consubstanciava, afinal, a figura de um povo anticolonial, e a comensalidade gerada pela circulação deste alimento traduzir-se-ia em símbolo de solidariedade nacional, como ilustra a referida metáfora da sementeira com que Cabral inaugura as suas intervenções. Um símbolo de abnegação e de futuro em prol de um colectivo mais ou menos elusivo.

Guerrilheiros do PAIGC atravessando uma bolanha, interior da Guiné. 1963 - 1973Guerrilheiros do PAIGC atravessando uma bolanha, interior da Guiné. 1963 - 1973 

As condições de uma economia de guerra acabariam, não obstante, por levar ao limite tanto o potencial produtivo de uma guerrilha distribuída por três frentes de combate, como a capacidade de subsistência da orizicultura daquelas sociedades. Mostrava-se esta irredutível, desde logo, à materialidade de corpos e território, como indiciado pela recorrente renitência em produzir arroz de sequeiro em zonas de mato, por respeito aos irãs que o habitavam18. E, se a ontologia daqueles lugares parecia desautorizar um processo de extracção simplista, também o contributo da população para a autonomia alimentar da guerrilha terá permanecido na fronteira entre voluntarismo e imposição. Ora, limitações deste tipo terão desafiado o PAIGC a estender o seu pragmatismo à manipulação dos irãs, por vezes apresentados como “nacionalistas” por intermédio de preciosas alianças estabelecidas pelos especialistas rituais que tutelavam os territórios onde se desenrolava a luta, que assim conseguiam abrir caminhos e proteger guerrilheiros, camponeses e terrenos agrícolas. Não só matos sagrados, antes interditos, puderam passar a ser usados como lugar ora de combate ora de refúgio das populações, como os guerrilheiros se viram cobertos por guardas (amuletos), camisas de irã e mezinhos que os tornariam mais fortes, invisíveis ou mesmo imbatíveis.

Ao mesmo tempo, no quadro mais alargado da luta, à distância de situações específicas como as que acabámos de reportar, o PAIGC ainda assim assumia uma aura modernizadora, na contramão do poder dos homens mais velhos, desafiadora do culto dos ancestrais e dos mais diversos irãs, e que não foi estranha a uma difusão de acusações de feitiçaria nas zonas dominadas pelo Partido19. Assim se compreenderá, em parte, o sucesso entre os mais jovens do apelo revolucionário do PAIGC, um sucesso à imagem daquele que encontrara a campanha de “desmistificação” que a partir de 1958 foi patrocinada pelo governo socialista de Sékou Touré na vizinha Guiné-Conacri20. Se o pragmatismo estratégico do PAIGC se estendia de forma pouco assumida ao poderoso mundo dos irãs, dando provas de plasticidade, também o empenho do partido na promoção da ciência contra as “crendices” respondia a certas ansiedades locais.

 

Da assimilação crítica à inscrição numa história global

A promoção da ciência era uma linha de força do pensamento de Amílcar Cabral, que tendeu quase sempre a pressupor e preconizar uma forte solidariedade entre a luta contra o colonialismo e a aspiração a um desenvolvimento apoiado no progresso científico. Análise de Alguns Tipos de Resistência participa da luta que visa retirar ao colonialismo português a soberania política sobre os territórios e as populações da Guiné e de Cabo Verde, reclamando a autodeterminação nacional dos africanos e o controlo do factor produtivo que é a terra, mas pretende igualmente que as mentes e corpos desses mesmos africanos se reconfigurem e modernizem económica e culturalmente à imagem de princípios cuja proveniência europeia, não sendo ignorada por Cabral, não impede que sejam aparentemente tomados como universalmente aplicáveis e desejáveis. Como tal, a destruição do colonialismo não deveria ser feita em nome de um regresso a um qualquer passado pré-colonial, mas sim tendo em vista a construção de algo novo – um Estado que se pretendia mais igualitário, mas também moderno e como tal capaz de aproveitar e adaptar selectivamente aspectos associados ao período colonial. Embora reconhecendo que o colonialismo é também uma relação cultural, o texto sublinha que a luta do PAIGC seguirá o princípio de uma “assimilação crítica”, tornando possível dar novos usos a instrumentos como os impostos ou a ciência, tida como motor fundamental de transformação social.

Ao argumentar que os oprimidos podem encontrar ferramentas emancipatórias entre a cultura do opressor, Amílcar Cabral diverge de visões mais radicalmente críticas das dimensões culturais do colonialismo. Diferencia-se, por exemplo, de certos militantes e pensadores que o antecederam na luta contra o imperialismo, como o peruano José Carlos Mariátegui, para quem o futuro de um Perú e de uma América Latina livres do feudalismo e do capitalismo implicava avançar rumo a um passado pré-moderno, morada de um antigo comunismo incaico21. Encontra-se igualmente distante do apelo a uma descolonização linguística, mais tarde formulado pelo escritor e ensaísta queniano Ngũgĩ wa Thiong’o22. Aliás, Análise de Alguns Tipos de Resistência advoga justamente a escolha do português para língua da luta (pelo menos no domínio escrito) por considerá-lo mais avançado do que as línguas locais, ao permitir uma escrita padronizada que agilizaria a comunicação e a racionalidade militar e ao facilitar o acesso ao vocabulário científico, considerado útil ao esforço de guerra. 

A ideia de que a língua – tal como a própria luta – permite criar realidade, e não apenas reflecti-la, abre aqui mais um trilho à transformação política. Revelando um entendimento anti-essencialista da cultura como algo dinâmico e contextual23, Cabral desconsidera a língua como expressão de uma qualquer base primordial para a pertença identitária (“Não somos mais filhos da nossa terra pelo facto de falarmos crioulo.”), em vez disso tratando-a sobretudo como um instrumento (comparável a um tractor). A opção pelo português não deixa, no entanto, de fazer o projecto de independência obedecer a noções lineares de desenvolvimento, em que alguns atributos do colonizador aparecem como mais maduros e úteis, secundarizando, ou até negando, as potencialidades de outros saberes – ou mais precisamente, e neste caso, de outras línguas.

Os elementos internacionais – até mesmo se coloniais, como acabámos de ver – são, de resto, convocados a propósito de cada um dos tipos de resistência, tanto sob a forma de laços materiais como de imaginários partilhados. Os contactos externos têm como prioridade conquistar apoios e isolar o inimigo, sendo que a evocação de um crescente reconhecimento internacional serve também para credibilizar o PAIGC na Guiné, fortalecendo-o localmente. As alianças estendem-se desde “os povos das outras colónias portuguesas” ao próprio povo português, desde os vizinhos Senegal e Guiné-Conacri até governos noutros cantos do continente, desde movimentos de libertação não-lusófonos até à Organização de Unidade Africana, desde o Bloco Soviético até à Suécia24. No plano económico, Cabral sublinha a necessidade de estabelecer um sistema de trocas comerciais com o exterior. No plano cultural, dá o exemplo de povos distantes para argumentar que a crença na feitiçaria não é exclusivamente africana e pode ser ultrapassada. Na secção final, filia o colonialismo português numa história maior da África, da Europa e da América que abarca, entre outras coisas, as “chamadas Descobertas”, o tráfico de pessoas escravizadas, a revolução industrial, a ascensão do capitalismo e a Conferência de Berlim – uma narrativa que inscreve o passado e a libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde para além de uma mera história nacional. Aliás, a relação com o exterior é bidirecional: ao mesmo tempo que a luta do PAIGC beneficia de apoio externo (e de inspiração de outras lutas, no Vietname e na Argélia), serve também um propósito além-fronteiras, pois contribui para “uma África nova e melhor” e, em última instância, para o “progresso da humanidade”25.

Análise de Alguns Tipos de Resistência participa, assim, de um processo mais vasto, que antes de mais pautou a história dos países ocidentais, mas que igualmente envolveu os países sujeitos ao colonialismo daqueles, mesmo após a independência. Um processo de modernização da vida humana em todas as esferas por que a mesma foi sendo cindida e a partir das quais foi sendo configurada, da política à cultura, passando pela economia. Tal processo, que a correlação de forças a nível geopolítico foi favorecendo ao longo, pelo menos, dos séculos XIX e XX, traduziu-se na profusão da nação como forma hegemónica de imaginar comunidades e na instituição do Estado moderno como modelo internacional de organização política. Passou também por transformações a nível das formas de mobilização política, com a reconfiguração dos repertórios de acção colectiva e protesto popular em articulação directa com a construção do Estado, num movimento disputado e contestado, que seria mais amplamente naturalizado apenas a partir do período entre as duas guerras mundiais26. E, não menos importante, passou por uma secularização da cultura e das mentalidades, com a afirmação do prestígio da ciência ali onde a religião via a sua autoridade erodir-se e as mitologias populares eram desencantadas pelo juízo da razão. 

Com efeito, se a escolha da “resistência” como principal conceito operativo legitima eticamente a luta armada enquanto resposta a uma opressão prévia (na linha de Fanon, faz surgir a violência enquanto contraponto à agressão inerente ao colonialismo27), de caminho naturalizando-a com recurso à fórmula newtoniana segundo a qual toda “a força que se exerce sobre uma coisa qualquer dá lugar a uma resistência, quer dizer, a uma força contrária”, a luta aparece como mais do que um mecanismo de disputa de poder e de agregação da população. É, também, um meio de formação de uma consciência moderna, de que seriam demonstrativas a formação do partido, a prioridade dada à tomada do poder institucional e a construção de uma economia nacional, mas também o apelo à qualificação científica e escolar dos quadros e da população28. Qualquer forma de fazer sentido e ser sensível estranha a este racional arriscava-se a ser tida como sintoma de alienação de uma condição humana tanto mais emancipada quanto mais capaz de profanar o que até então seria domínio dos espíritos. Assim se faria luz onde antes a noite suscitaria – mais do que reverência – medo.

 

NOTA ‘Proferidas num seminário de formação de quadros do PAIGC em 1969, as intervenções de Amílcar Cabral traduzidas e transcritas com o título Análise de Alguns Tipos de Resistência tornaram-se num dos seus textos mais difundidos e citados, sistematizando um entendimento da resistência política, económica, cultural e armada então em curso na Guiné-Bissau.A edição agora publicada pela editora Outro Modo inclui uma versão revista da tradução original do crioulo para o português e duas análises do conteúdo, contexto e ressonância actual do texto, uma por Inês Galvão, José Neves e Rui Lopes, a outra por Carlos Cardoso e Raúl Mendes Fernandes.’

  • 1. Este projecto, coordenado por Rui Lopes, reuniu investigadores provenientes de diversas disciplinas e de diferentes universidades: Aurora Almada Santos, Branwen Gruffydd Jones, Catarina Laranjeiro, Inês Galvão, José Neves, Leonor Pires Martins, Marcos Cardão, Maria-Benedita Basto, Miguel Carmo, Natalia Telepneva, Orazio Irrera, Rita Narra Lucas e Víctor Barros.
  • 2. José Neves, ‘Ideologia, ciência e povo em Amílcar Cabral’, História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 24:2 (2017); Rita Narra Lucas, “Outra Terra Dentro da Nossa Terra”: A Formação de um Sujeito Político em Amílcar Cabral (Tese de Mestrado em História, NOVA-FCSH 2020).
  • 3. Veja-se o dossier especial organizado por Rui Lopes e Víctor Barros, ‘Amílcar Cabral and the Liberation of Guinea-Bissau and Cape Verde: International, Transnational, and Global Dimensions’, a publicar em The International History Review, 42:6 (2020).
  • 4. Natalia Telepneva, ‘‘Letters from Angola’: Soviet Print Media and the Liberation of Angola and Mozambique, 1961–1975,’ in Lena Dallywater, Chris Saunders, Adegar Fonseca (eds), Southern African Liberation Movements and the Global Cold War ‘East’ (Berlim: De Gruyter, 2019), pp.129-50; Tese de Doutoramento em História de Leonor Pires Martins, NOVA-FCSH, em curso.
  • 5. Amílcar Cabral, Dan Wood (trad.), Resistance and Decolonization (Londres: Rowman & Littlefield International, 2016).
  • 6. Boaventura de Sousa Santos, O Fim do Império Cognitivo – A afirmação das epistemologias do Sul (Lisboa: Almedina, 2019), p.134.
  • 7. A 7 de Março, no Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, em Lisboa, participaram na primeira dessas sessões Joana Dias Pereira, Nuno Domingos, Pedro Varela, Ricardo Roque, Sara Araújo, Sílvia Roque e Teresa Almeida Cravo. A 9 de Maio, na Universidade Amílcar Cabral, em Bissau, realizámos em colaboração com o Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral uma sessão com a participação de Carlos Cardoso, Cleonismar Silva, Dautarin da Costa, Joana Sousa, Luísa Acabado, Marinho Pina, Miguel de Barros, Raúl Mendes Fernandes e Rui Jorge Semedo. A 23 de Novembro, na Associação Comunitária Amigos de Safende, na Praia, participaram Bernardino Gonçalves, Danilo Santos, Ivan Moreira, Ivone Monteiro, Jairzinho Lopes Pereira, Matilde Santos, Osvaldino Monteiro e Redy Wilson Lima. A todos estes colegas agradecemos a participação na reflexão que aqui se traz, sendo ainda assim de prevenir quem lê de que são da nossa responsabilidade os erros e as lacunas que aqui possam encontrar. Agradecemos também a leitura e comentário de uma primeira versão deste texto por Frederico Ágoas e Luís Trindade.
  • 8. Norrie MacQueen, ‘Portugal’s First Domino: ‘Pluricontinentalism’ and Colonial War in Guiné-Bissau, 1963–1974’, Contemporary European History, 8:2 (1999), pp.209-230; John P. Cann, Contra-Subversão em África. Como os portugueses fizeram a guerra em África (São Pedro do Estoril: Atena, 1998).
  • 9. Gérard Chaliand, Guinée ‘portugaise’ et Cap Vert en lutte pour leur indépendance (Paris: François Maspero, 1964); Mário de Andrade, Amílcar Cabral. Essai de Biographie Politique (Paris: François Maspero, 1980); Lars Rudebeck, Guinea-Bissau: A Study of Political Mobilization (Uppsala: Scandinavian Institute of African Studies, 1974).
  • 10. A longa tradição de resistência anticolonial na Guiné-Bissau tem sido estudada em diversos trabalhos. Veja-se: Armando Tavares da Silva, A Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926 (Porto: Caminhos Romanos, 2016); René Pélissier, História da Guiné I: Portugueses e Africanos na Senegâmbia 1841-1936 (Lisboa: Editorial Estampa, 1997); Peter Karibe Mendy, Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau, 1879-1959 (Bissau: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa/Lisboa: Imprensa Nacional Cada da Moeda, 1994); Carlos Cardoso, ‘A Ideologia e a Prática da Colonização Portuguesa na Guiné e o seu Impacto na Estrutura Social, 1926-1973’, Soronda. Revista de Estudos Guineenses, 14 (1992), pp.29-63.
  • 11. Frantz Fanon, António Massano (trad.), ‘Desaires da consciência nacional’, em Os Condenados da Terra (Lisboa: Letra Livre, 2015 [1961]), pp.153-207.
  • 12. Catarina Laranjeiro, Entre as Imagens e os Espíritos: Encontros com a Memória da Guerra de Libertação na Guiné-Bissau (Tese de Doutoramento em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, Universidade de Coimbra, 2019).
  • 13. Pesquisa etnográfica realizada por Inês Galvão, no âmbito da sua investigação de doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/94769/2013). Com o apoio de Pim Sambé e Face Mbana, intérpretes do que se contava em língua balanta, perguntou-se sobre histórias da luta em Jabadá Porto a Luntan da Silva, Mbunhe Fanda, Bamalan Camará, Quimé Ciá, Paulo Sambuassana e Sumbique Nhaala; em Flac Cibe a Albat Bedan; em Ponta Bissunhe a Bissunhe e Sabe Assanhá; em Jabadá Biafada a Malam Indjai, Mamadu Djassi, Fomaro Sambu e Aliu Djassi. A todos fica desde já o agradecimento pelo generoso acolhimento e pela partilha das histórias destes lugares. A Quimé Ciá e Face Mbana fica também uma sentida homenagem pela extraordinária lucidez com que souberam interpretar e viver a variabilidade do mundo, cada qual no seu tempo. Quaisquer imprecisões ou interpretações equívocas são responsabilidade da autora.
  • 14. Havia ainda o trabalho para o Estado, recrutado na zona e cumprido uma ou duas semanas de cada vez, levando o trabalhador consigo o arroz que o alimentaria nesse período. Os homens trabalhavam na construção e manutenção de estradas, recolhendo à mão o cascalho vermelho com o qual as compunham e que carregavam à cabeça em cestos improvisados com folhas de palmeira. As jovens badjudas seguiam até Tite para regar a horta do posto administrativo, aí pernoitando durante cerca de uma semana, vulneráveis aos desmandos de cipaios e funcionários. Sobre o uso de trabalho indígena pela administração colonial, veja-se Philip Havik, ‘Estradas sem fim: o trabalho forçado e a ‘política indígena’ na Guiné (1915-1945)’, em Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (Coord.), Trabalho forçado africano – experiências coloniais comparadas (Porto: Campo das Letras/CEAUP, 2006), pp.229-247.
  • 15. Leonor Pires Martins, José Neves, ‘Ataque ao quartel de Tite: Início da guerra na Guiné (1963)’, em Miguel Cardina, Bruno Sena Martins (eds.), As voltas do passado: A guerra colonial e as lutas de libertação (Lisboa: Edições Tinta da China, 2018), pp.116-120.
  • 16. Wilson Trajano Filho, ‘O poder da invisibilidade’, Anuário Antropológico (1993), pp.205-240.
  • 17. Então Capitão de Infantaria, José dos Santos Carreto Curto era Comandante da Companhia de Caçadores 153, baseada em Fulacunda entre 1961 e 1963. Marcaria presença infame nos imaginários do sul da Guiné pela perseguição aos militantes do PAIGC e seus colaboradores, registada na temível fórmula de “chapa ou fogo”.
  • 18. Mustafah Dhada, Warriors at Work: How Guinea Was Really Set Free (Niwot, CO: University Press of Colorado, 1993), pp.75-76. A propósito destes matos interditos e da sua relação com o complexo ontológico local, veja-se: Manuel Bívar, Os chãos dos biafadas: Memória e território em Quinara, sul da Guiné-Bissau (Rio de Janeiro: Eduff, 2014); Marina Temudo, ‘A narrativa da degradação ambiental no Sul da Guiné-Bissau: uma desconstrução etnográfica’, Etnográfica, 12:2 (2009), pp.237-264.
  • 19. Marina Temudo, ‘From ‘people’s struggle to ‘this war of today’: entanglements of peace and conflict in Guinea-Bissau’, Africa, 78:2 (2008), pp.245-263; Laranjeiro, Entre as Imagens e os Espíritos…, pp.284-286, 296-313. Em meados dos anos 1980, já depois da independência, o movimento profético conhecido por Kiyang-yang ou Filhos de Nhaala (bl. deus superior, transcendente) irromperia no sul do país, antiga “zona libertada”, em desafio ao poder da gerontocracia masculina no interior da sociedade balanta, para reclamar a participação num mundo novo, mais igualitário, liberto do peso imposto pelo culto aos ancestrais. A violência de algumas situações de perseguição, por parte de elementos do movimento, a pessoas acusadas de feitiçaria terá justificado a repressão do Estado, então liderado por Nino Vieira, com implicações políticas que permanecem por esclarecer (cf. Inger Callewaert, The Birth of Religion Among the Balanta of Guinea-Bissau (Lund: Department of History of Religion, University of Lund, 2000)).
  • 20. Uma campanha antecedida por movimentos de iconoclasmo religioso, cf. Ramon Sarró, The Politics of Religious Change on the Upper Guinea Coast: Iconoclasm Done and Undone (Edimburgo/Londres: Edinburgh University Press/International African Institute, 2008).
  • 21. José Carlos Mariátegui, Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana (São Paulo: Alfa-Ómega, 2004 [1928)].
  • 22. Ngũgĩ wa Thiong’o, Decolonising the Mind: the Politics of Language in African Literature (Portsmouth, NH: Heinemann, 1986).
  • 23. Como argumentado em Zeyad el Nabolsy, ‘Amílcar Cabral’s modernist philosophy of culture and cultural liberation’, Journal of African Cultural Studies (2019), e Branwen Gruffydd Jones, ‘Race, Culture and Liberation: African anticolonial thought and practice in the time of decolonisation’, International History Review (2020).
  • 24. Para uma noção da impressionante multiplicidade de redes estabelecidas pelo PAIGC, englobando desde movimentos activistas franceses até aos serviços secretos checoslovacos, passando pela colaboração com médicos, militares e cineastas cubanos, veja-se Víctor Barros, ‘The French Anticolonial Solidarity Movement and the Liberation of Guinea-Bissau and Cape Verde’, Natalia Telepneva, ‘Code Name SEKRETÁŘ’: Amílcar Cabral, Czechoslovakia and the Role of Human Intelligence during the Cold War’ e Catarina Laranjeiro, ‘The Cuban Revolution and the Liberation Struggle in Guinea-Bissau: Images, Imaginings, Expectations and Experiences’, a publicar em The International History Review, 42:6 (2020).
  • 25. Acerca do eco que a luta anti-imperialista vietnamita tem em Análise de Alguns Tipos de Resistência, veja-se o comentário de Dan Wood à edição inglesa do texto: Dan Wood, ‘Imbrications of Coloniality: An Introduction to Cabralist Critical Theory in Relation to Contemporary Struggles’, em Cabral, Wood, Resistance and Decolonization…, p.46. Para uma inserção da luta contra o colonialismo português na história global da Guerra Fria, veja-se Odd Arne Westad, The Global Cold War. Third World Interventions and the Making of Our Times (Cambridge: Cambridge University Press, 2005), pp.207-249.
  • 26. Marco G. Giugni, Doug McAdam, Charles Tilly (org), From Contention to Democracy (Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 1998).
  • 27. Fanon, ‘Sobre a violência’, em Condenados da Terra, pp.39-108
  • 28. Sanjay Seth, Subject Lessons: The Western Education of Colonial India (Duke: Durham, 2007).

por Inês Galvão, José Neves e Rui Lopes
A ler | 5 Junho 2020 | Amílcar Cabral, colonialismo, Guiné Bissau, modernidade