Angolanidade revisited – Kuduro

Angola torna-se, nos últimos tempos, um actor importante na economia global devido à sua riqueza em petróleo e diamantes, depois de constar nas notícias sobretudo devido às atrocidades duma persistente guerra civil. A maioria da população do país vive em Luanda, uma metrópole de cerca de sete milhões de habitantes. Neste cenário urbano, tanto utópico quanto de pesadelo, nasceu uma das músicas mais intrigantes do continente africano: o kuduro. Neste artigo vamos explorar o papel dessa música popular electrónica e estilo de dança angolana no processo de actualização da identidade nacional angolana, a “angolanidade”, nas condições do novo milénio.

fotografia de Inês Gonçalvesfotografia de Inês Gonçalves

Os álbuns Kuduro Sound System (produzidos em Luanda em 2005 e 2008, o primeiro com artistas e cantores angolanos como Dog Murras, Tony Amado, Zoca Zoca, Pai Diesel, Pinta Tirru e Gata Agressiva, e o segundo com vários artistas underground) do DJ francês Frédéric Galliano catapultaram o som do kuduro nas pistas de dança de clubes de todo o mundo. Desde então, o kuduro tem sido debatido na imprensa musical e na blogosfera norte-americana e europeia. Este campo de discurso não prioriza as questões angolanas. Aqui, o kuduro foi discutido principalmente sob o ângulo do global ghettotech ou como uma crítica afro-futurista a partir dele (Goodman 2010).

O conceito de global ghettotech dá enfase à ideia que diversos estilos musicais germinaram em áreas urbanas com privações, supostamente semelhantes, em torno do Atlântico. Uma leitura afro-futurista, entretanto, deixa cair noções de autenticidade e de raízes em detrimento de narrativas de espaços aquáticos ou galácticos, virais, dando relevância a uma tecnologia com poderes transgressivos (Eshun 1998).

Alterámos o enfoque para investigar o papel do kuduro no processo de remodelação da angolanidade no presente, argumentando que os actos performativos no som, estilo e comportamento do kuduro estão a configurar uma nova angolanidade. Esta angolanidade constitui-se em contextos diferentes no seio do local, internacional e virtual. A nossa proposta é que, na sua encarnação mais recente, a angolanidade reflectida e construída através do kuduro não é apenas digital, mas também transnacional e intimamente ligada a:

a) sistemas internacionais de cultura popular, como a semiótica dos movimentos de dança hip hop e as pertenças a gangues,

b) a cultura da música electrónica mundial,

c) as formas culturais locais, por exemplo as preciosas músicas populares dos anos 50 como o semba, a kizomba ou as danças de carnaval. O semba como ritmo ou estilo é considerado o elemento que torna uma música distintamente angolana: segundo Moorman “semba como termo guarda-chuva inclui os componentes sociais bem como uma variedade de géneros” (Moorman 2008:7). Quer o semba quer a kizomba são geralmente danças de par.

As informações para este artigo foram colectadas a partir de  diferentes perspectivas. As duas investigadoras estabeleceram contacto com actores de várias plataformas da cena do kuduro (para o conceito de plataformas, ver abaixo). A maior parte da pesquisa foi também realizada pela internet. Seguir as notícias em várias plataformas on-line é uma fonte inestimável, mas também sugere dados intermináveis. Para este artigo, desenvolvemos a nossa argumentação utilizando uma leitura atenta do material vídeo, contextualizando-o depois com a história angolana e o papel que nela a música e a cultura popular desempanharam.

 

Angolanidade - o papel da música popular na história de Angola

Cenário histórico

A actual situação em Angola resulta de cerca de 500 anos de colonialismo português (e holandês), do impacto do tráfico de escravos e duma recente história de guerras. Angola foi uma colónia portuguesa durante 400 anos, Província Ultramarina de Portugal desde 1951 governada por um geografica e culturalmente longínquo Estado Novo. Este regime militar chefiado por António de Oliveira Salazar foi uma das últimas ditaduras autoritárias da Europa. Numa época em que outras colónias africanas já se tinham tornado independentes, Portugal manteve as suas até 1975. Isso levou a uma guerra de libertação brutal em Angola (1961-1974). A independência veio a par da Revolução dos cravos em Lisboa. Seguiu-se uma guerra civil entre os principais movimentos de libertação, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA, fundado em 1956 e hoje em dia o partido no governo) e o partido de oposição União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, fundada em 1966 e liderada por Jonas Savimbi que faleceu em 2002). A guerra civil foi frequentemente considerada uma das mais proeminentes guerras por procuração da Guerra Fria. Terminou em 2002 com a morte de Savimbi e devastou a economia e as estruturas sociais do país.

Muitas pessoas e as suas tradições culturais dispersaram-se ​​pelo país ou forçadas ao exílio. Na periferia de Luanda, grandes bairros informais chamados musseques continuam a crescer como resultado da migração interna durante e depois da guerra civil. Musseque significa “zona de areia” em quimbundo, uma das principais línguas de Angola. São o contraponto das “zonas de asfalto”.

Com Angola a deter uma das mais altas taxas de acidentes de minas per capita no mundo, os amputados são uma visão comum nas ruas de Luanda (Vierke 2008). No entanto, nos anos do pós-guerra, a capital desenvolveu uma segunda face, devido ao crescimento da economia com base em recursos naturais como petróleo e diamantes, bem como em acordos de negócios Sul-Sul. Com blocos de apartamentos e preços imobiliários a disparar Luanda está a rebentar pelas costuras e em breve poderá ser incluída na lista das megacidades (Davis 2006, Rühle 2008).

Angolanidade, música e política

A angolanidade pode ser descrita como patriotismo cultural angolano. A angolanidade fala dum sentimento de identidade, tanto enraizado em práticas culturais locais como no cosmopolitismo, sendo assim um “cosmopolitismo enraizado” ou “patriotismo cosmopolita”, definiu Kwame Appiah (Appiah, 1996). Desde a época da guerra de libertação, tornou-se uma metáfora para a autonomia cultural da população angolana que lutava contra os opressores coloniais. O conceito de angolanidade pode ser rastreado, até ao final do século XIX. Uma imprensa livre que publicava textos, tanto de afro-angolanos como de euro-angolanos, foi florescendo naquela altura. No século XX foi encontrando inspiração nas ideias da negritude, uma ideologia cultural desenvolvida por intelectuais africanos e caribenhos que viviam e estudavam em França e que depois se tornou a base para a Política Cultural de Estados francófonos independentes como o Senegal. A negritude enfatizava a relevância cultural da produção literária e cultural africana. Foi adaptada para o contexto angolano por intelectuais e artistas como o poeta Viriato da Cruz. Ele idealizou o jornal A Mensagem nos anos 40. Como porta-voz do primeiro movimento literário e político nativo angolano Os Jovens Intelectuais, a revista promoveu o slogan Vamos descobrir Angola!. Junto com outros membros de Os Jovens Intelectuais como Agostinho Neto ou Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz seria mais tarde um líder do MPLA.

A historiadora norte-americana Marissa Moorman fornece uma visão abrangente do papel político e social da música e da cultura popular neste contexto. Ela reforça como a consciência nacional angolana foi criada e negociada pela música e produção cultural em geral. (Moorman 2008): “As letras e a música eram também para dizer ‘sim’: afirmando e produzindo angolanidade e, no processo, demarcando um espaço culturalmente autónomo forjado e expressado em clubes de propriedade e direcção africana, em festivais de música, no vestuário, na dança e na atitude. ” (Moorman 2008: 112)

A música tornou-se explicitamente política na década de 50. Nesta fase, os movimentos de libertação angolanos formaram-se no exílio, nos países vizinhos, como os dois Congos, bem como na Europa. De lá, a guerra de libertação iniciou em 1961. Moorman enfatiza como a população urbana imaginou activamente uma nação independente, o que considera um passo importante no processo de independência. A angolanidade sustentava em primeiro lugar o movimento cultural na capital Luanda. Uma percentagem bastante elevada da população nos musseques era composta por mestiços, uma população étnica e culturalmente mista. Eles viam-se como a elite cultural envolvendo-se fortemente em actividades políticas, sociais e culturais, e formaram o núcleo do movimento de libertação MPLA.

Uma das bandas mais importantes de promoção do patriotismo angolano foram os N’gola Ritmos, fundada em finais dos anos 50. Eles apoiaram a luta de guerrilha com as suas canções, e alguns dos seus músicos eram também membros activos do MPLA. Em 1959 e 1960 dois dos membros dos N’gola Ritmos - Carlos Liceu Viera Dias e Amadeu Amorim - foram presos na famigerada prisão de Tarrafal nas ilhas de Cabo Verde durante mais de dez anos. O vocalista e guitarrista da banda José Maria dos Santos foi enviado para o exílio na cidade provincial do Lubango. O documentário de António Ole O Ritmo dos Ngola Ritmos (1978) relata a história do seu reencontro em 1977.

Moorman descreve os anos 1961-1974 como os ‘Anos Dourados’ da música angolana. Nesse tempo, os angolanos desenvolveram a nação e criaram expectativas sobre o nacionalismo e a soberania política, económica e cultural através da música popular produzida nos musseques de Luanda. Nos estilos musicais como o semba e, mais tarde, a kizomba, os músicos nos musseques tocavam e dançavam a sua nação a acontecer. Combinando as tendências internacionais de música popular da época, como os ritmos latino-americanos e caribenhos, com canções e folclore tradicionais angolanos, os músicos criaram a angolanidade principalmente por cantarem em línguas nacionais como o quimbundo e o umbundo e utilizarem instrumentos locais. Naquela época o programa rádio do MPLA Angola Combatente era transmitido a partir do Congo-Brazzaville. Nos dois lados da fronteira congolesa-angolana as pessoas iam absorvendo as suas mensagens políticas e culturais. Através das ondas rádio os habitantes dos musseques estavam emocionalmente unidos aos guerrilheiros na frente da guerra de libertação. Assim, a percepção de Angola para consigo mesma deixou gradualmente de ser a de um mero apêndice de Portugal, uma província ultramarina, para se tornar um país por direito próprio. Neste processo, a música serviu como modelo para a independência.

Após a independência em 1975 as coisas tomaram um rumo para o pior em termos de produtividade cultural. Os anos que se seguiram à independência até 1989 foram uma espécie de hiato devido ao alinhamento forçado dos músicos à política cultural e educacional oficial de Angola, de tipo socialista. A mudança drástica da atmosfera cultural em Luanda depois de 1975 reflecte-se também na emigração crescente de artistas durante esse tempo. O MPLA, movimento de resistência virado partido no poder, começou a instrumentalizar a música para os seus fins. Dum sentimento de unidade e do desejo de independência, o país passou a ser fragmentado e a cultura tornou-se politizada. A música era usada pelo jovem Estado angolano como um instrumento de construção da nação. Isso levou a uma estrita censura. Em 1977 três músicos foram mortos e a sua música foi banida da rádio por mais de uma década.

“Os músicos ainda eram importantes para a vida social e política, mas eles já não podiam tocar a música do passado. A agenda musical agora era de cariz nacionalista e revolucionária e, nela, as prioridades políticas e de desenvolvimento do estado dominavam. Segundo os músicos descrevem, o Estado cooptava a música para os seus próprios fins políticos, algo que eles descrevem como a música tornando-se politizada.” (Moorman 2009)

Esse processo histórico demonstra que o período de euforia e poder da visão utópica em Angola não foi aapenas nos anos logo após a independência, mas nos últimos tempos do colonialismo. Em certos aspectos, a Angola de hoje em dia e o seu impulso económico e cultural pós.guerra civil, juntamente com o subtexto emocional de euforia para o embarque numa viagem rumo a um futuro promissor, parece ter mais em comum com este último período colonial de luta pela independência do que com o tempo em que a independência fora efectivamente atingida.

Nos capítulos seguintes vamos considerar as formas através das quais as actividades musicais ainda estão na base do conceito de identidade patriótica angolana, ainda que os estilos musicais e de dança tinham evoluído drasticamente desde a luta pela independência.

 

Kuduro

O fenómeno do kuduro

O kuduro é um som e uma dança popular que foram desenvolvidos em Luanda e Lisboa por volta de 1990 e que continuam a evoluir. As trilhas produzidas electronicamente bebem, entre outros elementos, de estilos angolanos como o semba e a kizomba, ritmos semelhantes ao alegre soca caribenho, bem como os ritmos techno e house. As letras são na maioria rappadas em português angolano e em calão, um crioulo de quimbundo e português que é típico de Luanda (Siegert 2008). O rap é, na maioria das vezes, vai de encontro a um ritmo upbeat em torno de 130-140 BPM. Desta forma, uma certa tensão que é típica do kuduro em geral é criada na área do som.

Dança kuduro

No kuduro, som e dança são inseparáveis. A dança contém elementos de pelo menos três áreas: a) popping e locking, break dance, headpins e power moves do hip hop b) movimentos de dança tradicionais angolanos e de carnaval c) movimentos teatrais e pitorescos como rastejar no chão como numa batalha, dançar sobre as coxas como se as pernas fossem amputadas, dançar com as pernas viradas para dentro como se fossem muletas, dançar de muletas, na ausência de membros ou imitando as imagens de ‘africanos famintos’ dos media. Enquanto constrói uma nova ordem a partir dos elementos que acabámos de referir, ao mesmo tempo a dança kuduro desestabiliza constantemente esta ordem quando os dançarinos executam movimentos como tapar-se no rosto e cair no chão como se tivessem levado um tiro.

Distribuição do kuduro e meios de comunicação

Os principais canais de distribuição de kuduro em Luanda são os chamados candongueiros. O kuduro é ouvido nas esquinas quando os candongueiros se transformam em sound systems móveis (Siegert 2008). Nos últimos anos banalizou-se haver grandes eventos de kuduro com patrocinadores e cobertura dos média, bem como exibições de kuduro em night clubes chiques. Mas o Kuduro tem circulado sobretudo em redes de distribuição informais de candongueiros, vendedores ambulantes e na internet com pouco acesso aos média mainstream durante quase 20 anos.

Em meados da década de 90, a exibição de DJ Sebem na Rádio Luanda, em que rappava freneticamente sobre trilhas instrumentais, ajudou a difundir o som do kuduro por toda Luanda.

Em 2006, o single Yah! dos Buraka Som Sistema, baseados em Lisboa, rebentou nas pistas de dança dos clubes hip hop em todo o mundo. Desde então, vídeos de exibições de dança kuduro encontram um público cada vez maior em plataformas de vídeo na internet como o YouTube. Os vídeos variam em qualidade desde o padrão MTV até videos quase irreconhecíveis com o telemóvel. Tal como acontece com a maioria dos estilos musicais, vários blogues e sites oferecem kuduro para download em formato mp3.

Em 2009, DJ Sebem iniciou o seu programa Sempre a Subir na televisão nacional. DJ Sebem ainda funciona como modelo número um do kuduro, sempre exibindo as roupas mais coloridas e inovadoras (Siegert, 2008). A característica principal do programa são as entrevistas de Sebem a estrelas actuais do kuduro. Um tema recorrente nestas conversas é o “beef”. O português angolano tomou emprestado o termo da cultura hip hop norte-americana, que se refere à concorrência agressiva entre gangues ou indivíduos. Às vezes é um confronto puramente metafórico, outras fisicamente violento ou letal. Mas quando vemos Sebem a trazer o “beef” para as conversas com os seus convidados sugere que os kuduristas usam-no apenas como um instrumento engraçado de marketing. As relações de desconfiança e rivalidade entre os vários musseques são discutidas para saber que artistas de kuduro representariam melhor determinado bairro.

No clipe seguinte, Nagrelha, um membro do grupo de kuduro Os Lambas, critica o kudurista Puto Prata por ter abandonado o seu país e ter deixado de agir como representante do bairro Rangel.

Angolanidade no Kuduro

O kuduro é praticado em três “plataformas”: Luanda, Lisboa e pistas de dança em todo o mundo, o que inclui as comunidades angolanas da diáspora, bem como discotecas de top em Londres, Nova Iorque ou Berlim. Tomamos emprestado a ideia de “plataforma” a partir da exposição de arte Documenta 11 cuja curadoria foi de Okwui Enwezor em 2001. O modelo de plataforma visa evitar discutir questões sobre local e global que desviariam, neste artigo, a atenção da discussão sobre kuduro à luz da angolanidade.

O antropólogo cultural e musicólogo Gerhard Kubik salientou a importância da fervilhante transferência cultural no triângulo Lisboa, Luanda e Brasil que vigora há mais de 400 anos. Na sua opinião, a música popular que aparecia num dos três ângulos podia ser ouvida num dos outros lugares depois de não mais de seis semanas (Kubik 1979). Os primeiros actores transnacionais e músicos-viajantes foram os primeiros a transportar esses bens intangíveis. Mais tarde a rádio, as cassetes, os vídeos, os CDs e hoje a Internet catalisaram essa troca.

A nossa análise aqui aponta para a primeira plataforma - Luanda, nomeadamente a sua representação na Internet, além de tocar ao de leve as plataformas da cena internacional e de Lisboa.

Plataforma I - Luanda

Em Luanda, o kuduro é maioritariamente produzido em estúdios precários nos musseques da periferia. Tal como os movimentos musicais da altura da guerra de libertação e da independência, o kuduro nasceu nos musseques. Parece que a narrativa duma origem dentro do gueto é central para os artistas do kuduro. Enquanto o Bairro Operário funcionou como hotspot para a música popular dos anos 60, hoje os bairros do Rangel, Sambizanga, Viana e Cazenga são referenciados como importantes centros de produção do kuduro. Numa próxima viagem de campo aprofundaremos a pesquisa das situações específicas dos estúdios de produção e das redes de distribuição em Luanda.

O primeiro espectáculo do programa de televisão nacional “Janela Aberta” que explora a evolução do kuduro pode ser visto aqui:

Em Angola, as condições da produção do kuduro e os seus temas têm mudado significativamente nos últimos anos. Hoje em dia, muitos salientam o facto da música ser agora completamente produzida em Luanda. Estúdios como o Ghetto Produções possuem o equipamento suficiente para produzir “Kuduro - Made in Angola” - um rótulo que alimenta as noções de autenticidade e realismo. O kudurista angolano Killamu vive de facto as realidades a que Batida, baseado em Lisboa, e Les Princes de Kuduro (‘os príncipes do kuduro “) se referem. Para Killamu, é importante mencionar que os novos kuduristas, posteriores a Tony Amado e Sebem, revolucionaram a música, adicionando rimas e letras, tornando o kuduro mais versátil e deixando para trás a simples animação de festas. Comenta a precariedade das condições de trabalho e de vida em que ele e a Ghetto Produções se encontram, no meio dum dos musseques de Luanda. A sua crítica contrasta com a declaração dos Batida, de que os kuduristas abordam os seus problemas com verve e positividade.

Até hoje a música é ainda explorada pelos políticos para propaganda e a própria produção está ligada a um sistema de patrocínio. Dog Murras, um dos kuduristas mais populares dos últimos anos, foi, por exemplo, patrocinado por um general do exército angolano (Moorman 2008: 192).

No vídeo a seguir, bem como na sua auto-representação visual, Dog Murras toma uma posição clara em direcção a uma nova versão da angolanidade. Nas capas dos seus álbuns e no documentário de Jorge António Kuduro - Fogo no Museke (2007) o grandalhão aparece com uma tatuagem de Che Guevara, brincos de prata nas orelhas e óculos de sol D&G, apresentando-se como um músico nacional angolano da nova geração. Em 2005, Dog Murras começou a usar o tema da bandeira exactamente no momento em que uma competição nacional por um novo desenho estava a desenvolver-se e o Partido emitiu um comunicado para se respeitar mais este símbolo nacional (Moorman 2008: 194). Assim, a exibição de Murras pode ​​ser interpretada como um ato de apropriação pessoal desse símbolo nacional, mais do que estar debaixo do chicote mainstream. Ele popularizou o patriotismo à maneira peculiar, habilitando-se a usar os símbolos nacionais com orgulho e como uma declaração de moda. Dog Murras alcançou a fama durante os primeiros anos após a guerra civil, mas parece que a sua popularidade no seio da geração mais jovem tem diminuído. Murras integra uma variedade de estilos musicais populares no seu kuduro e relaciona-se com os problemas da sua sociedade nas suas letras. De acordo com um informante angolano parece que Dog Murras caiu em desgraça e se mudou para o Brasil.

Em Junho de 2011, Dog Murras voltou a Angola para a missão de direccionar a escola de música KUDISSANGA. Aqui, as crianças são encorajadas a descobrir as suas raízes culturais da angolanidade através da música. Projectos sociais que se baseiam na essencialização de noções de música e cultura africana são comuns em Salvador da Bahia, sendo os mais conhecidos os Olodum ou Pracatum. Estes projectos recorrem frequentemente a aulas de percussões e de dança, um certo estilo afrocêntrico com a utilização de conchas kauri, bem como t-shirts com slogans motivadores. A 12 de Junho de 2010, Dog Murras anunciou o lançamento do seu single Angolanidade, reflectindo a actualidade do tema deste artigo.

Recentemente os artistas de kuduro parecem terem alinhado o seu guarda-roupa com o código de vestuário da juventude global, com óculos de armação espessa, jeans skinny, casacos de capuz com impressões selvagens em fortes cores primárias, ou até mesmo a fala brincalhona e dândi no estilo da zona de Shoreditch, em Londres. Enquanto o cenário e as histórias dos vídeos ainda enfatizam a esperteza típica da rua e a vida nos bairros informais, os kuduristas aparecem cada vez mais estilosos, usando todo o tipo de acessórios digitais. No videoclipe Sobe, por exemplo, um membro do grupo Os Lambas ostenta os cabos brancos por cima dos fones dum iPod. A forma de falar faz parte dessa representação, como Puto Prata, Puto Português, Puto Lilas ou Nacobeta. Kuduristas como a dupla  Presidente Gasolina e Príncipe Ouro Negro inventaram até a sua própria linguagem, alterando e exagerando algumas palavras e fonética: “Nós temos uma maneira de falar e uma maneira de vestir. Porque existe kuduro e existe kudurista ”.

As animosidades entre os kuduristas nos vários musseques Viana, Rangel, Sambizanga e Cazenga parecem aumentar. Os kuduristas começam a considerar-se publicamente reis que mandam, quase sobas, e, portanto, são responsáveis pelo seu gueto, onde fazer música é chamado de luta. Pelo menos na retórica, as fronteiras entre a afiliação com o kuduro e a pertença à gangue dum kudurista famoso num musseque específico parecem confundir-se.

“O kuduro representa o gueto.”

“Agressivo” aparece nos nomes de algumas kuduristas (Gata Agressiva, Tuga Agressiva) e é considerado uma fórmula necessária para o sucesso. A “carga”, ou seja um certo impacto intenso na entrega vocal e na exibição, é o ponto-chave.

Outros kuduristas aparecem no programa de TV como orgulhosos representantes do seu gueto, ou mesmo da sua província. A kudurista Muana Po veio de longe, de Saurimo, na província oriental de Lunda-Sul, para explicar a Sebem o significado do seu nome artístico. Muana Po é uma das máscaras mais conhecidas da tradição Chokwe. Representa uma mulher jovem e usa-se nas danças em festivais para entretenimento. Sebem sabe, pelo menos, que é algo “tradicional”. Isso mostra que a tradição Chokwe se tornou parte do arquivo da cultura nacional, mesmo que o conhecimento sobre o contexto em si não seja muito profundo. No entanto, outra referência à angolanidade é a importância dada ao uso de línguas nacionais como o quimbundo. Existem apenas alguns exemplos de músicas kuduro com fragmentos em quimbundo. Mesmo não sendo uma prática comum, é fortemente reconhecida.

Para resumir, nesta primeira plataforma de Luanda, o kuduro é profundamente integrado no contexto sócio-histórico e transforma as suas formas e códigos visuais de acordo com as mutações dentro da própria sociedade e com as transformações da moda global. Assim, pode ser considerado um instrumento flexível para lidar com a frenética vida urbana em Luanda - fonte ao mesmo tempo de sofrimentos e alegrias.

Plataforma II - Lisboa

Cerca de 30 mil refugiados da guerra civil angolana estabeleceram-se em Lisboa, especialmente na periferia, como Amadora e Queluz. Este é o lugar onde o kuduro desenvolveu o seu segundo centro e um estilo distinto chamado de kuduro progressivo. Este estilo contém elementos mais fortes de techno, dubstep ou post hip hop dance music e orgulha-se de ser mais sofisticado do ponto de vista técnico da produção musical. Os principais representantes são os Buraka Som Sistema, que lançaram o seu álbum de estreia Black Diamond em 2008. Desde o verão de 2007 que andam em turné em festivais e clubes por toda a Europa e EUA. Em 2008 lançaram o single Sound of Kuduro junto com a estrela rap britânica de origens Tamil M.I.A. O vídeo pode ser visto aqui:

Voltando aos kuduristas de Angola, em 2007 os Buraka Som Sistema viajaram a Luanda para a produção da música Sound of Kuduro e do videoclipe que a acompanha. O clipe começa com imagens dos membros da banda a conduzirem por Luanda, dizendo: “We made it… we are here… pela primeira vez”. Neste vídeo artistas de kuduro de todas as três plataformas estão reunidos no que é considerada a fonte do estilo, assim o clipe pode ser visto como uma tentativa de re-essencializar o trabalho de Buraka Som Sistema. A discussão desta banda foca-se no “autêntico” conhecimento cultural do produtor angolano Conductor, que na verdade cresceu em Lisboa, e do MC Kalaf, nascido em Angola (Benguela). Eles são conhecidos por trazerem um amplo conhecimento da música kuduro à cena musical de Lisboa. De facto, só Kalaf viveu em Angola durante a sua infância, mas Angola e a sua música servem muito como modelo para o conceito musical do grupo: uma fusão de kuduro angolano com a música dos clubes do século XXI, com sons pesados de baixa frequência. Buraka Som Sistema exibem uma abordagem lúdica em relação à angolanidade. No seu último single Restless, bem como em projectos a solo como J-Wow, estão a inclinar-se para estilos electrónicos mais abstractos, com menos ênfase em elementos sonoros claramente angolanos e com letras em inglês.

Depois de Buraka Som Sistema, novas bandas seguiram em Portugal. O grupo Batida consiste em dois ex-músicos de hip hop Ikonoklasta (Luaty Beirão) e DJ Mpula (Pedro Coquenão) com o kudurista Sacerdote como MC. Ikonoklasta nasceu em Angola e fez parte do grupo hip hop angolano Conjunto Ngonguenha, juntamente com MC K, Conductor e outros (Lança, 2007). Ele também faz parte da associação Rádio Fazuma e é produtor do documentário sobre a jovem cena musical angolana É dreda ser angolano.

Em comparação com os Buraka Som Sistema, Batida projecta-se como um grupo que se relaciona fortemente com a cultura angolana. As exibições ao vivo de Batida apresentam bailarinos em movimento à frente do palco, enquanto DJ Mpula opera o equipamento de som na retaguarda. Os dançarinos usam saias ou máscaras com uma peça facial de madeira entalhada que tapa o rosto e o tronco. Esta indumentária evoca vagamente noções de tradições angolanas, como os rituais de iniciação no mundo rural que envolvem danças de máscaras (Kubik 1981). Vejam Batida numa entrevista aqui:

Pronunciando “dance”12 em inglês e não em português, eles explicam a intenção da fusão da cultura universal de club dance com a música angolana dos anos 60 e 70.

“Recuperam sonoridades de 60s e 70s, sem nostalgia mas com respeito.”

O traje sábio de Batida alude tanto à angolanidade quanto à africanidade. Ikonoklasta ostenta t-shirts com a omnipresente bandeira de Angola ou símbolos Chokwe. Tanto Mpula como Ikonoklasta usam chapéus com impressões de animais que ecoam noções de traje de safari. De forma igualmente essencial, os Batida discutem o seu CD Dance Mwangolê. MC Ikonoklasta explica que eles se esforçam para “guardar a pureza da música angolana” criando esta música dance angolana. Também o seu videoclipe Bazuka começa com referências à história de Angola, como a famosa Rainha Nzinga.

A imagem da Rainha Nzinga é inserida com uma declaração dum jovem kudurista dizendo: “Me, who drafted me, ain’t my mother nor my father…”. Depois vemos um found footage do arquivo da Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) que mostra um exército em marcha, fotos de personalidades políticas como Salazar e cenas de danças tradicionais. Inscrições em cores vivas são coladas sobre as imagens que perguntam “Quem me rusgou?”, “Direita?”,”Esquerda?” - juntamente com uma batida forte de kuduro. A segunda parte do clipe mostra mais imagens da guerra civil e da situação actual. Os papéis quer do actual presidente Eduardo dos Santos quer de Jonas Savimbi - o senhor da guerra e ex-líder da UNITA - são questionados, voltando à primeira pergunta: “Who drafted me? Nem a minha mãe” (Dos Santos), “nem o meu pai” (Savimbi). A seguir, imagens de dançarinos de kuduro e dançarinos mascarados em áreas rurais são editadas uma após a outra, mostrando as semelhanças nos estilos de dança. A última parte do clipe mostra uma pequena entrevista com um jovem que fala das suas lembranças da guerra - dois pedaços de estilhaços no seu corpo. Isso pode ser interpretado como uma resposta à pergunta “Quem me esboçou para a guerra?” Foi a própria guerra. Representações de danças e percussões tradicionais durante a última parte do clipe também podem levar à conclusão de que não é nem a família biológica nem a política que traçam o perfil duma pessoa, mas sim a cultura.

Neste caso, a cultura angolana está no centro, o que nos leva de volta à angolanidade. No nome, nas letras e nas imagens, Batida constrói referências explícitas à história de Angola e às guerras descrevendo os heróis angolanos (Rainha Nzinga) ou com a inserção de found footage da guerra de libertação. A imaginação duma nação forte e potente, apesar de, ou talvez mesmo por causa da guerra, é aqui aludida. Batida autentica o seu trabalho não de forma tão diferente dos Buraka em Sound of Kuduro. Onde Buraka Som Sistema se referem à Angola urbana contemporânea, Batida recorre ao uso de referências que evocam uma Angola mais antiga e misteriosa. A banda posiciona-se problematicamente num nexo dentro dum campo de sinais de viagem onde eles têm acesso a material tanto tecnológico quanto cultural.

Os Makongo, uma terceira banda de kuduro baseada em Lisboa, formaram-se em torno da MC Pety que trabalhara com Buraka Som Sistema durante os seus primeiros anos. No clipe abaixo, ela salienta que Os Makongo são a banda de kuduro em Lisboa conhecida por ser composta só por angolanos. Pety por brincadeira bate na cabeça de um membro da banda para fazê-lo dizer que ele vem do famoso bairro de Luanda, do Cazenga, e depois desata a rir:

O facto de que o rapper molestado ser de pele bastante clara e não pode fazer tais afirmações dum passado no gueto torna esta declaração ainda menos credível. Parece que Os Makongo estão a ridiculizar a forma como outras bandas de kuduro baseadas em Lisboa tentam, de maneira demasiado forçada, apresentar-se como autenticamente angolanas. Os Makongo, por outro lado, sublinham que eles estão a fundir todos os tipos de géneros dance como hip hop e euro dance com o kuduro. Por mais que tente, no trecho acima de Sempre a Subir, DJ Sebem não consegue fazer Pety declarar abertamente “beef” aos Buraka Som Sistema.

Em resumo, a segunda plataforma de Lisboa situa-se entre Luanda e as pistas de dança globais. Elementos das duas são integrados no kuduro progressivo. O que diferencia a cena de Lisboa dos outros kuduristas da diáspora angolana é a sua reivindicação duma relação “autêntica” com a origem. Ao enfatizar a angolanidade, eles tentam estabelecer uma relação sustentável e legítima com a cena de Luanda.

Plataforma III - dancefloors em todo o mundo

Como nenhum outro, M.I.A. simboliza uma tendência recente na música dance electrónica: Lá para 2004 DJs como Sick GirlsDiplo ou Daniel Haaksman começaram a combinar uma mistura de ritmos assimétricos com baixas frequências pesadas roubados, entre outros, do funk carioca, do ragga, do grime, do garage do Reino Unido e do kuduro para criar um antípoda à estética four-to-the-floor e minimal que domina o universo dos clubes. Estilos recentemente “descobertos” como o footwork ou a cúmbia electrónica são constantemente adicionados a estas selecções dos DJs. M.I.A. incorpora elementos desses géneros diferentes na sua própria música e adiciona rap controverso.

O DJ francês Frederic Galliano tem vindo a construir,  desde os anos 90, uma reputação como conhecedor da música africana. Em 2006, a sua colectânea Kuduro Sound System introduziu o kuduro pelo ângulo electrónico da música africana nesta cena dos clubes post hip hop. Frederic Galliano viajou com a exibição intitulada Kuduro Sound System, onde ele funciona como DJ / produtor e vários angolanos rappam e dançam no palco diante dele:

Paralelamente às cenas dos clubes mais na moda, as comunidades exiladas de angolanos em todo o mundo ouvem e dançam o kuduro em várias configurações. O grupo baseado em Paris Les Princes de Kuduro mencionam Les ghettos angolais (os guetos angolanos) como sua principal influência na sua página do MySpace. Como fundo do perfil MySpace encontramos uma representação da bandeira angolana. Noutro clipe de promoção dos membros do grupo, Manu le Boss levanta a bandeira, dizendo: “Sempre a bater, sou puro mwangolé… essa bandeira é a minha vida, mon sangre… sou puro, do guetto”. Vejam Les Princes de Kuduro a dançar à frente duma bandeira angolana no seu vídeo Mwangolé (2008) e a comunicarem com palavras rappadas em português, mas escritas em francês:

Neste vídeo Les Princes de Kuduro, actuando fora de Angola, enfatizam a pátria e as raízes locais. Isto pode ser lido como um desejo de casa, um anseio pela pátria original. Em Afrikanische Diaspora und Black Atlantic, Hauke ​​Dorsch discute o conceito de comunidades da diáspora. Como ponto de partida, ele compara uma lista de vários autores que são componentes-chave da identidade diaspórica. Enquanto alguns autores durante a década de 90 insistem que o desejo ou plano para retornar ao país de origem é vital para uma identidade diaspórica, conceitos mais recentes incluem também um desejo de se sentir em casa no país de residência ou em qualquer lugar no verdadeiro sentido do termo homing desire, desejo de casa (Dorsch 2000: 29). A associação evidente com o país de origem também serve como acto de solidariedade para reabilitá-lo no discurso do país de residência. Enquanto essa dinâmica pode ser observada universalmente, permanece o fascínio de explorar de que forma particular as expressões culturais dos exilados servem para enfatizar uma certa relação com a pátria e produzir, a par disso, mais uma estética. As letras da música de Les Princes de Kuduro batem no conceito já fortemente desenvolvido de angolanidade para aumentar a auto-estima dos jovens num ambiente estrangeiro hostil na França.

Conclusões

Para resumir, achamos que uma expressão explícita de angolanidade é agora especialmente interessante para os músicos fora de Angola, enquanto na cena local - em primeiro lugar na terceira geração, como lhes chama Sebem - encontramos uma mudança para outros tópicos. A demarcação dum kuduro “sério” das suas características anteriores de pura animação está no topo da lista das discussões entre os músicos e os produtores. Parece ser muito importante para os kuduristas o reconhecimento pela sociedade angolana como músicos “sérios”. No entanto, um dos seus objectivos é também levar o kuduro a um público internacional. Para alcançar o sucesso desejado, hoje os kuduristas parecem ansiosos de desenvolver um estilo individual distintivo e de produzir um “kuduro mais limpo”.

fotografia de Inês Gonçalvesfotografia de Inês Gonçalves

Depois de Dog Murras ninguém em Luanda assumiu este estilo e atitude explicitamente patrióticos. É particularmente interessante que ele não é de todo mencionado nos recentes programas Sempre a Subir e Evolução do Kuduro na televisão angolana, onde a todas as outras estrelas do kuduro foi dado um fórum independentemente de possíveis conflitos. Enquanto Dog Murras criou um estilo específico na metade da primeira década do novo milénio, em certa medida desapareceu da primeira página da atenção. Em Luanda, também a bandeira angolana parece ter desaparecido como item na moda.

Neste momento, parece que os artistas da diáspora são os que continuam a usar sinais patrióticos abertamente. O perfil MySpace de Les Princes de Kuduro na França ou as exibições no palco de Batida em Portugal são apenas alguns exemplos. Mas isso não significa que a angolanidade se tornou obsoleta em Angola. Ela ainda é reflectida através da exposição orgulhosa dos seus símbolos e ícones. No entanto, em Luanda os kuduristas não parecem preocupados em mostrá-los fora. No final da entrevista com Pai Banana descobrimos que o conteúdo da sua lírica faz a ligação, quando ele está a rappar, entre Nzinga Mbandi e Agostinho Neto, dois símbolos recorrentes do mwangolé.

Como continuidade à tentativa de dar vida ao conceito de angolanidade, o kuduro também leva adiante um cosmopolitismo que era uma parte constitutiva da cena musical dos musseques nas vésperas da independência, como o sociólogo romancista Pepetela (1990) e a historiadora Moorman (2008) mostraram. Hoje, esse cosmopolitismo é continuado em identidades transnacionais comuns aos kuduristas que vivem em Portugal, Angola e Brasil e o seu trabalho circula no âmbito da lusofonia.

Num nível mais abstracto os kuduristas estão em casa em vários mundos ao mesmo tempo: Enquanto praticam batalhas musicais nos seus bairros, estão igualmente em casa no mundo digital, transmitindo e distribuindo a sua produção através dos canais online do web 2.0.

O kuduro é parte da criação dum novo imaginário sobre Angola: economica e culturalmente potente e promissor. Em Angola quase não se vêem representações de vítimas mas, pelo contrário, de heróis, tanto duma perspectiva interna como externa. Interpretamos esta celebração da sobrevivência e do progresso no kuduro como a continuidade do poder dos movimentos musicais na véspera da independência, descrito por Moorman: “…a música não é imune às difíceis condições económicas e sociais, mas ao apresentá-las, em novos e diferentes termos, a música permite que as pessoas abordem essas condições de maneira crítica, rindo-se delas, celebrando a sua própria sobrevivência. ” (Moorman 2008: 193)

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Radio Fazuma, É Dreda Ser Angolano (65 min)

O filme Say My Name apresenta retratos de kuduristas em Luanda.

 

publicado em Norient a 6 de junho de 2011

 


Translation:  Alice Girotto

por Nadine Siegert e Stefanie Alisch
Palcos | 22 Junho 2012 | angola, kuduro