Um tour pelo inferno migrante da selva do Darien: aventura garantida, para contar aos seus netos

Com os tours Wandermut, viva a aventura da sua vida. Atravesse o Darién, no Panamá, provavelmente a selva mais infame do mundo. Juntos, percorreremos a densa selva por doze dias até chegarmos à costa do Oceano Pacífico, onde podemos recuperar dos esforços na selva, à sombra das palmeiras. O risco de se perder na selva é pequeno. O passeio não é para fracos, vai ser cansativo. Se tudo correr bem, será uma experiência para contar aos seus netos.

É assim que a Wandermut, agência de viagens alemã especializada em “sobrevivência”, anuncia, entusiástica, o tour de 12 dias pela selva do Darién. A “aventura da sua vida”, descreve, num dos lugares mais macabros, perigosos e mortais para milhares de migrantes que tentam cruzar da Colômbia para o Panamá, no caminho para o norte rumo aos Estados Unidos.

À margem da realidade alucinada do “Panama Jungle Tour” (assim se chama o “caminho pela selva mais infame da América do Sul em caminhos de contrabandistas”) vive-se uma das maiores crises humanitárias do mundo. Entre janeiro e maio deste ano, mais de 166 mil migrantes cruzaram o Darién, cinco vezes mais do que em igual período no ano passado, segundo o governo do Panamá. Até ao final do ano poderão ser 400 mil, estima o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). 

Haiti, Equador, China, Índia, Chile e Brasil, Colômbia, Afeganistão, Camarões, Somália, Peru e outros países como Angola. Daqui vêm, por esta ordem, a maioria dos migrantes que este ano passaram pela zona, segundo as autoridades panamenhas.

Os sobreviventes alemães atravessam um curso de água em canoa (Wandermut)Os sobreviventes alemães atravessam um curso de água em canoa (Wandermut)

Isolado, o Darién é um cocktail explosivo e potencialmente mortal onde a lama que enterra até aos joelhos, os pântanos, montanhas e a chuva torrencial não são o pior pesadelo dos viajantes. O Darién é território de bandos de ladrões, violadores e traficantes de pessoas e de droga. Mulheres e crianças são as principais vítimas. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, desde 2018, pelo menos 258 pessoas desapareceram ao tentar cruzar a selva. Desde o início do ano, 27 corpos foram recuperados na região.

“A nossa organização testemunha o sofrimento dos migrantes na sua passagem pela difícil selva de Darién. Estão expostos a riscos geográficos, doenças e vários tipos de violência. É um sofrimento extremo. Qualquer iniciativa que banalize esse sofrimento deve ser evitada”, comentou à France 24 Luis Eguiluz, chefe de missão dos Médicos Sem Fronteiras na Colômbia e Panamá. “O Darién está longe de ser um lugar para aventura, é um lugar de sofrimento”.

O infeliz pacote turístico da Wandermut ao Darién saltou para a ribalta há poucas semanas, nas redes sociais. Na América Latina, a indignação foi imediata e contundente. À France 24, Tom Schinker e Martin Druschel, co-fundadores da Wandermut, reagiram. “Não oferecemos caminhadas em rotas de migrantes. O Darién é uma região muito extensa. Operamos no Pacífico, a sudoeste, longe da fronteira [com a Colômbia]. As rotas migratórias correm muito a norte, nas Caraíbas.” “Não vamos de férias onde as pessoas sofrem”, dizem, sublinhando que contam as autorizações necessárias da Autoridade do Turismo do Panamá para operar neste parque natural Património Mundial. “O sofrimento dos migrantes, que arriscam a sua vida na selva enquanto fogem, afetam-nos profundamente”, insistem.

Entretanto, no site da agência, alerta-se: “Procuramos verdadeiros aventureiros, porque quem tem medo de se molhar ou quem só quiser relaxar na selva, não tem lugar aqui”. “Se tudo correr bem, será uma experiência para contar aos seus netos.”

Interessado?

Se este apelo lhe parece um sinal do universo; se for um “verdadeiro aventureiro” e um sobrevivente com testosterona acima da média; se tiver 3643 euros para o tour e mais uns milhares para o “voo para a Cidade do Panamá, hospedagem antes e depois do passeio, jantares fora e bebidas alcoólicas”, entre aqui e aplique. Ainda há lugares para excursões de 12 a 23 de dezembro deste ano e de 24 de janeiro a 4 de fevereiro de 2024.

Se tiver a sorte de ser selecionado, porque, repetimos, “esta viagem não é para fracos”, daqui a muitos anos, os seus netos vão delirar com as histórias de selvas inóspitas, contrabandistas, de exóticos índios emberas que os guiam pela sua terra sagrada, a mesma que o folheto que o cativou chama de “selva infame”. Aplaudirão, os netinhos, ao perceber que o nível de empatia e humanidade dos avós cool está enterrado bem fundo, na lama da tal selva, podre como os corpos dos fodidos do mundo que ali penam, e que nunca ninguém sequer buscará. 

Wandermut e Luzia

Wandermut e Luzia Banzuzi são duas realidades paralelas do mesmo espaço. Lá na Europa, a agência alemã injeta adrenalina em sobreviventes, para despentear a monotonia de vidas sem sal; já Luzia não se pôde dar a esse luxo. A migrante angolana, agora a viver nos Estados Unidos, passou o inferno na passagem pelo Darién. Recuperamos a história, descrita em “Os Perdidos”, da série “Angolanos ilegais a caminho dos Estados Unidos”, publicada em 2022 no semanário angolano Novo Jornal. Itálico alienado e centrado, do site da Wandermut. Alternado com o relato cru de Luzia.

Aplicação em poucos minutos

Obrigado por dar este passo! Muitos não se atrevem a fazê-lo!
Será um passo gigantesco para a aventura da sua vida.

Candidate-se a um dos poucos lugares!

Aqui vamos nós!

“Luzia Banzuzi já está em Austin, no Texas. É sexta-feira à noite, já tarde. Com voz suave e modulada de uma boa contadora de histórias, regressa à praia no Panamá onde a deixámos às mãos de traficantes de migrantes [na viagem de barco entre a Colômbia e o Panamá]. Espera debaixo da chuva, escondida entre bananeiras, na entrada da selva do Darién. Prepara-se uma tempestade perfeita.

‘Estávamos parados na praia depois de cruzar o mar. Havia três guias, tinham armas grandes e catanas. Não paravam de nos gritar. Começámos a andar no meio do mato até que chegámos a um rio. Disseram-nos que ali era onde tínhamos de tomar banho e de onde íamos tirar água para beber.’

E o que é que comiam?

‘Na Colômbia, comprámos lata de muamba. Mastigávamos devagarinho para não acabar rápido. Era muito esforço. À noite dormíamos no chão, muitas vezes debaixo da chuva. A roupa secava no corpo só quando o sol saía de manhã. Fazia muito calor e chovia sem parar, às vezes de manhã até à noite. Eu não sei, pai… eu só vi mesmo algo parecido no filme dos comandos.’

A enorme humidade de até 90% com temperaturas diurnas tropicais opressivas de até 32°C levará muitos de nós ao nosso limite. Além disso, o terreno é muito exigente. Teremos constantemente que superar obstáculos como árvores caídas, encostas íngremes e rios.

Temos que ter cuidado especial ao longo dos rios, porque inundações repentinas não são incomuns. Existem também grandes felinos perigosos ou cobras venenosas. No entanto, os nossos guias sabem exatamente o que fazer para chegar ao nosso destino com segurança.

Com uma equipa forte e motivada será a aventura de uma vida.

“Certa vez, tivemos de passar uma montanha muito grande. Demorámos todo o dia a subir e a descer. Escorregávamos na lama, fiquei com a roupa toda rasgada, eu nem sei… A moça angolana com quem viajava tinha uma mochila muito pesada e não estava a conseguir subir. Um dos guias ofereceu-se para carregá-la, porque pensava que tinha dinheiro lá dentro. Ficou para trás, sacudiu, mas não encontrou nada e abandonou a pasta numa árvore. 

Todo o dia caminhei devagar, éramos três grávidas e não podíamos acompanhar o passo do grupo. Só quando cheguei ao lugar onde estavam todos à nossa espera, já depois da montanha, a minha amiga perguntou-me pela mochila e eu disse-lhe: ‘O moço deixou-a bem longe!’ Ficou em pânico – ‘Ai meu Deus!’ Ela tinha aí os passaportes, cédulas, certidões, todos os documentos. 

A lama e o terreno pantanoso são uma armadilha para os migrantes que cruzam o Darién (Fernando Vergara  AP)A lama e o terreno pantanoso são uma armadilha para os migrantes que cruzam o Darién (Fernando Vergara AP)

Quando ouviram isto, os guias e o grupo foram-se embora, abandonaram-nos mesmo ali no meio da floresta. Ficámos só eu, essa moça, a irmã dela com os três filhos e um rapaz que ficou com pena e queria-nos ajudar. Passámos ali a noite. Na manhã seguinte, saíram pela mochila, eu esperei por eles. Demoraram todo o dia a ir e voltar. Estávamos sozinhos no meio da selva. Não sabíamos para onde ir. Começámos a caminhar à toa, estávamos bem perdidos. Demos com um rio e seguimo-lo. Quando víamos pegadas, também tentávamos ir por esses caminhos.”

SEGURANÇA

PERDA DE ORIENTAÇÃO

Graças aos nossos guias locais, o risco de se perder é muito pequeno. Além disso, estamos equipados com a mais recente tecnologia. Dispositivos como o Garmin inReach Mini, um dispositivo GPS, não apenas nos ajudam a determinar a nossa posição, mas também nos permitem comunicar com organizações internacionais de resgate 24 horas por dia.

“Estivemos assim 11 dias, voltas e mais voltas. Até que apareceram quatro jovens que eram mesmo dali. Vinham com catanas e pistolas grandes na mão e perguntaram: ‘Estão a ir aonde?’ Dissemos-lhes que estávamos perdidos e pediram-nos 500 dólares por pessoa para nos mostrarem a direção. Eu não sabia o que dizer, porque já não tinha dinheiro. Mas o moço que nos acompanhava e a irmã da minha amiga disseram que sim, e começaram a caminhar com esses guias e as crianças. Eu e a minha amiga estávamos com os pés em ferida e ficámos para trás.”

Arelis Sarret - A selva é um labirinto de rios e vegetação densa.Arelis Sarret - A selva é um labirinto de rios e vegetação densa.Arelis Sarret - Acampamento de migrantes cubanos na selva do Darién.Arelis Sarret - Acampamento de migrantes cubanos na selva do Darién.

LESÃO E DOENÇA

O caminho até chegar ao nosso destino pode ser incerto. Implica riscos para a integridade física. A probabilidade de acidentes também é significativamente maior do que noutros pacotes turísticos.

Para ferimentos leves, como entorses ou pequenas feridas, a nossa extensa farmácia de emergência será suficiente. Claro, também existem animais venenosos, como cobras. No entanto, será extremamente raro vê-los. Para emergências extremas, um sinal é enviado via telefone satélite.

“Num lugar com quatro caminhos, os bandidos despistaram-nos. Como não sabíamos onde ir, decidimos voltar para trás, à espera que nos viessem buscar. Lá mais à frente, os jovens pediram aos meus amigos o pagamento. Quando eles lhes disseram que o dinheiro estava na mochila que estava atrás comigo e com a minha amiga, começaram a lhes bater bem feio. Ao moço deram com a catana, foi muito mau. Só não bateram nas crianças. E voltaram para vir nos encontrar.

Estávamos sentadas à beira do rio quando, de repente, vimos esses quatro bandidos a entrar na água e a saltar fora, pareciam peixes. Amarraram roupa na cabeça, como ninjas, esconderam as caras, só se viam os olhos, e passaram à nossa frente com as catanas nas mãos. ‘Dá-me o dinheiro! Dá-me o dinheiro!’ Eu disse que não tinha e eles insistiam que sim. 

Eles tinham ouvido que os africanos trançavam o dinheiro para escondê-lo e cortaram-nos metade do cabelo. Como não encontraram nada, começaram a gritar para tirarmos a roupa e diziam-nos: ‘Se não nos dão o dinheiro vamos violá-las.’ Começámos a chorar. Pegaram no meu casaco e tiraram os 280 dólares que eu tinha. Revistaram a minha amiga e só encontraram 100 dólares. Ficaram frustrados e arrancaram-lhe as calças para abusar dela, até que ela disse: ‘Está bem, eu dou o dinheiro!’ Afinal, trazia as notas cosidas na cintura das calças. Foram 1400 dólares, tudo o que tinha.

CRIME

Rick, o nosso guia mais importante, não teve problemas com contrabandistas ou outros criminosos devido aos seus contatos e experiência nos últimos 20 anos. No entanto, havendo indícios de tais perigos, procederemos à alteração ou inversão do percurso. Também evitamos a área de fronteira direta com a Colômbia e o leste do Darién. De outra forma, seria imprudente.

A minha amiga começou a gritar: “Ai meu Deus, ai meu Deus!’ Eu tenho problemas de tensão e nesse momento caí e perdi a consciência. Quando acordei, a minha amiga me olhou e disse: ‘Mana, vou ter que te abandonar, porque a partir de agora é a vida de cada uma que está a contar. Você não está a poder caminhar, vou ter que te deixar e onde encontrar pessoas vou pedir para te vir ajudar’. Eu gritava ‘Não me deixa!” Ela começou a chorar e a dizer ‘Me perdoa!’ E foi embora. Tentei ganhar coragem para continuar a caminhar, mas não tinha forças. Ao cair, torci um pé e fiquei ali mesmo. Não me podia mexer. Tirei uma bota… tentei tirar a outra, mas a areia e lama estavam duras e tinham colado o meu pé, não me consegui descalçar. Chorei muito. Veio a noite e fiquei sozinha na beira do rio.

Ao todo, foram cinco dias ali abandonada. A chuva caía sem parar em cima de mim. Tinha um vestido de grávida e tentava não me molhar, cobria-me com uma jaqueta de lona preta que tinha comprado para proteger o passaporte.”

Arelis Sarret - Arelis Sarret, migrante cubana, num momento de descanso no Darién.Arelis Sarret - Arelis Sarret, migrante cubana, num momento de descanso no Darién.Equipados com aparelhos de GPS e mochilas, os turistas alemães percorrem a selva por 12 dias (Wandermut)Equipados com aparelhos de GPS e mochilas, os turistas alemães percorrem a selva por 12 dias (Wandermut)

ONDE VAMOS DORMIR?

Na selva, dormiremos em redes todo o tempo. Encarregamo-nos disso por si. Os tapetes são muito confortáveis ​​e também têm a vantagem de evitar o contacto com o solo. É assim que nos protegemos de convidados indesejados, como cobras, à noite. As redes já estão equipadas com redes mosquiteiras, de modo a evitar que hóspedes não convidados voem até si.

“Já não tinha comida. Como não podia caminhar, gatinhava até à beira do rio e baixava a cara na água para poder beber. Dormia ali mesmo, sentada nessa areia. Havia animais que eu nunca tinha visto, nem sei mesmo os nomes. As moscas eram muitas. Durante dois dias eu gritava de dores, mas não havia ninguém. Ali eu só esperava a minha hora para morrer.

Ao terceiro dia, passou um grupo, eram indianos. Eu estava ali sozinha, só com metade do cabelo e toda molhada, parecia um monstro. Quando se aproximaram começaram a correr. E eu disse: ‘Não fujam, sou pessoa!’. Eu estava numa linha de passagem, mas não me vieram socorrer. Eu gritava: “Ajuda, por favor, vou morrer aqui!” Mas foram-se embora. Vi-os a desaparecer na mata.

Entretanto, a minha amiga já estava longe dali, também estava a caminhar sozinha até que encontrou um pescador, um mais-velho que a ajudou a encontrar o campo da polícia do Panamá [quartel de Metetí]. Contou-lhe que me tinha deixado no caminho há quatro dias, e que eu era irmã dela. O senhor prometeu-lhe que me ia procurar.

Joshua Morales viaja com o seu cão Toby ao colo num barco de migrantes, depois de cruzar a pé o Darién desde a Colombia (Natacha Pisarenko AP)Joshua Morales viaja com o seu cão Toby ao colo num barco de migrantes, depois de cruzar a pé o Darién desde a Colombia (Natacha Pisarenko AP)Migrantes atravessam em canoas o rio até ao campo de Bajo Chiquito, no Panamá (ACNUR)Migrantes atravessam em canoas o rio até ao campo de Bajo Chiquito, no Panamá (ACNUR)

Migrantes cruzam um rio no Darién (Ivan Valencia  AP)Migrantes cruzam um rio no Darién (Ivan Valencia AP)

Era uma quinta-feira, já quase noite, quando ouvi uns assobios. Comecei a gritar ‘Ajuda! Ajuda!’ e vi o mais-velho ao longe. Gatinhei e consegui levantar a mão. Ele gritou “Já te vi!”. Quando chegou à minha beira e me viu naquele estado, chorou e começou a rezar. Pegou na catana, cortou a bota que estava colada e pude tirar o pé que já era uma ferida grande. Deu-me um pouco de arroz e disse-me: ‘Você não pode andar e a minha casa é distante, não te posso levar, porque não tenho força. Hoje é quinta-feira, no sábado venho-te tirar daqui.

Comecei a chorar, mas finalmente já tinha esperança. No dia seguinte de manhã, vieram outra vez os bandidos que me tinham roubado. Passaram ao meu lado e começaram-se a rir. Puseram outra vez essa roupa de ninja e esconderam-se na mata. Estavam a ver quem vinha.

Uns minutos depois, comecei a ouvir vozes. Era um grupo de cubanos e camaroneses. Quando me viram, quiseram-me ajudar. Fizeram uma vaquinha entre todos, deram-me 125 dólares. Aí os tais bandidos apareceram e disseram que os iam levar no caminho. Nessa noite, acenderam lenha e ficaram comigo. Eu não lhes podia dizer que esses jovens eram os que me tinham feito mal, tinha medo que voltassem e me matassem. De manhã foram todos embora. Deram aos bandidos 100 dólares para virem por mim mais tarde. Mas nunca vieram.

Chegou sábado, o dia em que o pescador tinha dito que me vinha buscar. Passou todo o dia, e nada. Comecei a perder a fé. Mas quando estava a escurecer, chegou com mais quatro jovens. Cortaram um pau grande, armaram um tipo de maca e puseram-me lá em cima. Caminharam muito no meio daquela água comigo aos ombros.

Quando já era noite, atravessámos o rio e vimos já um cavalo que o senhor tinha trazido. Subiu-me e começou a puxar o animal até à casa dele que fica lá no meio da floresta. Disse-me: ‘Eu não te posso deixar ficar na minha casa, porque é proibido. Mas se te deixo aqui na floresta é pecado. Ficas esta noite na minha casa, mas não podes contar a ninguém’. Fez-me café e dormi. Na manhã seguinte, ele acordou muito cedo e foi cortar banana para comermos.”

No fim do tour, os turistas descansam debaixo de palmeiras numa praia no Pacífico (Wandermut)No fim do tour, os turistas descansam debaixo de palmeiras numa praia no Pacífico (Wandermut) 

Os nossos companheiros serão membros da tribo Embera. Os antigos povos indígenas do Panamá somam quase 7.000 pessoas, sendo que sua língua “Embera”, que pertence à família Chocó, é falada por cerca de 60.000 a 110.000 pessoas. Com o tempo, vivem em assentamentos cada vez maiores.

Muitos deles ainda vivem de forma muito tradicional, embora o seu modo de vida tenha mudado muito nos últimos anos. Mantêm as suas tradições, com as suas danças, as suas pinturas ou o seu artesanato e, no entanto, as influências da civilização [civilização!] não lhes passaram despercebidas.

O mais importante é que eles estão abertos e acolhem-nos. Podemos aprender com eles como pescar no deserto, como ler rastros ou como nos orientarmos na selva. Haverá também tempo para contar histórias no acampamento à noite. Assim, podemos aprender tudo sobre os seus antigos costumes e história.

“Quando acordei, apareceram outra vez os tais bandidos, afinal eram família do mais-velho! Estava um sobrinho dele comigo e pediu-lhes não me fazerem mal, que eu estava doente e grávida, mas mesmo assim revistaram-me. Eu tinha escondido o dinheiro debaixo do colchão e não encontraram nada. Quando viram que o pescador estava a vir, fugiram.

Andámos todo esse dia a cavalo até começar a ver as casas de madeira de Metetí, que é onde estão os militares depois da floresta. Afinal, todo o grupo que saiu comigo da praia, incluindo aquela minha amiga angolana, estava lá. Quando a polícia viu o mais-velho a atravessar o rio comigo, abraçaram-no, disseram-lhe que tinha salvo a minha vida. Meteram-me num barco mais pequeno durante duas horas até um campo onde uma ambulância estava à espera e me levou direto para o hospital.”

Se tudo correr bem, chegaremos a uma praia solitária na costa do Pacífico do Panamá em pouco menos de dez dias. Lá podemo-nos recuperar dos esforços na selva sob a sombra das palmeiras.

Se tudo correr bem, será uma experiência que contará aos seus netos.

[“Se tudo correr bem”]

por Pedro Cardoso
Jogos Sem Fronteiras | 24 Julho 2023 | Angolanos ilegais a caminho dos Estados Unidos, Colômbia, Darién, Panamá, turismo de aventura