Antes do Fim

Antes do Fim A repetição também dos dias e a eficiência turístico-económica até tinha feito desaparecer os contadores de estórias e os dactilógrafos desses mercados. Já não eram necessários. Agora servia-se café em cápsulas e chá em saquetas industriais. O progresso tinha chegado até ali e os turistas sentiam-se bem com isso, mais perto de casa. Sem paciência para negociar, cansados do jogo do gato e do rato, do comprador e do vendedor, dessa táctica que molda a cultura de um país, a esses turistas vendia-lhes o pior, mas sempre com a cordialidade mentirosa, conveniente para perpetuar o mito da simpatia marroquina. Uma batalha em forma de diálogo: especulação, silêncios, (des)confiança. Os turistas até achavam pitoresca toda aquela forma arcaica de funcionar de uma economia artesanal com gestos largos e encenados.

Mukanda

17.05.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Le Frére

Le Frére Não o surpreende, habituou-se a tal rejeição nas primeiras horas parisienses. Cede. A carne mais barata do mercado deve ceder. Quando chegou à Cidade-Luz o homem flébil apagou-se. Agradeceu ao pseudo-frére, e sem ser ouvido encolheu-se ainda mais. Entrara naquele restaurante para se alimentar, saíra ainda mais esfomeado. Tu testemunhas toda a humilhação, que não pára por aqui, anotas, o homem flébil não consegue sair dali. Enquanto a porta e o seu estômago rodopiam, a gente mais ágil, mais competente, com mais firmeza, confiança e poder de decisão (e todas essas características que nos permitem vencer neste mundo do excel) continua a entrar. Estás no canto da sala e observas como a miséria do outro é apenas um formalismo incómodo, deve ser ignorado durante as conversas, no fundo é uma chatice, para os que entram, se sentam à mesa e se alimentam.

A ler

04.01.2023 | por Francisco Mouta Rúbio

Mar Fronteira

Mar Fronteira E eis que agora, na praia, Teófilo aguarda para que o sibilar do vento erga as ondas. Vê-a agitar as asas com graciosidade. Os seus pulsos tocam-se na fluidez da respiração. As penas negras da cabeça confundem-se com o tutu negro e o ondular de todo o corpo flutua em círculos pelo mar. E, de repente, uma perna tem a liberdade de um braço. A cabeça basculante debate-se. Fátima voa, foge, tem medo, encolhe-se. Mergulha e emerge. É devorada pela água. Emerge. Vai para cima e para baixo, repetidamente. Entre o mar e o céu, o céu e o mar.

Jogos Sem Fronteiras

30.10.2019 | por Yara Monteiro