cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir

Sabemos que perdemos um amigo, um mestre, quando nos é tão difícil falar da sua partida. Sabemos que perdemos um escritor, quando somos invadidos por uma brutal saudade daquilo que ele ainda viria a escrever.
Angola perdeu, na minha opinião, um dos pilares mais sólidos da sua literatura e da sua antropologia. Partiu o homem, o artista e o pensador, num corpo que reunia estas coisas com tal elegância e intensidade, que parecia um ser de ficção.
Quando um homem, como o Ruy Duarte, pode ser lembrado como exemplo de integridade, coerência, honestidade intelectual e elevadíssima qualidade estética em tudo o que fez, esse homem pode partir em paz – e nós podemos entregar-nos, quase a sorrir, à saudade de o querermos reler.
Lembro o poeta. Lembro o amigo. Lembro o mestre. Serenamente, celebro os momentos que passei com ele, em conversa atenta, em diálogos de escutar. Ao homem que escreveu “há coisas que eu diria para entender mais tarde”, eu presto a minha homenagem, não como escritor, mas como jovem angolano. Bem sei que eu cresci numa Angola em que o Ruy acreditou – e ajudou a construir. Bem sei que foi sobretudo para as gerações vindouras que ele andou a escrever, mais ou menos cifrados, os textos que esculpiu para nos dizer o que era “fazer arte”, tendo escolhido a abordagem dos seres discretos, dos corajosos, dos que abdicam na hora certa.
Devagarinho, lá teremos de dar “ordem de esquecimento” à nossa saudade; e aos poucos, no que nos deste, havemos de ler todos os “sinais misteriosos” – que já se vão vendo…
Obrigado, camarada Ruy. Obrigado mesmo!

Ondjaki

barragem Gariepdan, África do sul, setembro 2009barragem Gariepdan, África do sul, setembro 2009

12.08.2010 | por martalanca | Ruy Duarte de Carvalho