Abuso num bairro black, reflexão sobre a violência policial, o racismo e a segregação nas periferias de Lisboa

Do bairro do Mocambo aos contemporâneos bairros negros da periferia de Lisboa
Um dos maiores, mais antigos e emblemáticos bairros de maioria negra da Área Metropolitana de Lisboa (AML) é a Cova da Moura. Antes de falar deste e de outros bairros formados por populações maioritariamente negras e africanas, fazemos uma viagem no tempo até ao bairro Mocambo, o primeiro bairro de africanos e afrodescendentes de que há registo em Portugal. Surgido no século XVI e batizado com um nome de origem bantu, era um bairro de negros, fundamentalmente livres e forros, mas também de escravizados (Henriques et al., 2013). O Mocambo localizava-se segregado e marginalizado nos arrabaldes da antiga Lisboa, onde atualmente fica a Madragoa. No século seguinte, este bairro foi perdendo a população de origem africana e, já no século XIX, só existia a “Travessa do Mocambo”, último registo toponímico do seu passado negro, agora silenciado. O bairro do Mocambo1 é paradigmático da presença de negros e africanos em Portugal desde o século XV, cuja influência se fez sentir em várias vertentes: no vocabulário, na agricultura, na religião, no teatro, na literatura ou na música (Tinhorão, 1997). Segundo Didier Lahon (2004), os negros (escravizados e livres) na capital portuguesa poderão ter representado 15% da população entre o fim do século XVII e meados do séc. XVIII. Com a abolição da escravatura no final do século XVIII (unicamente na metrópole) e a decadência do império, a presença negra em Portugal foi silenciada até a sua (quase) completa invisibilidade e esquecimento. 

Tal como o antigo Mocambo, os bairros atuais de maioria negra também são segregados, marginalizados e racializados nas margens de Lisboa. São disso exemplo os bairros: da Cova da Moura, do Seis de Maio, de Santa Filomena, do Casal da Mira e do Casal da Boba, na Amadora; da Quinta do Mocho e da Quinta da Fonte, em Loures; da Quinta da Princesa e do Jamaica, no Seixal; do Bairro dos Navegadores, em Oeiras; ou ainda do Bairro da Adroana, em Cascais, entre outros. São bairros criados no contexto da moderna migração laboral de africanos para Portugal, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980, incentivada pela industrialização e o crescimento do setor da construção civil do país. Entre esses imigrantes destacam–se os que saíram de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e São Tomé e Príncipe2. Atualmente, a maioria desta população distribui-se pela periferia de Lisboa, “empurrada” ao longo de décadas para bairros economicamente e socialmente marginalizados. Estes são os bairros negros da Lisboa contemporânea, territórios invisíveis de uma cidade que até hoje não (re)conhece o seu passado histórico africano, tampouco aceita os seus novos citadinos.

vista aérea do bairro Cova da Mouravista aérea do bairro Cova da Moura

 

Cova da Moura, um bairro negro da periferia de Lisboa

A Cova da Moura é um bairro de construção informal do Concelho da Amadora com população estimada entre os 6 e 10 mil habitantes (Horta, 2008). Embora as primeiras casas tenham sido construídas na década de 1960, o seu maior crescimento deu-se após o 25 de Abril de 1974, uma característica comum a outros bairros informais da periferia de Lisboa. O período revolucionário possibilitou que terrenos públicos e privados fossem ocupados por homens e mulheres que não tinham condições económicas de erguer um lar para as suas famílias. Nesse período, deu-se um grande crescimento demográfico na cintura metropolitana da capital do país motivada: pela intensificação da migração rural-urbana; pela vinda de imigrantes africanos; e pela chegada dos chamados retornados3. Foram estes últimos que ocuparam a parte baixa do bairro, dando início ao processo de urbanização da Cova da Moura (Raposo, 2005). A parte alta foi ocupada numa fase posterior por famílias, fundamentalmente, vindas de Cabo Verde, que se tornaram rapidamente maioritárias no bairro.

A Cova da Moura não é única nas suas características, ela pertence a um continuum social de bairros de maioria negra da Amadora marcados por processos de precarização. Pertencem a este continumm os bairros informais do Seis de Maio, Reboleira e Santa Filomena e os bairros sociais do Casal da Mira e Casal da Boba, onde foram realojadas muitas das famílias que habitavam nos já demolidos bairros da Azinhaga dos Bezouros, Fontainhas, Estrela D’África, entre outros. Várias particularidades unem estes bairros, entre as quais serem habitados por uma população maioritariamente negra e africana, com destaque para a presença dos cabo-verdianos, e o fato de o crioulo cabo-verdiano ser a língua utilizada no convívio diário. A segregação residencial, precariedade laboral e discriminação racial afetam intensamente as populações destes territórios, hostilizadas por, supostamente, terem um estilo de vida não civilizado e marginal. Símbolo (i)material da presença africana na Lisboa pós-colonial, a Cova da Moura é um dos bairros mais estigmatizados de Portugal. Um falso imaginário associa-o às “droga” e “armas”, aos “criminosos” e “jovens delinquentes”, resultado de um processo de rotulação construído pelos media e instituições políticas. Para entender a dimensão desse processo, criamos uma wordcloud4 com notícias associadas ao bairro. Ao colocar as palavras “Cova da Moura” no motor de busca do Google, retiramos as palavras associadas às primeiras 70 entradas de modo a obtermos os termos que mais se repetem. Não por acaso, as palavras em destaque são: “bairro”, “psp”, “polícia”, “droga”, “assalto”, “jovens”, “suspeito”, “tiro”, “detido”, “violência”, “madrugada” e por aí fora. A partir dessa wordcloud é possível visualizar como se dissemina na nossa sociedade uma imagem negativa associada a um determinado território.

Wordcloud de notícias da Cova da Moura (julho de 2016)Wordcloud de notícias da Cova da Moura (julho de 2016)

A forma estereotipada como a imprensa nacional retrata o bairro não apenas personifica nos seus moradores o fantasma das classes perigosas, mas também “silencia” uma outra Cova da Moura: o bairro com associativismo de referência nacional e internacional raramente é lembrado nas notícias, tal como a sua centralidade no movimento hip-hop português. Ignora-se que ali se organiza um evento que é hoje património cultural imaterial português, o Kola San Jon5; ou esconde-se a importância do bairro na vida musical da AML, quando várias bandas enchem os bares com música ao vivo, transformando-a na “Cova da Música” (Varela et al., 2016).

Abuso num bairro black

É rusga na madruga / Os homens fecharam a rua com cães e carros de patrulha / É fuga no beco. Buga! / Caçadeiras zuumm / É uma noite que não acaba nunca/ É o abuso num bairro black / É o abuso num bairro black.

Allen Halloween ft General D e Buts Mc

A violência da polícia na Cova da Moura não é rara, tampouco restringe-se a este bairro em particular. Pelo contrário, acreditamos que as arbitrariedades das “forças da ordem” sejam comuns ao conjunto dos bairros de maioria negra na periferia de Lisboa. Esta violência extralegal deriva do estado de exceção que caracteriza a relação desses territórios com o Estado, que naturaliza (e justifica) aos olhos da sociedade formas de regulação específicas de cariz repressor e coercivo. De modo a debater esta hipótese, nos focaremos em episódios de violência policial, com profundos traços racistas, que ocorreram no bairro durante uma investigação de sete meses que realizámos em 2015 sobre artistas imigrantes na Amadora6.

Durante a tarde de 5 de fevereiro, quinta-feira, a polícia fazia uma das suas habituais rusgas na Cova da Moura, revistando de modo truculento os seus moradores. Um jovem de 24 anos, sem que nada o justificasse, segundo os moradores, foi revistado e detido por agentes da equipa de intervenção rápida da Polícia de Segurança Pública (PSP). A violência utilizada levou a que alguns moradores que assistiam ao sucedido, fundamentalmente mulheres, reclamassem e, através de telemóveis, tentassem filmar a situação. Constrangida, a polícia dispersou quem estava na rua com bastonadas e tiros de borracha. As pessoas correram pela rua e refugiaram-se onde podiam. Por fim, a PSP algemou o jovem e levou-o para a esquadra, alegando que a detenção se deveu a uma pedra lançada à viatura. Uma moradora que estendia roupa na varanda de sua casa, quando foi atingida por balas de borracha, contou-nos o sucedido:
Logo que peguei no balde para lavar a varanda deparei com os polícias mandar as pessoas parar para revistar. Tudo bem, isso é normal, é o trabalho deles. Mas naquela hora apareceu o X, e ele não tinha feito nada, mas um policia mandou-lhe ir para a parede. Foi aí que o polícia lhe deu um chute na perna e começou a falar com ele. (…) No momento que o polícia lhe deu chapadas, logo foram mais três para cima dele e começaram a lhe bater. Havia umas miúdas, começaram a gritar: “Ah, isso não se faz, isso é abuso de autoridade”. (…) eu não me meto nessas coisas, estou sempre no meu canto. E ele disparou-me aqui no peito. Comecei a gritar para tentar que o meu miúdo [filho] não saísse para a varanda… Ele mesmo assim carregou outra vez, deu-me na perna. O polícia deu-me tiros. [Entrevista 1, 29 anos, 23 de maio de 2016]
Ao saber dos acontecimentos, cinco jovens colaboradores da Associação Cultural Moinho da Juventude decidiram ir à esquadra de Alfragide onde o rapaz estava detido. Dois destes jovens, rappers e ativistas do bairro reconhecidos, já eram experientes nestas situações e pertenciam à direção da Associação. Este é um procedimento normal entre os seus associados para obter informação nas esquadras e impedir que existam maus tratos aos detidos. Aliás, a esquadra de Alfragide é conhecida entre os moradores pela brutalidade dos seus agentes. Quando tentavam falar com a polícia à porta da esquadra, os cinco jovens foram brutalmente agredidos na rua, com pontapés, murros e cassetetes. Levados ao interior da esquadra, foram novamente agredidos e sofreram inúmeras ameaças e humilhações de teor racista. Um deles foi baleado na perna duas vezes, dois tiveram dentes partidos e os cinco sofreram hematomas e feridas por todo o corpo e nas faces. Sabendo do ocorrido, deslocámo-nos à esquadra para nos pormos a par da situação. Foi aí que vimos os jovens entrarem, um a um, em ambulâncias, cambaleantes, com os rostos inchados e a sangrar. Alguns deles, nossos conhecidos há vários anos, estavam quase irreconhecíveis. A violência foi tão grande que tiveram de ser assistidos no hospital Amadora-Sintra.
Ainda pouco se sabia sobre o ocorrido e já jornais, baseados apenas em fontes policiais, anunciavam em títulos de notícias: “Tentaram invadir esquadra da PSP de Alfragide” (Correio da Manhã, 2015); “Jovens tentam invadir esquadra de Alfragide” (TVI24, 2015a); “Segurança reforçada na PSP de Alfragide após tentativa de invasão de esquadra” (JN, 2015); e “Segurança na esquadra da PSP de Alfragide reforçada, invasão de esquadra travada” (Observador, 2015). Após 48 horas detidos, os jovens saíram em liberdade. O Ministério Público pediu a prisão preventiva por resistência e coação, mas o tribunal de Sintra libertou-os com termo de identidade e residência. À porta do tribunal aplausos e gritos de alegria não se fizeram esperar entre as mais de 50 pessoas que aguardavam a libertação. Os jovens, abalados e feridos, ainda tiveram força e coragem de falar diretamente à imprensa. Um deles referiu, após mostrar a perna baleada: “Fomos espancados literalmente. Eu fui baleado duas vezes e ameaçado de morte várias vezes”. Outro jovem, funcionário e membro da direção da Associação Cultural Moinho da Juventude, recordou ao Jornal Público alguns dos momentos traumáticos vividos no interior da esquadra:
“Consegui ver a expressão de um dos polícias, quando disse com uma convicção que eu não consigo reproduzir: ‘Se eu mandasse vocês seriam todos exterminados. Não sabem o quanto eu odeio vocês, raça do caralho, pretos de merda’. Nunca tinha visto um ódio em estado bruto daquela forma. Nunca tinha visto e já vi muita coisa. A expressão dele era um ódio completamente cego e aquilo assustou-me: como é que uma sociedade anda a produzir indivíduos deste tipo?” (Gorjão, 2015)

Nos dias seguintes, os títulos dos media começaram a mudar: “Jovens da Cova da Moura acusam PSP de tortura e racismo” (Sábado, 2015); “Habitantes da Cova da Moura acusam polícia de força excessiva e tortura” (RTP, 2015); “Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer” (Gorjão, 2015) e “They hate black people” (Fletcher, 2015). O próprio Alto-comissariado para as Migrações emitiria um comunicado7, cinco dias depois do sucedido, onde afirmava que os acontecimentos indiciavam uma eventual prática de atos de violência racial e iria instaurar um processo para averiguar os factos. Logo após à libertação, dezenas de moradores da Cova da Moura, a Associação Cultural Moinho da Juventude e outras organizações, apoiadas por ativistas e cidadãos solidários, passaram a se reunir. As várias reuniões culminariam, uma semana depois, numa significativa e inédita concentração em frente à Assembleia da República contra a violência policial como comprovam os títulos da imprensa: “Cova da Moura foi ao Parlamento protestar contra o Racismo” (TVI24, 2015b); “Manifestantes dizem: Basta de violência policial racista” (Renascença, 2015).

Um processo disciplinar contra nove elementos da PSP que estiveram envolvidos nos incidentes foi instaurado pela ministra da Administração Interna, com base num relatório do IGAI, em julho do mesmo ano. Três destes polícias foram suspensos durante 90 dias. De momento já foi provado em tribunal que não houve tentativa de invasão de esquadra da qual os jovens eram acusados, mas aguarda-se ainda os desenvolvimentos da acusação contra a polícia.
Um vídeo filmado e colocado na internet um mês após os acontecimentos narrados, testemunha o modus operandis violento da polícia na Cova da Moura. Com o título “Polícia dispara contra moradores no Bairro da Cova da Moura”, este registo é demonstrativo do que pode ser uma operação policial no bairro, em que polícias: disparam tiros na rua (0:58s); retiram violentamente pessoas de uma viatura para revista (1:25s); atiram pedras a janelas de casas (2:00s); e ofendem verbalmente moradores (2:05s). Estes episódios são demonstrativos que a violência e o racismo propagado pelas instituições do Estado nos bairros de maioria negra não são excecionais, mas parte integrante de um regime de controlo social diferenciado que entende (e trata) tais territórios como regiões (i)morais, condicionando tanto representações e políticas públicas específicas como instaurando formas de regulação distintas no que se refere, por exemplo, à aplicação da lei e atuação das forças da ordem (Raposo, 2016).

 

Etnografia sob violência
Durante os cinco meses que realizámos trabalho de campo nos bairros negros da Amadora aconteceram várias experiências de tensão com a polícia que nos envolveram. Uma dessas experiências etnográficas será relatada aqui porque acreditamos que ela nos ajuda a compreender o modo como o Estado administra as diferenças entre territórios e cidadãos, e legitima uma desigualdade com base em critérios étnico-raciais.

No dia 10 de janeiro, um mês antes dos acontecimentos que retratámos anteriormente, circulávamos entre bares da Cova da Moura para conhecer os seus músicos e as dinâmicas do circuito musical africano na Amadora. Era perto da uma da manhã e tínhamos acabado de sair do bar onde atuava a banda são-tomense “MV4”, quando fomos abordados por polícias: vieram por trás numa carrinha de intervenção com as luzes desligadas, pararam ao nosso lado e abriram a janela para perguntar o que fazíamos ali. Dissemos que nós éramos investigadores da universidade e que estávamos a fazer uma pesquisa sobre música. Não gostando da explicação, saíram da carrinha cerca de oito polícias, um deles com uma shotgun na mão. Dividiram-nos e mandaram-nos retirar tudo dos bolsos. O tom da conversa, que nunca tinha sido simpático, passou a ser mais agressivo. Mandaram-nos colocar as mãos na nuca ou na parede, afastar as pernas e revistaram-nos. Queriam saber se tínhamos droga. Alguns pareciam perceber que falávamos a verdade, mas outros não. Aqueles que pareciam liderar a rusga decidiram fazer uma campanha de intimidação de teor racista contra o bairro. Disseram-nos coisas como: “Isto aqui é a Selva”, ou “Não sabem que isto é o cancro do país?! Aqui só tem pretos e criminosos. É só escumalha” ou ainda “Achas que isto é um bairro de trabalhadores? A maior parte acorda de manhã para planear roubos”. Para nos amedrontar afirmaram: “Não queremos vir cá um dia buscar-vos mortos. Eles dizem-se amigos mas matam-se uns aos outros” e no fim disseram-nos: “Os pretos que vivem aqui não são iguais a nós. Desta vez a gente trata-vos bem, mas para a próxima podem ser tratados como os diferentes”. Em baixo alguns excertos do diário de campo:
“Um deles, dos que fala mais, tapa a cara, não sei se com frio ou com medo de o podermos identificar no futuro. Já me pediram antes o cartão da universidade. Já me mandaram duas vezes colocar as mãos no muro. O de gorro, mais baixo, é agressivo, diz que lhe estou a mentir, grita que consumo estupefacientes. Pergunta-me “se estão a estudar, onde estão os apontamentos?”, digo que tenho aqui no bolso, tiro uns papéis e uma caneta. No papel está escrito “Dj Marfox (editora príncipe) Quinta do Mocho”, entrega-me os papeis e afasta-se irritado. (…) Pedem-me o Cartão de cidadão novamente e dizem para eu rezar que nunca tenha tido problemas com a polícia, eles vão ver ali na carrinha, se alguma vez tive problemas estou lixado, dizem (…). Olhamos por vezes uns para os outros para ver se está tudo bem. A campanha de racismo e de medo continua”. [Diário de campo, 10 de janeiro de 2015]


A descoberta da periferia: segregação e racialização da violência

Na periferia de Lisboa são muitos os bairros marcados por processos de precarização a que são atribuídos os estereótipos de “problemático” e violento, crítico ou de intervenção prioritária. Tais discursos tem a participação ativa dos medias e das instituições políticas, corresponsáveis por criar um imaginário de transgressão, incivilidade e anomia sobre esses territórios. São lugares racialmente conotados, em que a imagem dos jovens negros é associada ao fenómeno das chamadas gangues, vistas como responsáveis por espalhar o terror ao comum cidadão. O mapa do Diário de Notícias (DN)8 com os “Principais bairros problemáticos de Lisboa e do Porto” é emblemático da forma como o discurso público criminaliza parte significativa dos moradores da periferia, concebendo alguns bairros – seja os de construção informal seja os de realojamentos – como “verdadeiros barris de pólvora”. No caso da Área Metropolitana de Lisboa (AML) os “principais focos de tensão” apontados pela notícia recaem em bairros conhecidos por serem habitados por populações em que “a grande maioria é de origem africana”: Cova da Moura, Quinta do Mocho, Quinta da Fonte, Quinta da Princesa e Bela Vista. Os termos preconceituosos que sustentam a estereotipia desses bairros estão por toda a notícia, e associam os moradores à criminalidade violenta e ao tráfico de drogas, num caso flagrante de racialização da periferia e dos problemas urbanos. Assim, a Cova da Moura é apresentada pelas suas “ligações ao tráfico de droga e de armas”, a Quinta do Mocho recordada pelo “tiroteio entre dois gangues rivais”, a Quinta da Fonte rotulada como “bairro de má fama”, enquanto a Quinta da Princesa e a Bela Vista são mencionadas, respetivamente, pelo crime de “cárcere privado” ou pela vontade da Câmara de Setúbal em “desmantelar o bairro”, dado os “desacatos” constantes.

Mapa do Diário de Notícias

A periferia só muito tardiamente tornou-se tema de debate na sociedade portuguesa, o que se explica, em parte, devido à urbanização tardia de Portugal em comparação com os restantes países europeus. Os concelhos que formam a cintura externa à volta de Lisboa só ganharam, verdadeiramente, expressão a partir dos anos 1950/60, quando a intensificação da migração rural-urbana produziu uma explosão demográfica nessa região, transformando, gradualmente, antigos campos agrícolas em áreas urbanas. Se em 1960 a população da cidade de Lisboa representava 52,6% do total da sua área metropolitana, tal número decresce para 26,1% em 1991 (Soares e Domingues, 2007), expressão da periferização de parte significativa da população na busca por uma alternativa habitacional9. Não por acaso, é na década de 1990 que se inaugura um “olhar” sobre as periferias do país (Alves, 2013), designadamente na AML, onde o multiplicar de bairros clandestinos e de autoconstrução, os malfalados “bairros de lata”, expressava a grave crise habitacional da altura. Frente à incapacidade e, sobretudo, à inexistência de políticas públicas (camarárias e do poder central) que resolvessem as carências de habitação da população mais desfavorecida (Cachado, 2013), esses bairros tornaram-se a solução de moradia possível para milhares de famílias, constituindo-se parte integrante da urbanização portuguesa.
A descoberta da periferia, nos anos 1990, como espaço precário, marcado por situações de “ilegalidade” habitacional e deficit de urbanidade ocorreu em simultâneo com a sua associação à imigração, principalmente africana. A visita de Mário Soares, em janeiro de 1993, a um processo de despejo em Camarate (Loures) é apresentada por Ana Rita Alves como ponto de partida da “hipervisibilidade mediática” que a periferia passou a deter (2013, pp. 48), quando bairros de construção informal passaram a ser “imaginados como espaços de (outras) etnicidades” (Idem, pp. 38). É neste ano que o Plano Especial de Realojamento (PER) é promulgado pelo Decreto-Lei 163/93 de 7 de maio, pondo as discussões sobre o direito à habitação na ordem do dia. Paralelamente, decorria também um debate público sobre a imigração na sociedade portuguesa, no âmbito da abertura do processo de regularização extraordinária de 1992 e 1993. Tais eventos contribuíram para criar uma narrativa mediática marcadamente racializada sobre os bairros periféricos de Lisboa.

O processo de racialização desses bairros não pode ser descurado da sua associação às ideias de transgressão e marginalidade, influenciando a perceção coletiva sobre os seus moradores, transformados no arquétipo do criminoso. Tal imaginário foi sustentado por inúmeras notícias de jornal e televisão através da equação pobreza-negritude-violência-bairros e produziu uma interpretação caricatural desses territórios: ocupações ilegais e sem planeamento urbanístico, inexistência de lei e ordem, habitações degradadas e “abarracadas”, locais de concentração de imigrantes pobres e negros, traficantes e gatunos. A representação desses territórios como espaço privilegiado de tensão e violência urbana subiu de tom a partir da mediatização da sua juventude, quando os discursos dos media e das instituições políticas, com a cumplicidade da academia, passaram a caracterizá-los sob a ótica dos comportamentos desviantes. A premissa de que más condições ecológicas (e culturais10) favoreceriam comportamentos não civilizados e marginais pautou grande parte desses discursos, uma perspetiva estereotipada que ganhou um pretenso estatuto científico através do termo “segunda geração de imigrantes”. Com forte cariz essencialista, esta denominação surgiu, assim, pela necessidade de delimitar uma série de problemas sociais, servindo-se das referências culturais dos progenitores desses jovens para legitimar a sua suposta não integração na sociedade portuguesa. O resultado desse enquadramento oficial é a restrição dos direitos de cidadania dos filhos de imigrantes, principalmente africanos, na ordem hierárquica da cidade. Como as referências culturais africanas desses jovens não são uma mera reprodução da cultura dos seus pais, refutamos a ideia de “estarmos perante uma segunda ou terceira geração de imigrantes precariamente ‘suspensa entre duas culturas’” (Antunes, 2003, pp. 146), mas de jovens negros portugueses (ou afrodescendentes) socializados num Portugal marcadamente urbano e cosmopolita.
A implantação do PER teve um forte impacto no modo como a periferia de Lisboa foi redesenhada, quando “bairros informais” foram demolidos e “bairros sociais” edificados. Mais do que uma política habitacional para solucionar os problemas de moradia das populações desfavorecidas, o PER adotou uma postura higienista que fez da “erradicação das barracas11” o mote para limpar e embelezar a capital do país12. Deste modo, a construção dos bairros sociais foi a solução encontrada para deslocar (e afastar) dos centros urbanos as populações indesejadas, ao empurrar para urbanizações desoladas, onde escasseiam redes de transporte e o acesso aos serviços, aqueles que o Estado português considera ser o “outro” por excelência: negros, imigrantes e ciganos.  O resultado dessa política foi o aprofundar das lógicas de segregação urbana de cariz étnico-racial (Alves, 2013) e de precarização do direito à cidade.
Envolvida numa retórica civilizadora, os discursos que legitimavam a necessidade de realojar os moradores dos bairros de construção informal tinham como premissa solucionar “condições de habitação degradadas” para alterar “comportamentos desviantes” (Cachado, 2013, pp. 142). Portanto, a melhoria das condições de habitabilidade seria o primeiro passo para que essas populações alterassem o estilo de vida de modo a adquirir hábitos modernos e civilizados, em suma, fossem “integradas” na sociedade portuguesa. Se o realojamento significou para muitas famílias uma melhoria nas condições de moradia (EUMC, 2013), não representou uma alteração no modo como essas populações e os seus territórios eram retratados, como fica patente no mapa do DN. O realojamento para conjuntos de edifícios em áreas longínquas dos centros urbanos fez com que os novos bairros sociais, à semelhança dos antigos bairros informais, continuassem a ser vistos como guetos, os seus moradores como incivilizados e a sua juventude como potenciais criminosos.

 

Subalternidade e controlo nos territórios à margem

Pensar os processos de estigmatização e precarização da vida urbana a partir da noção de margem proposta por Das e Poole (2004) poderá ser interessante para compreendermos o modo como se processa a territorialização da pobreza e a subalternização de certas populações. Diferente do paradigma da ausência do Estado, essas autoras identificam os territórios à margem como fabricações estatais. Isto é, territórios constrangidos por práticas de regulação e disciplinamento impostas pelos aparatos do Estado que se traduz, para os que lá vivem, por exemplo, em leis especiais, em formas específicas de governação e num tratamento abusivo das “forças da ordem” (idem). Três lógicas parecem prevalecer nesses territórios segundo Michel Agier (2015): a exceção, a extraterritorialidade e a exclusão. A primeira justifica modos específicos de gerir a pobreza e desigualdade, mas também a recusa do Estado em tratar dignamente certas populações. Este autor recorre ao conceito foucaultiano de “heterotopia” para pensar a extraterritorialidade das margens, entendida como “fora de lugar, no sentido em que se constituem em exteriores, colocados nas bordas ou nos limites da ordem normal das coisas” (2015, pp. 45). Nesta ótica, pesam sobre os habitantes das margens dois dispositivos urbanos – segregação e confinamento –, que fazem deles “presos do lado de fora” (Birman et al., 2015, pp.17). De fato, Agier está a pensar nos espaços destinados aos refugiados, deslocados e imigrantes quando aborda a extraterritorialidade, uma segregação imposta pelo poder soberano para “separar e confinar uma alteridade indesejável” (2015, pp. 45). Intimamente ligada às lógicas anteriores, a exclusão remete para a desigualdade estrutural dos habitantes das margens, entendidos como uma nova categoria de párias destituídos da igualdade política e do acesso ao poder. Um dos mecanismos mais importantes para legitimar essa desigualdade em Portugal (e na Europa) são as barreiras impostas na incorporação nacional dos imigrantes e seus ascendentes, fazendo da origem étnico e racial (jus sanguinis) um fator determinante no acesso aos direitos de cidadania. No caso da população negra e/ou africana, a subalternização é agravada pelo racismo e por um imaginário eurocêntrico de construção do Estado-nação que invisibiliza a sua presença histórica no país ao mesmo tempo que oculta a brutalidade do projeto colonial.
Imbuídas de um sentido de alteridade radical, os bairros negros constituem um lócus privilegiado para entender o modo como o Estado13 e o modus operandis da lei produz e gere as suas margens. Disciplinar aqueles que lá vivem e controlar um exército de indesejáveis, muitas vezes produzindo a própria desordem, é uma das funções do poder soberano nas sociedades capitalistas. Nos bairros negros as leis podem ser transgredidas, como fica evidente na praxis da polícia na Cova da Moura, dada a lógica de exceção prevalecer nesses territórios. Isso permite à polícia acionar a violência extralegal com a justificativa de estarem a controlar uma determinada infração sob a cobertura da autoridade que o Estado soberano lhe confere. Discernir a ordem da desordem, o legal do ilegal, reprimindo uns (e não outros) é uma atribuição da polícia na “gestão e regulação da ordem urbana” (Telles, 2015, pp. 66). Contudo a dimensão de arbitrariedade que subjaz essa gestão não é neutra, mas tensionada por ideologias, normas morais e jogos de poder. Nos bairros negros o racismo e a criminalização da pobreza entrelaçam-se para criar “uma expectativa negativa sobre indivíduos e grupos, fazendo-os crer que essa expectativa é não só verdadeira como constitui parte integrante de sua subjetividade” (Misse, 2015, pp. 80). É assim que os jovens da Cova da Moura são transformados em sinónimo de criminalidade, naquilo que Michel Misse (2015) nomeia como “sujeição criminal”. Confundidos com o crime, os jovens negros das margens de Lisboa encarnariam a transgressão, na certeza de que os comportamentos desviantes seriam parte constitutiva da sua natureza. No limite, eles passam a ser detentores de uma (i)moralidade questionável que os priva do pleno acesso à justiça e os culpabiliza pelos problemas da cidade, tornando as medidas repressivas (e abusivas) da polícia um recurso legítimo aos olhos da opinião pública. Esta criminalização prévia retira-lhes o “poder da palavra” e condena-os ao isolamento, num processo de segregação extrema alicerçado pela precariedade económica, discriminação racial e estigma territorial. É a partir dessa teia de vulnerabilidades que os jovens dos bairros negros são desumanizados e tem os seus direitos de cidadania constantemente violados. Neste sentido, a violência extralegal das ações da polícia seria a versão “musculada” de uma “tecnologia de poder” (Foucault, 1977, pp. 116) que cumpre o objetivo de afastar, disciplinar e punir os indesejáveis, entendidos como párias urbanos pelo fato de serem pobres, negros e habitantes de bairros mal-afamado.  

 

Bibliografia
Agier, Michel (2015). “Do refúgio nasce o gueto: antropologia urbana e política dos espaços precários”. In: Patrícia Birman; Márcia Leite; Carly Machado & Sandra Carneiro (Ed.), Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordens e resistências (pp.33-53). Rio de Janeiro: Editora FGV.
Alves, Ana Rita Lopes (2013). Para uma compreensão da segregação residencial: o Plano Especial de Realojamento e o (Anti-)Racismo, Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Nova da Lisboa (FCSH-UNL).
Antunes, Marina (2003). “O Grupo é a minha Alma: Amizade e Pertença entre Jovens”. In Graça Índias Cordeiro; Luís Vicente Baptista & António Firmino da Costa (Ed.), Etnografias Urbanas (pp.143-155). Oeiras: Celta Editora.
Birman, Patrícia; Leite, Márcia; Machado, Carly & Carneiro, Sandra (Ed.) (2015). Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordsens e resistências. Rio de Janeiro: Editora FGV.
Cachado, Rita Ávila (2013). O Programa Especial de Realojamento. Ambiente histórico, político e social, Análise Social, 206, XLVIII (1º), 134-152.
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Artigo publicado originalmente nas Actas do IX Congresso Português de Sociologia com o título “Faces do racismo nas periferias de Lisboa. Uma reflexão sobre a segregação e a violência policial na Cova da Moura” (2017).

  • 1. Embora o significado de “mocambo” seja inconclusivo, sabemos que no português antigo do Brasil significava “local em que os escravizadosMapa do Diário de Notícias (2010)Mapa do Diário de Notícias (2010) negros se abrigavam quando fugiam para o mato” (Priberam, 2016).
  • 2. Todos estes países foram antigas colónias portuguesas e tornaram-se oficialmente independentes em 1975, após uma longa luta pela libertação que influenciou decisivamente o desencadear da revolução do 25 de Abril.
  • 3. Em Portugal, o termo “retornado” refere-se às centenas de milhares de pessoas, fundamentalmente brancas, que vieram para Portugal saídas das ex-colónias durante os processos de independência de 1975 e 1976.
  • 4. Wordcloud é uma representação visual de tags ou palavras-chave para descrever o conteúdo on-line, normalmente uma lista alfabética ou um agrupamento de palavras, em diferentes tamanhos de modo a mostrar a frequência relativa do uso dessas palavras na internet.
  • 5. A Festa do Kola San Jon da Cova da Moura, inscrita desde de 2013 no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial Português, é um evento que se realiza por ocasião das festas de São João. Tem como elemento central um cortejo que “recria em contexto diaspórico, alguns aspetos da tradição cultural cabo-verdiana […].” (Matriz PCI, 2015).
  • 6. Esta pesquisa foi realizada para o projeto “O trabalho da arte e a arte do trabalho: circuitos criativos de formação e integração laboral de imigrantes em Portugal”, e desenvolvido no âmbito institucional do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL). Foi coordenado por Lígia Ferro e Otávio Raposo e financiado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e pela Comissão Europeia (CE) através do Fundo Europeu para a Integração dos Nacionais de Países Terceiros (FEINPT).
  • 7. Ver em: http://www.cicdr.pt/documents/57891/98773/Comunicado_bairro_cova_moura.p...
  • 8. Para aceder ao mapa completo com os bairros de Lisboa e Porto: http://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/ BAIRROS_ PROBLEMATICOS.pdf
  • 9. A área metropolitana de Lisboa chegou aos 2.540.276 habitantes em 1991 (Soares e Domingues, 2007), um valor superior à ¼ da população do país. Atualmente, essa população é aproximadamente de 2.821.876 indivíduos (Censo, 2011).
  • 10. As práticas racistas deixaram de poder ser analisadas à luz da argumentação da inferioridade biológica, mas ganharam uma nova “roupagem” com os discursos de racialização da diferença cultural que tendem a associar a suposta não integração do “outro” às questões da nacionalidade, cultura ou etnia.
  • 11. O Decreto-Lei n.º 163/93 de 7 de maio considera as barracas uma “chaga ainda aberta no nosso tecido social”, por isso propõem a sua “erradicação” e “extinção”. Para mais informações: https://dre.tretas.org/dre/50459/
  • 12. Esta opção política está intimamente ligada ao momento decisivo que se vivia em Portugal, cuja imagem estava a ser redefinida e “vendida” por meio de dois megaeventos que a cidade iria sediar: Lisboa Capital da Cultura (1994) e Expo 98.
  • 13. Nesta perspetiva, os territórios à margem (ou periféricos) seriam caracterizadas pelo progressivo enfraquecimento das leis e práticas de regulação de um Estado entendido como garantidor do progresso.

por Otávio Raposo e Pedro Varela
Cidade | 23 Outubro 2017 | Cova da Moura, esquadra de Alfragide, LBC, polícia, racismo, violência