O cinema pode ser uma ferramenta privilegiada para combater e romper com esses modelos hegemônicos de ver, pensar e representar o outro dentro de uma lógica de opressão. Ver-se em outra perspectiva, imaginar-se, descrever-se e reinventar-se pelo cinema é uma forma de descolonizar imaginários, interrogar as matrizes de representação opressoras e criar estratégias para a construção de outras, que em vez de reduzir, multiplicam as possibilidades de existência na ideia de diversidade.
Afroscreen
15.09.2021 | por Fernanda Polacow
Criar uma voz pessoal é um trabalho duma vida inteira e nunca estamos satisfeitos. Qual é o meu melhor livro? O meu melhor livro é aquele que eu ainda não escrevi e que apenas existe na minha cabeça. Tenho alguns poemas para um próximo livro, escrevi dois pequenos livros, cada um tem dez poemas. Um, durante a pandemia, que é A respiração suspensa, e um outro, Exorcismos para ler em voz alta. Em alguns desses poemas entram o quimbundo, o nganguela e umbundo. Toda poesia, toda manifestação de arte, é um acrescento de beleza à beleza que o mundo não tem. Não é o real quotidiano que deve fazer a poesia, mas, ao contrário, a poesia é que deve, em absoluto, criar o real quotidiano.
Cara a cara
07.09.2021 | por Doris Wieser, Zetho Cunha Gonçalves e Paulo Geovane e Silva
A aldeia era pequena, todos se conheciam, Amande sabia que eu ia falar com outros habitantes. Provavelmente, ao mostrar-me a terrina, quis antecipar-se a eventuais mexericos. Naquele mesmo serão, um outro morador da aldeia, um veterano da guerra da Argélia, confidenciou-me que o pai de Amande ocupou, durante a Segunda Guerra Mundial, funções na administração local que implicavam contactos frequentes com os alemães. E que, à boca pequena, só por causa disso, muitos lhe chamavam «colaboracionista». Mas depois disse que isso fora há muito tempo e que já quase ninguém se lembrava dessas histórias.
A ler
06.09.2021 | por Paulo Faria
Enquanto disciplina, a arqueologia é um produto da modernidade ocidental e de relações de colonialidade contemporâneas. Neste texto discuto brevemente a arqueologia no contexto da descolonização do saber e da sociedade. De seguida, exponho quatro problemas centrais com que devemos lidar, seguidos de propostas de discussão ou exemplos de experiências descolonizadoras. O projeto descolonial está longe de ser uma mera abstração. Pelo contrário, é uma oportunidade para imaginarmos um mundo com justiça social.
Jogos Sem Fronteiras
02.09.2021 | por Rui Gomes Coelho
O ponto de vista sobre a guerra não é portanto aqui o mais habitual – por ser o de mulheres do campo em Portugal, não protagonistas do palco da guerra. É o ponto de vista do impacto do acontecimento nas vidas (banais) daquelas que permaneceram em contextos rurais ou semi-urbanos em Portugal, e de como as suas vivências e sociabilidades (também) se constituíram pela guerra e pela influência, por vezes quase espectral, daqueles que para ela foram mobilizados: noivos, maridos, ou quase desconhecidos.
Vou lá visitar
31.08.2021 | por Ana Gandum
Existe, sim, um espaço para o jornalismo lento, de várias páginas, assim como pessoas que o procuram ler, tal como criar. Exemplo disso é o surgimento de cada vez mais projetos de jornalismo alternativo que se têm vindo a apoiar na construção de uma comunidade de leitores. Porém, todos os órgãos de comunicação, sejam eles alternativos ou mainstream, ocupam o seu lugar na esfera mediática e todos apresentam relevância.
A ler
27.08.2021 | por Andreia Monteiro e Sofia Craveiro
Antes de ter a cabeça a prémio, Lesther Alemán era um estudante de Comunicação Social com o dom da palavra. Tinha 20 anos e integrava a Aliança Universitária Nicaraguense. Com o país a ferro e fogo, em abril de 2018 uma mesa de diálogo entre Ortega e os opositores tentava encontrar uma saída para o caos que se arrastava há um mês. Quando o jovem de 20 anos - óculos de armação grossa e voz grave, quase cerimonial - pegou no microfone a sala congelou.
Jogos Sem Fronteiras
26.08.2021 | por Pedro Cardoso
Fuckin'Globo, provavelmente, o mais ousado dos eventos de arte contemporânea que acontece na cidade, num momento em que as tensões políticas, económicas e sociais do ano pré-eleitoral, em Angola, estão à flor da pele.
Vou lá visitar
23.08.2021 | por Adriano Mixinge
Esta é uma retrospetiva praticamente integral da obra de Sarah Maldoror (1929-2020), realizadora conhecida sobretudo pela dimensão mais militante do seu cinema associada às lutas contra o colonialismo, e autora de uma obra multifacetada determinante para a afirmação de uma cultura negra, que, permanecendo em grande parte invisível, assume particular relevância no contexto português pela sua ligação ao nosso passado colonial.
Afroscreen
18.08.2021 | por Joana Ascensão
A câmara de Sarah Maldoror captou os primórdios da luta pela libertação de países africanos, ao lado de nacionalistas como Mário Pinto de Andrade, seu marido, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. "Sempre convivi com este problema da mestiçagem. Um mestiço pode ser um africano que defende uma causa. Mas também aprendi com a minha experiência que não devemos lutar pela moral. Em nome da moral fazem-se guerras. Quando me falam de moral eu calo-me. O que é a moral? Há é que falar de respeito."
Cara a cara
17.08.2021 | por Pedro Cardoso
Em vez de entender um museu nacional como um repositório de objetos artísticos emblemáticos dos valores da elite ou então da sua fetishização de todos os que exclui e rejeita, os curadores aceitaram integralmente a sua responsabilidade educacional e o seu dever em contribuir para a vida cultural no presente. O que, mesmo assim, não evita de todo de nos deixar com a impressão que o fogo do Purgatório afinal ainda arde e muito há ainda a fazer para o extinguir.
A ler
15.08.2021 | por Paulo de Medeiros
O facto de eu ter frequentado a escola, ter frequentado o liceu e ter entrado na universidade não era visto, pelas pessoas que me criavam, como profundamente suspeito. Ninguém me impediu de dar um salto para a universidade e de começar um caminho de autonomia pessoal, autonomia de pensar. Ninguém se apercebeu de que a biblioteca do liceu estava à minha disposição, e que eu tinha lido tudo o que estava lá, bom e mau, tudo o que me permitia formar uma consciência das coisas, interrogar os textos, saber das histórias, saber que havia um mundo para além daquele que era um mundo liso e organizado da menina temente a Deus e bem-comportada.
Cara a cara
14.08.2021 | por Doris Wieser, Ana Paula Tavares e Paulo Geovane e Silva
Em Luanda recicla-se tudo, ao mesmo tempo há uma cultura da abundância. Como se passa de um extremo ao outro?
Tem a ver com a paz. Durante a guerra a maior parte das pessoas preservavam os objectos mesmo que já não funcionassem, hoje as pessoas têm mais poder de compra. O que também faz mudar os costumes de cada um.
Cara a cara
11.08.2021 | por Marta Lança
A compreensão da cosmologia bantú é algo a que os portugueses não podiam aceder. O filme reflecte muito sobre a impossibilidade de tradução das culturas. Diria que a loucura das minhas personagens é gerada pela impossibilidade de compreensão do outro. Esses delírios são também os delírios provocados pela amnésia portuguesa auto-infligida, amnésia da inquisição nos trópicos, da escravatura, da violência sobre o outro.
Afroscreen
10.08.2021 | por Amarílis Borges
Reconhecemos as ambiguidades que constituem formas de curto-circuito inerentes à processos coletivos de produção de conhecimento, que antes do que retenção de informação ou presunção de campos de exclusividade temática, ensaiam formas de distribuição de energias, capacidades e responsabilidades na invenção do comum. O posicionamento crítico e na fronteira dos espaços legitimados de conhecimento não supõe uma desvalorização da erudição (popular, acadêmica, indígena, militante, etc.), porém estejamos habitadxs por condições de acesso diferenciadas à distintos regimes discursivos (como os discursos hegemônicos acadêmicos ou sobre a arte, repertórios léxicos ativistas ou vozes indígenas).
Mukanda
10.08.2021 | por vários
Em 2008 Samuel Chiwale escreveu sobre a contribuição deste movimento na luta anti-colonial. A tensão política destes movimentos está na génese da luta fratricida angolana que se seguiu, “o grande paradoxo da história de Angola e a fissura que levou o país para caminhos sinuosos e imprevisíveis, com consequências nefastas para as suas populações.” Para as quais a UNITA contribuiu. Chiwale, tentando por várias vezes ser conciliador, faz a distinção, dentro do MPLA, entre os que estiveram na luta, os guerrilheiros propriamente ditos, e os dirigentes que vinham à mata só para “tirar uma fotografia”.
Cara a cara
31.07.2021 | por Marta Lança
e, de repente, acabou-se o paraíso deles e voltaram a Portugal… e eles também dizem: “Deixamos tudo…”. Ali ficou um sentimento de perda, um sentimento de saudosismo, que representa o tal retorno, os tais retornados. Há, na palavra retorno, nuances que se perdem. E essas nuances se perderam porque o discurso dominante do retorno sempre foi expresso, articulado por uma classe de portugueses, a maior parte brancos, que falavam duma África mística, maravilhosa etc.
A ler
30.07.2021 | por Doris Wieser, Aida Gomes e Paulo Geovane e Silva
Respiramos ar puro na serra de Oaxaca. Nas terras altas do sudoeste mexicano, uma camponesa com o dom da cura virou um hit do vórtice psicadélico e hippy dos anos 60 e 70. Carimbada como “produto indígena”, Maria Sabina, a sacerdotisa dos cogumelos alucinógenos, virou artigo de consumo de intelectuais, cientistas, artistas e de uma multidão sedenta de drogas. No seu transe, não entenderam nada.
A ler
29.07.2021 | por Pedro Cardoso
A exposição EXPLORANDO: Kubanga Kukatula é a primeira apresentação pública de um projeto de criação artística e pesquisa, centrado em residências, produção de obras e exposições, de Lino Damião e Nelo Teixeira, artistas angolanos sediados em Lisboa, com curadoria de Paulo Moreira.
Vou lá visitar
29.07.2021 | por vários
O feminismo continua a ser um termo positivo, baseado no movimento, e eu estou feliz por ser identificada com ele. Indica uma rejeição da opressão, a luta pela libertação da mulher de todas as formas de opressão, interna, externa, psicológica e emocional, sócio-económica, política e filosófica. Gosto do termo porque me identifica com uma comunidade de mulheres radicais e auto-confiantes, muitas das quais admiro, tanto como indivíduos como pelo que contribuíram para o seu desenvolvimento. Estas referências são mulheres africanas, asiáticas, latino-americanas, do Médio Oriente, europeias e norte-americanas de todas as cores e tendências, passadas e presentes.
Cara a cara
27.07.2021 | por Elaine Salo