«Chão de Massapé»

Sempre tivemos curiosidade em estudar a realidade santa-catarinense, numa lógica de encontrar sinais para o que entendemos ser e estar do «badio de pé ratchado», de forma sistémica ao que escrevemos sobre o «sampadjudo», no nosso primeiro livro.  

Fazemos uma pequena incursão sobre um aspeto para nós determinante para orientar o texto: a estrutura social1 em Cabo Verde.

De seguida fomos beber a Santa Rita Vieira2, que recorda os seus primeiros anos na Vila da Assomada, nos quais corria os campos como «badio pé ratchado», quase sempre descalço. Lembra-se que sempre houve falta de chuvas em CV, secas cíclicas em que morria muita gente. Nos intervalos chovia bem, criando o chamado «chão de massapé», com a lama produzida, nas «ruas» de terra batida (terrenos baldios)3.

O significado de Badiu é o de camponês de “fora” que se coaduna com o do habitante dos baldios. Segundo alguns jesuítas que, na primeira metade do séc. XVII, catequizaram as ilhas de Santiago e Fogo, incluindo as populações mais arredadas no interior, “…os pretos livres, habitantes do interior das ilhas, ainda que geralmente lavradores e assaz laboriosos, são vulgarmente chamados “vadios”, nome que decerto não merecem dos indolentes burgueses ou aldeões habitantes dos portos de mar (…) suave é o seu carácter, mansos os seus costumes, patriarcal a sua hospitalidade”.

Badio-de-pé-ratchado já foi um termo depreciativo, e cremos hoje que o menosprezo se mantém. Porquê? É algo que está na sua essência, o santa-catarinense tem orgulho na sua condição, embora com alguma subserviência em relação ao dominante, ou seja, à cultura do branco e, como diz Manuel Ferreira, “Um caso sério, este badio de pé rachado”, sim pois pensamos que «o orgulho de países como Cabo-Verde deverá ser o fato de serem os locais verdadeiros onde a supremacia e abuso sobre humanos perderam terreno considerável»4

Nas histórias contadas entre o português e o crioulo: a miscigenação entre o preto e o branco da qual nasceu o “badiu de pé ratchado”, este foi o primeiro cabo-verdiano que ousou conquistar a «liberdade». Segundo Fanon (1952), «durante a colonização, o colonizado não pára de se libertar entre as nove horas da noite e as seis da manhã”. Em outros tempos, Paul Nizan5 escrevia: “Enquanto os homens não forem completos e livres, não caminharem por suas próprias pernas nas terras que lhes pertencem, sonharão à noite».

Questionar se realmente o badio nascido da miscigenação se assumia como badio di pé ratchado nessa altura, porque sendo o fruto de uma relação entre dominador e dominado, partindo do princípio de que o dominador seria o pai branco, e o dominado seria logicamente a mãe negra, perguntamos se o fruto dessa relação “intempestiva”, não existindo até hoje no nosso século XXI ainda uma convivência “normal” entre o branco e o negro, como seria recebido o fruto desse “coito forçado”?

No arquipélago, a reprodução dos escravos estava garantida então, numa parte, pelas relações dos senhores brancos e negras escravas. Segundo Fortes6, «Cabo Verde, …, no Atlântico sul…marcada pelo encontro de gentes e socioculturas, corpos negros e brancos, corpos livres e escravos em relação, forçada muitas vezes. Corpos diferentes em competição - sexual sobretudo (Fortes, 2013; Rodrigues, 2003, 2005), para a criação de um contexto sociocultural miscigenado (Mariano, 1991) …». Acrescenta Fanon (1952), «faz-se alusão aos movimentos arrastados durante o trabalho, ao cheiro que emana das vilas indígenas, às hordas, ao fedor, à reprodução desenfreada, às gesticulações. Demografia galopante, massas histéricas, rostos nos quais não há qualquer traço de humanidade, corpos obesos que não se parecem com nada, preguiça sob o sol, ritmo vegetal, todas essas expressões fazem parte do vocabulário colonial”.

Perguntamos: Quantos habitantes haveria na ilha de Santiago? Qual seria o número de brancos e negros?

Segundo Carreira7, que cita João da Silva Feijó, em 1582, os brancos eram encarregados de enquadrar os escravos de forma quantitativa. Nesta altura, havia em Santiago e Fogo, 13.700 escravos e cerca de uma centena de brancos. Existiam também mais pardos do que brancos. Esses estavam disseminados por todas as freguesias da ilha de Santiago, e em número de 600.

Havia também 400 «pretos forros casados» entre o número de escravos.

Segundo Andrade (1996), Cabo Verde, entre ilhas e arquipélagos do Atlântico, demarca-se por ter uma posição privilegiada, ficando a meio do percurso dos três continentes. Encontra-se em frente à costa dos escravos, pelo que desempenha um ponto muito importante de escala e de ligação da rede transatlântica e do comércio triangular, que se instalava no tempo do seu achamento, especialmente no que se relaciona com o tráfico de escravos, tornando-se um entreposto que durou quase 4 séculos.

Por exemplo, a América «consumia» em pleno as virtudes do entreposto da Ribeira Grande nos meados de quinhentos, assim como mais dois continentes do lado atlântico, devido ao comércio marítimo, que ia crescendo e cuja principal razão da integração da cidade na rede de comércio transatlântico era o escravo.

No século XVI, saíam navios de Cabo Verde com cativos vindos principalmente da região onde hoje se situam Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Gâmbia, Serra Leoa, Libéria e Costa do Marfim. Essa área era habitada por diferentes povos, entre os quais os balantas, fulas, mandingas, mandjacos, entre outros.

De Burquina Faso, Benim, Togo, Nigéria, sul do Níger, Chade, norte do Congo e norte do Gabão, eram levados para atender à crescente demanda de mão-de-obra ocasionada pelo desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar no Brasil e no Caribe.

A rota de Angola forneceu cerca de 4 milhões de africanos levados para as Américas. No caso do Brasil, os navios que partiam da costa dos atuais territórios do Congo e de Angola destinavam-se principalmente aos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

O tráfico dessa região para o Brasil começou ainda no século XVI. Foi inicialmente marcado pela aliança entre os portugueses e o reino do Congo. Mas, para escapar do monopólio do rei congolês no fornecimento de africanos escravizados, Portugal passou a concentrar esforços na região mais a sul, onde hoje se situa Angola. De lá, veio a maior parte dos africanos que entraram no Brasil, principalmente pelo Rio de Janeiro, no período colonial.

No início do século XIX, a Inglaterra passou a pressionar Portugal no sentido de acabar com o tráfico negreiro, o que resultou nos tratados de 1810 entre os dois países8. Para escapar ao controlo britânico na maior parte do Atlântico, muitos traficantes se voltaram para uma rota até então pouco explorada, que partia da África Oriental. Os navios saíam principalmente dos portos de Lourenço Marques (atual Maputo), Inhambane e Quelimane, em Moçambique, e se dirigiam ao Rio de Janeiro.

O Concelho de Ribeira Grande tem uma superfície territorial de 164,4 km2 representando cerca de 16,5% do total da ilha de Santiago e 4,6% do território nacional, sendo um dos maiores concelhos do país. Localiza-se a cerca de 15 km a Oeste do capital do país - Praia, ao longo da costa meridional. Situado no extremo sul da Ilha de Santiago, confrontado por cinco concelhos e o mar: a Este os concelhos de Praia e São Domingos, a Norte São Lourenço dos Órgãos, e São Salvador do Mundo através do Pico de Antónia, a Nordeste Santa Catarina e a Sul e Sudeste pelo mar. A nível administrativo, o concelho de Ribeira Grande de Santiago abarca duas freguesias: a freguesia de Santíssimo Nome de Jesus com sede em Cidade Velha, a mais antiga cidade fundada pelos colonizadores em toda a costa Oeste africana, com tradições agrícolas e piscatórias, tendo actualmente características de um recanto com acentuadas potencialidades para o desenvolvimento turístico, e a freguesia de São João Baptista cuja sede é Chã de Igreja. 

Santa Catarina

A povoação de Picos tornou-se sede de Concelho de Santa Catarina em 1833, depois do Prefeito ter tomado posse. Assim, a incipiente povoação, na freguesia de São Salvador do Mundo9 origina o Concelho de Santa Catarina, com igreja, Prefeitura e freguesia, que nos dá pistas para pensar em paroquialismo, que Yves Lambert destacou como “civilização paroquial”, cujas principais características se prendem ao facto de a vida comunitária girar entre a Terra e o Céu e em que a exterioridade religiosa, herdada e construída social e historicamente por esta civilização, comportaria a distância mantida em relação ao sagrado, o ritualismo dos crentes e um fidelismo ou total confiança na Igreja Paroquial de pertença (Bobineau e Tank-Stroper, 2008). A principal aposta deste modelo civilizacional é a educação das gerações jovens, concretizada segundo um eixo central, que é a visão do mundo considerada por Lambert como uma “conceção cristã totalizante da vida”10.

Constituída por um Bispo - a pequena paróquia – é assistida pelo Cabido11, com o deão (decano), um pregador, tesoureiro, arcediago, chantre, mestre-escola e 12 cónegos, e incluía ainda cura, coadjutor, sacristão, 4 capelães, sub-tesoureiro, 4 moços de coro, porteiro de maça, pregador, organista, mestre de capela, escrivão e recebedor de fábrica. A Misericórdia, com as suas obras, órfãos, capelas, hospitais, confrarias, gafarias, albergarias, residências, igreja, enfermarias e botica (farmácia), era, por seu lado, um prolongamento da organização eclesiástica, e congregava, através das confrarias, a globalidade da população, considerada integralmente católica, incluindo os escravos12, ou seja, representava a dinâmica dos «filhos da igreja», sem haver uma relação de força entre os agentes sociais mas sim de harmonização, pensamos por existirem alguns bispos que tinham uma atitude anti-esclavagista, como falaremos de seguida. 

Chegavam, ao porto da Ribeira da Barca, barcos de grande tonelagem para embarcar para as outras ilhas, milho, feijão, trigo, etc., mas principalmente para SV. A cidade de Mindelo, porto carvoeiro, tinha-se tornado num canto onde se fazia um escoamento importante.

A freguesia de São Salvador do Mundo foi criada pelo Bispo D. Frei Vitorino Portuense13, que morre em 1705, antes de concluir a Igreja matriz. Esta teve apoio na sua fundação pelo Capitão de Cavalaria Nicolau da Fonseca Araújo, que ofereceu materiais para a igreja. 

A partir de 1676 os bispos que chegam a Ribeira Grande são franciscanos, e desenvolvem uma ação religiosa sustentada em sintonia com a comunidade de padres franciscanos que ocupa as paróquias, com destaque para Victorino Portuense, que conclui as obras da Sé Catedral e do Paço e para lá se muda, e constrói diversas igrejas como Santiago Maior, S. Lourenço dos Picos, Santa Catarina do Mato e começa a de Salvador do Mundo, e teve ainda tempo para visitar a Guiné durante três anos (1694/1697).

Igreja São SalvadorIgreja São Salvador

Todos os movimentos sociais, incluído o dos negros, lutam pela justiça social e por uma redistribuição equitativa do produto coletivo. Numa sociedade hierarquizada, todos encontram dificuldades para mobilizar os seus membros em torno da luta comum para transformar a sociedade. Mas, se o ditado “a união faz a força” é tão velho como a própria humanidade, de onde provêm as dificuldades encontradas por esses movimentos? No caminho da luta pela mobilização e consciencialização de seus membros, grandes vítimas da sociedade, os movimentos sociais encontram numerosos obstáculos, entre outros, a inércia e as forças das ideologias e das tradições, passadas e presentes. Remover esses obstáculos exige a construção de novas ideologias, capazes de atingir as bases populares (como o uso da força do escravo para o colono) para não serem sempre vítimas fáceis da classe dominante e de suas ideologias.

Após a vacatura provocada pela falta de relações com a Santa Sé, consequência da Restauração e do não reconhecimento por aquela da legitimidade de D. João IV e seus sucessores, como soberanos da coroa portuguesa, governaram a diocese, até ao fim do século, D. frei Fabião dos Reis (1672-1674), que esteve menos de um ano em Santiago, D. frei António de São Dionísio (1675-1684) e D. frei Vitoriano Portuense (1687-1705). Dos dois com presença mais demorada no território, frei António de São Dionísio é de excluir por duas razões: porque negociava em escravos, como mostra uma carta ao rei lamentando as perdas que tinha tido em cativos numa carga que mandara buscar à costa14, e porque assinava D. Frei António Bispo de Santiago… De frei Vitoriano Portuense15, notável prelado sob vários aspetos, sabe-se que, escrevendo em 1700 a Fortunato de Almeida16 a propósito de D. Pedro Brandão, que julgava ter-se oposto ao cativeiro dos negros da Guiné, afirmou: “o meu escrúpulo não é tamanho que condene totalmente este negócio, pois o toleram tantos homens letrados, que permita Deus que acertem contra a opinião de muito grandes teólogos, assentada sobre os fundamentos que eu mesmo em Guiné experimentei17. O bispo referia-se às teses contra o tráfico humano defendidas por missionários capuchinhos espanhóis na década de 80 de Seiscentos, que levaram à respetiva condenação quer pela Congregação para a Propagação da Fé, quer pelo Santo Ofício, embora sem efeitos práticos por não ter tido acolhimento pelos estados que beneficiavam desse tipo de comércio18.

Dois dos mais destacados foram o aragonês frei Francisco José de Jaca e o súbdito espanhol do franco-condado (na época submetido a Espanha) frei Epifânio de Moirans, cujas obras foram publicadas em 1681 e 1682. Admitiram que todos os homens nasciam livres e que tal liberdade natural não podia ser abolida por direito humano, exceto por se cair em pecado e, mesmo assim, só com autorização dos poderes públicos. Mas como achavam que em Cabo Verde e Guiné não havia reis, mas cada um vivia à sua vontade, ninguém podia ser justamente escravizado. O mesmo se passava com a guerra justa, que só podia ser movida por uma autoridade legítima e com o fim de estabelecer a paz, o que não se passava na África negra. Por isso, todos os que estavam comprometidos na escravização e no tráfico, monarcas europeus, autoridades eclesiásticas, mercadores e os que os utilizavam, eram dignos de morte por colaborarem nas rapinas e roubos de negros e na sua venda. Os que os possuíam deviam libertá-los, sob pena de condenação eterna, e os príncipes e dignidades eclesiásticas que consentiam no tráfico acabariam na ruína19. É de notar o crescente radicalismo, dentro da Igreja, dos opositores do comércio negreiro. Os dois religiosos recusavam-se a absolver os fiéis que ouviam em confissão e se negavam a libertar os respetivos escravos. Como resultado, acabaram ambos por ser excomungados, presos e mandados para a Europa, sem autorização de voltar. 

O regime tinha mudado em Portugal em 1910, com a implantação da República. Com o seu canhão de guerra, o governador Marinha de Campos aportou-se na Ribeira da Barca, causando terror nos povoados de Santa Catarina20. Porquê?

As relações de dominação colonial e exploração da terra desencadearam revoltas sociais no campo, nomeadamente no interior da ilha de Santiago, como a Revolta de Ribeirão Manuel (1910). As condições precárias no campo deram origem à Revolta, quando, sobretudo mulheres, furtaram purga em propriedades. 

Os proprietários não conseguiram manter a ordem, pedindo auxílio à polícia rural, dando lugar a um combate entre populares e polícia rural. Os aldeões passaram de agredidos a agressores, tendo arrombado armazéns e saqueado toda a purga que encontraram, estamos presentes do «homem faca…».

A bravura das mulheres do tempo das revoltas, exemplo da Revolta de Ribeirão Manuel, é o simbolismo indubitável, das qualidades das mulheres do interior da ilha de Santiago. Deste modo, tem sido recriada, através de uma forma sensual e de característica própria da imagem de «mulher matchado»21 e falamos de mulheres robustas, fortes, mas que viviam na precariedade, num tempo em que os bens eram exportados e elas eram usadas como mão-de-obra fácil e serviam, muitas vezes, para pilar a semente de purga sem terem o produto em troca.

Os escravos para exportação foram, por tentativa dos missionários, convertidos à sua ladinização devido à comunicação entre negreiros e as populações africanas e o escravo ladino, ficando mais caro, ia, sobretudo para as Américas onde pagavam mais. Nas Antilhas o escravo ladino que permaneceu em Portugal ou em Espanha fala um pouco a língua castelhana e portuguesa, algumas palavras em latim, foi batizado, possui uma carga cultural prática religiosa e com esta cultura, desembarcava nas Antilhas, ocupando funções domésticas de confiança. 

Em Cabo Verde, desde dos finais do século XIX22, o estado de abandono e negligência das ilhas por parte das autoridades metropolitanas provocou protestos dos males pelos quais o país passava, considerando Barros que essa crescente tomada de consciência da própria realidade do arquipélago, por parte da elite caboverdiana, era decorrente da situação de precariedade a todos os níveis que fomentou o interesse dessas mesmas elites para contestar e reivindicar a favor dos interesses da terra. Estamos perante um nativismo, continua.

Pedro Cardoso referiu em 1912 que “(…) o sentimento nativista existiu, existe e existirá sempre em Cabo Verde.

Segundo Cabral, os autores antes da Claridade estavam representados por Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes, entre outros, e estes caracterizavam-se por um desprendimento do meio quase total. Exceto Eugénio Tavares e Pedro Cardoso, as suas obras não tinham nada em comum com a terra e o povo do Arquipélago.

Nacionalismo

A primeira parte do século XX viu surgir uma elite intelectual em Cabo Verde cujo prestígio estava vinculado ao reconhecimento popular de uma capacidade de interceder junto à administração colonial por meio do uso da escrita.

Na ausência de um campo intelectual constituído, a figura isolada do intelectual faz-se reconhecer pelos benefícios que podia proporcionar à população, graças à sua intercessão junto da administração colonial.

Amílcar CabralAmílcar Cabral

Enquanto outros intelectuais africanos consolidavam o movimento de resistência e derrocada da colonização europeia, os intelectuais cabo-verdianos intercediam para que “o seu povo” fosse considerado, pelo colonizador, como povo superior das demais colónias africanas. 

E intercediam de que forma?

O que estava em questão não era a colonização nem a construção de uma nação. Os intelectuais cabo-verdianos estavam voltados para outra estratégia: a evidência de uma distinção étnica em relação aos demais nativos colonizados.

Enquanto intelectuais de outros países africanos lutavam contra a colonização, o próprio camponês cabo-verdiano tentava fazer a colonização portuguesa reconhecer uma linha de distinção étnica que faria ao cabo-verdiano merecer um tratamento diferenciado.

Porquê a escolha desta estratégia? De onde é que ela emerge?

Para tentar responder a estas questões teremos que fazer uma análise sobre o processo de miscigenação em Cabo Verde, como traço de diferenciação social, de um investimento racial na aproximação com o branco.

Até ao início do século XIX não fora necessário democratizar esse capital social.

Apenas um grupo social era definido e se definia como mestiço pela sua posição social do grupo pequeno burguês cujo processo de ascensão social pretendia consolidar, através da escolarização e da ligação clientelística à administração colonial.

A identidade mestiça surgiu em Cabo Verde, tal como no Brasil, como uma estratégia de personalização das relações sociais numa situação de dominação racial.

Foi na emigração para os demais países de colonização portuguesa que essa mestiçagem se consolidou como identidade étnica de todo o conjunto cabo-verdiano – e não apenas de um grupo no seu interior –, funcionando como símbolo de distinção social dos demais nativos, o que garantia um melhor tratamento por parte das autoridades coloniais e oportunidades de emprego mais destacados e favoráveis a um processo de ascensão social.

Em Cabo Verde, se um grupo se constitui como distinto do branco e do negro é, em primeiro lugar, pela sua relação personalizada com o grupo dominante.

Na medida em que este grupo podia retirar dividendos da sua relação clientelística com a administração colonial, foi-se constituindo como grupo dominante – pelas suas relações privilegiadas com o branco – e, simultaneamente, dominado no processo colonial.

Na primeira metade do século XIX, essa elite teria culminado a sua trajetória ascendente, ocupando os mais altos cargos administrativos do arquipélago.

A continuidade da trajetória ascendente passou a colocar-se num campo exterior às ilhas, isto é, nas demais colónias portuguesas em África.

Assim, por uma curiosa reviravolta da história, a comunidade cabo-verdiana, em grande parte vinda de África do século XVI, regressa a ela num quadro de organizações administrativas portuguesas ou simplesmente para desenvolver o comércio com os indígenas. Em ambos os casos, levam para África o que os portugueses lhes trouxeram: a civilização europeia.

A passagem da miscigenação como traço de um grupo específico para a reformulação como origem ligada à terra fica explícita nos romances sobre a base de observações do tipo etnográfico.

Segundo Elisa Andrade23, cuja perspectiva é mais africanista em relação à formação da sociedade em causa; o povo cabo-verdiano é dotado de uma língua própria, o crioulo, nascido do português arcaico e das línguas étnicas africanas. O crioulo, apesar da diversidade de pronunciação característica de cada ilha e o grande predomínio do léxico português, constituía um idioma comum a todas as ilhas e a quase todas as classes ou camadas sociais. 

Nas ilhas do grupo Sotavento, de colonização mais antiga, a influência das línguas africanas na constituição do crioulo é mais marcante que no Barlavento, de colonização posterior; isso manifesta-se tanto no domínio fónico, como no domínio lexical, em que se encontra um grande número de palavras de origem africana.

O crioulo torna-se não apenas um instrumento linguístico pelo qual se exprimia e se transmitia o pensamento discursivo do povo cabo-verdiano, mas também na música, da “coladera”, funaná, à morna; esta última - canção popular a um ritmo lento -, própria a todas as ilhas, exprime sentimentos diversos de nostalgia, de evasão, de amor, por vezes com críticas mais subtis e irónicas à sociedade cabo-verdiana.

Manuel Duarte no seu livro Cabo-verdianidade e Africanidade[fn] DUARTE, Manuel, “Caboverdianidade e Africanidade…e outros textos”, Spleen eEições, Mindelo, 1999. afirma: “Nós, os cabo-verdianos, estamos étnica e historicamente ligados tanto a África como à Europa, acrescendo sobremaneira no sentido da africanidade, a situação geográfica, o condicionamento climatérico, a predominância da corrente migratória negra no povoamento das ilhas, originariamente desertas; em suma, o fenómeno colonial e as suas necessárias implicações. Notável, sim, é hoje pensar como numa época precisa, em que o peso das ideologias coloniais se fazia sentir, surgir Claridade, o que considero um mérito maior a par da sua qualidade criativa, do equilíbrio entre a especificidade do regional/nacional e do universal dos temas abordados”.

Segundo Andrade, salvo algumas exceções, os intelectuais do movimento literário dos “Claridosos” e a maior parte dos que lançaram também iniciativas literária, visaram demonstrar o predomínio da cultura portuguesa em Cabo Verde.

Para eles, as manifestações de origem africana não são mais do que sobrevivências ou reminiscências, existentes sobretudo em Santiago. Nas outras ilhas há mais simbiose, com predomínio do elemento português.

A assunção da “africanidade” cabo-verdiana passa pelo passado dos problemas ainda por resolver, em termos da elite cabo-verdiana e de uma certa fração da população que não se “importou” com os maus feitos da ideologia colonial racista.

A autora continua, citando o antropólogo Félix Monteiro, para quem estas reminiscências são, depois de muito tempo, definitivamente cantonadas no domínio do folclore e não representam mais do que “a petrificação de resíduos insignificantes de culturas ultrapassadas”. 

Isabel Caldeira24 afirma que a elite intelectual cabo-verdiana pretende ser representativa de uma cultura “nacional”, numa fase de pré-independência.

Em Cabo Verde, no entanto, nota-se desde cedo um espírito nativista (correspondente a uma fase prévia do nacionalismo), que viria a apoiar o movimento para a independência nas décadas de 50 e 70 – eram “nacionalistas sem nação” –, na expressão de Amílcar Cabral.

Para Amílcar Cabral que é, antes de mais, um herói nacionalista, quando se fala de literatura caboverdeana, vai-se buscar o aparecimento da revista Claridade, de forma evidente em duas facetas: antes do início e o que dá início a este movimento. De modo nenhum pode isto significar que tudo o que foi escrito antes dos “Claridosos” não tem valor.

A poesia, por maior que seja, “a influência do próprio indivíduo sobre a obra que produz, esta é sempre, em última análise, um produto do complexo social em que foi gerada”25.

Cabral continua dizendo que é precisamente na “formação adquirida principalmente no Seminário de S. Nicolau (…) que reside a razão do ser das características da Poesia anterior à ”Claridade”, possuidores de uma cultura clássica (…) os Poetas da geração em referência esquecem a terra e o povo”. 

Mas avança que de maneira nenhuma se nega o mérito destes mesmos Poetas.

É de atentar algumas condições de tal fenómeno: “O povo em geral, vive alheio à cultura e às manifestações artísticas. O Seminário por poucos pode ser frequentado”, onde se “opera uma supremacia de tudo quanto é filosófico, religioso ou moral, sobre o económico”. Para Cabral “é a própria condição económica em que vivem que facilita aquele alheamento das realidades cabo-verdianas”.

Depois surge a Claridade que “é o romper de uma nova aurora. É a Claridade que surge, dando forma às coisas reais apontando o mar, as rochas escalavradas, o povo a debater-se nas crises, a luta do povo cabo-verdiano “anónimo”, enfim, a terra e o povo de Cabo Verde”.

Os “Claridosos” são homens-comuns que acompanham com o povo a sua vivência, o seu quotidiano, de “pés fincados na terra”.

Esta observação vem sublinhar a abordagem de Isabel Caldeira para quem a Claridade é um movimento cultural em torno de uma revista de letras que surgiu em 1936, no Mindelo, e explorou o nativismo, formulando-o pela voz de um dos seus fundadores, Manuel Lopes como o acto de “fincar os pés na terra”.

É a geração de Amílcar Cabral que inicia a afirmação da identidade cabo-verdiana não somente como caso de especificidade africana e não de regionalismo luso-tropical, mas também como fundamento do movimento de libertação nacional.

Emigração

As migrações aparecem em Cabo Verde como fator do processo da criação da sociedade por várias razões que passamos a enumerar.

Após a sua “descoberta”, vieram povoar as ilhas, no final do século XIX, colonos portugueses e italianos, seguindo-se escravos negros a quem se juntaram pessoas provenientes de várias etnias.

Até à abolição da escravatura, a emigração parecia representar para as populações livres e para os que eram «forros», não apenas um meio de assegurar a sua subsistência, mas também um acesso à propriedade, mudando assim de posição na hierarquia social.

Afirma Andrade (1996) que, após a abolição da escravatura com o surgimento de uma massa mais importante de «novos cidadãos», a emigração aparece ligada, por um lado, à insuficiência das terras que lhes era cedida e ao processo de proletarização da camada camponesa e artesã livre.

Assim, a permanência de algumas formas de apropriação de terra, sobretudo, natureza das relações de produção daí resultantes e o domínio colonial foram as causas profundas da emigração caboverdiana.

Foram as ilhas de Santiago e do Fogo que forneceram mais emigrantes do lado de Sotavento e do lado de Barlavento foram São Vicente e Santo Antão. Em Santiago e Fogo teve a ver com a demanda de escravos existente nestas ilhas.

Nos anos de 1685 a 1700, a primeira corrente de emigração caboverdiana para os Estados Unidos da América, segundo Carreira (1977), trabalha como pescadores de baleia nos baleeiros norte-americanos.

A bravura e destreza do caboverdiano – no século XVII – contribuiu para a abertura e intensificação de uma corrente migratória para os EUA, embora fosse feita a pesca da baleia nos mares de CV e Açores já muito antes.

O estabelecimento das ligações regulares com os EUA e CV fez com que os caboverdianos aí instalados fizessem que os seus conterrâneos fossem trabalhar na indústria têxtil e agricultura, sobretudo, e em estados diferentes. Esta emigração teve um impacto socioeconómico muito importante para as ilhas.

As saídas durante as fomes, permitiam a muitos caboverdianos escapar aos seus efeitos, muitos dos que ficavam recebiam dinheiro, alimentação e roupas dos que partiam.

Em finais do século XIX e início do século XX, esta corrente permitiu a muitos mestiços e negros caboverdianos comprar propriedades26 que pertenciam aos antigos senhores portugueses, ou «brancos da terra», ou comprar um comércio.

A emigração caboverdiana na Guiné Bissau estava implícita à ocupação colonial portuguesa nesse país.

Carreira (1964) diz que «…sem o caboverdiano, dificilmente se teria penetrado tão profundamente nos rios e no mato e influenciado de modo tão significativo a vida social das gentes». 

Os acontecimentos do 3 de Agosto foram uma lição histórica para o nosso povo africano e para a direção do nosso partido  (Cabral, 1965). A revolta e o massacre de Pidjiguiti27 seriam desde logo encarados e apresentados como o momento charneira que conduziria à reorientação do movimento nacionalista, para a luta armada e para uma ação centrada na mobilização nas zonas rurais, em lugar dos centros urbanos, onde o poder colonial facilmente poderia conter as ações. A justificação da luta armada como única estratégia viável, em 1961-63, baseia-se na demonstração da falta de abertura do poder colonial que Pidjiguiti comprovava.

Trair a construção da “pátria guineense-caboverdiana” torna-se sinónimo de trair “todos os sacrifícios consentidos”, a “bravura, com tanta grandeza e coragem que hoje nos dá uma força nova, uma grandeza nova para prosseguir.”

Os caboverdianos foram também encorajados a emigrar para a Guiné para ocuparem postos em vários escalões. Entre 1920 e 1940, mais de 70% dos empregos públicos na Guiné-Bissau eram ocupados por caboverdianos ou seus ascendentes, afirma Carreira (1977).

Já a emigração caboverdiana para Dakar teve um carácter permanente, e igualmente, lugar de trânsito para outros locais de acolhimento. Muitos jovens paravam no Senegal para trabalhar até conseguirem juntar dinheiro para comprar o bilhete para a Europa ou Estados Unidos da América.

A posição do caboverdiano era privilegiada em relação ao senegalês, pois tendo o estatuto de «cidadão português» tinha um salário superior aos nacionais para o mesmo trabalho e beneficiava de regalias que na altura eram negadas aos senegaleses.

Após a «senegalização» dos postos de trabalho, especialmente para as categorias menos especializadas, a lei que concedia a prioridade no contrato de mão-de-obra nacional, impacta o acesso dos caboverdianos a certos empregos. Alguns vão para França, Costa do Marfim, Gabão, entre outros.

O crescimento do fluxo para Portugal acentua-se a partir da Segunda Guerra Mundial e mantém-se em primeira posição, até próximo da independência.

A centralização em Portugal dos serviços de passaporte obriga os caboverdianos que queriam emigrar para outros países da Europa e EUA a ir para Portugal, há que ressalvar isto. Falamos mais à frente de Portugal.

A destacar a emigração forçada para São Tomé e Príncipe, pelas leis de 1865, que obrigavam os caboverdeanos a trabalhar nas roças dos colonos em STP.

Em situação de fome e período de seca, as autoridades coloniais estimularam plantadores portugueses que viviam em STP, a contratar mão-de-obra em CV, utilizando todos os meios de persuasão. Queriam assim diminuir as tensões criadas com fome e satisfazer as necessidades, em mão-de-obra, das roças de café e cacau em STP. (Andrade, 1996).

Avança Andrade que instituiu-se o trabalho obrigatório para reprimir a vagabundagem (todo o indivíduo que não trabalha). Em 1878, estipula-se que só os «vadios» eram obrigados a assinar um contrato de trabalho.

Apenas os agricultores e os indivíduos que possuíssem um estabelecimento estavam habilitados a contratar «vadios». O «vadio» tinha apenas duas alternativas, a prisão ou a partida, como contratado para STP.

A sorte do «serviçal» caboverdiano em STP passado 4 ou 5 anos de trabalho quase nunca renovado, quando voltava a Cabo Verde com «uma mão à frente outra atrás» era de um indivíduo muitas vezes enfermo, devido ao clima, alimentação e maus tratos.

A principal razão que levou as pessoas a emigrarem para Portugal foi a perspectiva de arranjarem trabalho. Como segunda e terceira razões vêm, respectivamente, a vontade de agregar a família, e uma nova tentativa de emigração para outro país, o que, neste último caso, caracteriza bem a vertente nómada do emigrante caboverdeano. Torna evidente o peso da emigração de primeira e segunda geração, mas, também, o crescente aumento da comunidade com a vinda de uma remessa de emigrantes, a denominada terceira geração.

A grande maioria da comunidade emigrante é ativa, havendo depois um conjunto de população considerada inativa, com base no conceito da produção de riqueza, ou, se quisermos, de mais-valias, onde se incluem, por ordem decrescente: os estudantes, os desempregados, os reformados e pensionistas, as domésticas, os que estão a cumprir serviço militar e aqueles que estão em situações não especificadas.

A actividade na qual há mais indivíduos a trabalhar por conta própria é o Comércio, cuja principal ocupação são as vendas, e particularmente a ambulante. Logo de seguida, aparece a Construção Civil, onde se integram empreiteiros e subempreiteiros de diversas especialidades, como por exemplo: carpinteiros, eletricistas, pintores e pedreiros. A Hotelaria e Outros Serviços congregam, também, alguns indivíduos, que possuem pequenos estabelecimentos, como cafés e cabeleireiros.

O leque de profissões exercidas pela comunidade é alargado, e percorre os diversos sectores de actividade económica.

As profissões mais representativas enquadram-se nos profissionais qualificados e semiqualificados. Os técnicos e quadros superiores também estão presentes, e pode-se considerar que são um número importante dentro da comunidade.

Contudo, o que a população emigrante refere como principal fator para emigrar são as fracas potencialidades de trabalho, e até mesmo de subsistência alimentar, que resultam de fenómenos que ultrapassam a intervenção humana, como sejam o clima e a ausência, por vezes prolongada de chuvas. Logo, a solução mais fácil é procurar noutras paragens aquilo que a sua terra não pode dar; ou seja, tradicionalmente, o caminho passa pela emigração.

A opção por Portugal como país de emigração, resulta de inúmeros fatores, que vêm dos aspectos históricos da colonização, da proximidade da língua, e do reagrupamento familiar que o percurso das gerações tem provocado. A tudo isto se junta a necessidade de mão-de-obra ciclicamente sentida no país, e que vem colmatando recorrendo a este contingente, “mais ou menos voluntário”.

Por tudo isto, existem cumplicidades cujas responsabilidades se repartem entre o país de origem e o país recetor. Ao país de origem é exigido que salvaguarde o interesse dos seus cidadãos, criando-lhes as condições para que usufruam dos mesmos direitos que os residentes, nomeadamente quanto ao exercício dos direitos de cidadania, bem como desenvolver ações no âmbito diplomático, para que a integração da sua diáspora se realize de um modo efetivo e condigno. Quanto ao país de acolhimento, há que assegurar que a integração na sua sociedade seja feita de um modo humanamente aceitável, privilegiando os direitos do homem e dos cidadãos, contra a discriminação e a marginalização.

Importa também ver a forma como interagem estes emigrantes nos países de acolhimento, tanto a nível profissional como na sua vontade de se integrar numa comunidade que lhes é estranha, se pretendem passar a residir definitivamente, fora do país de origem.

Portador de uma identidade e especificidade próprias, portanto dono de uma cultura cimentada ao longo de séculos, o caboverdiano como qualquer outro emigrante transporta consigo toda a sua carga cultural. Terá então que enfrentar conflitos, suportando-os e ultrapassando-os, caso se decida a continuar no país de acolhimento à procura de melhor qualidade de vida, que a terra natal por dificuldades económicas e estruturais lhe recusa a dar. A única arma que o emigrante Caboverdeano traz consigo é a vontade de vencer e, por isso, de enfrentar o clima, a língua, gentes de outros modos, trabalhos difíceis, solidão.

A língua materna perpetua-se no seu grupo de pertença para ter raízes e se sentir mais forte; acompanhada da sua música, da sua religião e da gastronomia com os seus sabores específicos a simbolizar os ritos e festejos da nação.

Segundo Daniel Pereira28, o emigrante caboverdiano “vê-se pela primeira vez ao espelho quando sente nos outros a estranheza dos seus traços físicos e culturais. Ele olha-se como Caboverdeano, recusando ser estigmatizado de africano e sentindo-se não europeu” .

Perdidos e Achados

Neste século, em 2014, comemorou-se os 20 anos da Rota do Escravo, pela UNESCO, cujo objetivo era “…aprofundar a reflexão sobre a reconciliação, a reapropriação da memória, a diversidade cultural, o diálogo intercultural e as identidades plurais …».

As actividades, tiveram um conteúdo “altamente” pedagógico e “preconizaram” a reconciliação dos cabo-verdianos com a temática da escravatura, indo “para além da tragédia humana que ela constituiu», afirmou um historiador.

Demonstrou-se que a história da escravatura é rica em termos de contribuições civilizacionais por parte dos escravos, repleta de acrescentos culturais, tecnológicos, económicos e sociais, contribuindo de forma marcante para o desenvolvimento dos continentes que receberam/importaram os escravos africanos, continua.

 História e Memória (séculos XV-XXI) História e Memória (séculos XV-XXI)

Estando na “Década das Nações Unidas para os Afrodescendentes – 2015/2022” a UNESCO apelou à partilha do conhecimento da realidade do tráfico, da escravatura em suas várias formas, dos vários aspectos de resistência, das grandes contribuições dos escravos para a civilização universal e das grandes contribuições atuais para o desenvolvimento mundial. A ideia é abordar o passado doloroso, mas, sobretudo, apresentá-lo como forma de compreensão de toda a trajetória, de trazer reconciliação com esse mesmo passado, realçando as grandes contribuições proporcionadas.

A Comissão em Cabo Verde para a UNESCO preparou a programação de um Ciclo de Cinema, sobretudo sobre a temática da escravatura e da rota transatlântica dos escravos.

Dois dos filmes são da UNESCO (“A Rota do Escravo: a alma da resistência “e A Rota do Escravo: Uma visão global”) e os restantes são filmes de realizadores independentes, como: “Ilhéu de Contenda”, “O Contrato”, “Joias Negras do Império”, “Regresso a Nacala”, “Tango Negro” e “No rasto dos Boers”.

Ainda sobre uma das exposições, “Os Africanos em Portugal: História e Memória (Séculos XV-XXI) ”, ilustra a presença africana em Portugal. Conforme refere a responsável pela exposição, «os africanos, após captura ou compra em África, chegavam como escravos ao extremo ocidental, mas deixaram sinais de séculos no país, “quer no trabalho, na produção, na língua, na religião, na música e na dança, no corpo, na toponímia…”. A história e a memória manifestas na Exposição demonstram-nos o seu cunho, na estrutura da reconstrução de Portugal…o reverso da medalha!

  • 1. Grupos de homens que ocupam um lugar no processo de produção e relacionam-se com os meios de produção – abordagem marxista - Pelas 3 formas de distribuição de terras – doação, sesmarias e morgadio, constitui-se a classe dos senhores brancos que depois é integrada pelos rendeiros. Em Cabo Verde, no início da colonização, temos os senhores brancos e os escravos, duas classes. Dos senhores brancos destacam-se os donatários, que podiam atribuir terras em sesmaria, estabelecer impostos; os morgados, dotados de terras e de escravos; colonos, com terras para exploração e valorização, muitas vezes expropriados, eram estes essencialmente os residentes das ilhas de Cabo Verde; e os rendeiros, exploraram ou beneficiaram do comércio entre CV e os rios da Guiné, nomeando homens de confiança para cobrar as rendas do reino. Constata-se que entre os escravos havia mestiços e negros livres.
  • 2. Rita Vieira, Henrique Lubrano de Santa, «A Vila de Assomada», Editado pela Associação dos Amigos do Concelho de Santa Catarina.
  • 3. Baldio passa a Baldio (com o a mudo), a Badio, e a Badiu. Esta é a versão que mais faz sentido, pois o significado de camponês de “fora” se coaduna com o do habitante dos baldios. Blog de Jorge Brito.
  • 4. Ricardo Cabral, 2019, Santiago Magazine.
  • 5. Paul Nizan, Antoine Bloyé (1933), Grasset, Les Cahiers rouges [Cadernos vermelhos], Paris, 2005.
  • 6. Buala.org, 2013.
  • 7. Carreira, António, Formação Escravocrata.
  • 8. Daí resultou o provérbio popular «só para inglês ver», qualquer coisa feita apenas para preservar as aparências, sem que efetivamente ocorra.
  • 9. Município/paróquia-até ao Liberalismo, “freguesia” e “paróquia” eram sinónimos (à semelhança de “concelho” e “município”), não havendo uma estrutura civil separada da estrutura eclesiástica. Nesses tempos, o termo «freguês» (aglutinação da expressão latina filius ecclesiae, filho da igreja, ou simplesmente filigrês, como refere Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) servia para designar os paroquianos, que eram, por assim dizer, «fregueses» do pároco. Wikipédia
  • 10. Cf. Lambert, Yves apud Bobineau, Olivier e Tank-Stroper, Sébastien (2008), Sociologia das Religiões(…)
  • 11. Corporação de cónegos.
  • 12. Cabo Verde info, magazine.
  • 13. Este ia «pessoalmente, durante a noite, expulsar as concubinas, tanto das casas dos eclesiásticos como dos seculares…» Andrade,1996.
  • 14. António Brásio – Monumenta missionaria africana. 2ª. Série. Vol. VI, p. 513 – 15.6.1684.
  • 15. Nuno da Silva Gonçalves – A Igreja e a cultura…, p. 208-210.
  • 16. Vol. II, p. 685-686; Nuno da Silva Gonçalves – A Igreja e a cultura…, p. 208; José Pedro Paiva – Os bispos de Portugal e do Império. 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006, p. 589. Nuno da Silva Gonçalves – A Igreja e a cultura…, p. 208-210.
  • 17. Avelino Teixeira da Mota – As viagens do bispo D. frei Vitoriano Portuense…, p. 46.
  • 18. José Andrés-Gallego e Jesús María García Añoveros – La Iglesia y la esclavitud de los Negros. Pamplona: Universidad de Navarra, 2002, p. 66-92.
  • 19. José Andrés-Gallego e Jesús María García Añoveros – La Iglesia y la esclavitud de los Negros…, p. 70-81.
  • 20. (cf. António Duarte da Graça [1912], Cabo Verde: Quatro Meses e Meio de uma Administração Ultramarina a Pontapés ou a Administração do Sr. Marinha de Campo; Eduardo Adilson Camilo Pereira [2013], Cultura e Polícia: As Revoltas).
  • 21. Jean-Yves Loude [1999], Cabo Verde: Notas Atlânticas. Lisboa: Europa- -América, 76-88.
  • 22. Barros, Victor, A Ambiguidade do discurso Identitário.
  • 23. ANDRADE, Elisa, Histoire Economique des iles du Cap Vert”- de la “découverte à l’independence”(1460-1975), Paris, 1984, vol. I.
  • 24. CALDEIRA, Isabel, “O Afro-americano e o Caboverdiano: Identidade étnica e identidade nacional”, in Portugal: Um Retrato Singular, ed. Afrontamento, Centro de Estudos Sociais, Porto.
  • 25. ANDRADE, Mário de, “Obras escolhidas de Amílcar Cabral”-A Arma da Teoria- Unidade de Luta, Vol. I, Seara Nova, 1978.
  • 26. E subiam assim na escala da hierarquia social.
  • 27. Sílvia Roque, jornal Nô Pintcha, 2 de Agosto de 1979.
  • 28. PEREIRA, Daniel, in Revista KULTURA,”A Cultura cabo-verdiana no processo de integração das comunidades emigradas”, pág.78, Revista de Investigação Cultural e do Pensamento – Ministério da Cultura -, 1998.

por Elsa Fontes
Cidade | 10 Agosto 2020 | Amílcar Cabral, Cabo Verde, claridade, emigração, escravatura, ilhas, povoamento