"Não são águas passadas", reflete sobre o apagamento histórico da escravidão

CURTA-METRAGEM BRASILEIRO FILMADA EM PORTUGAL A obra conecta história e contemporaneidade ao questionar a ausência de reconhecimento oficial do passado colonial português. Não São Águas Passadas é dirigido, roteirizado, produzido e montado pela paraense Viviane Rodrigues, em parceria com o produtor Brunno Constante. Com equipe majoritariamente brasileira, a obra traz à tona uma reflexão urgente: o apagamento da memória sobre a participação de Portugal no comércio transatlântico de pessoas escravizadas, iniciado no século XVI.

Pode ser visto e votado no festival Revoluções Curtas até dia 18 de outubro e no streaming Filmin Portugal.

O filme percorre locais historicamente ligados à presença africana em Portugal, mostrando espaços urbanos e arquitetônicos erguidos a partir do trabalho forçado de pessoas escravizadas. No entanto, evidencia também a ausência de referências históricas nessas cidades — sejam em livros escolares, museus ou mesmo em placas de rua — sobre a responsabilidade de Portugal como pioneiro no tráfico de pessoas escravizadas.

Não São Águas Passadas aponta para essa falta de reconhecimento e questiona a ausência de uma “mea culpa” oficial por parte do país. A narrativa denuncia não apenas o silêncio histórico, mas também como esse apagamento reverbera no presente, alimentando a persistência de problemas como racismo, xenofobia e desigualdades sociais na Europa e nas antigas colônias. Mais do que uma denúncia, o filme propõe uma reflexão: de que forma a sociedade atual pode se responsabilizar, se conscientizar e criar ferramentas para que os horrores da escravidão não sejam repetidos sob novas formas de violência.

“Sempre fiquei impressionada com o fato de Portugal não assumir a triste responsabilidade que teve durante o que eles chamam de expansões marítimas — e nós, brasileiros, sabemos que se trata de colonização. O comércio de pessoas escravizadas é tratado como tabu, como se fosse apenas um ‘efeito colateral’ dessa expansão. Nem a sociedade nem os manuais escolares reconhecem essa tragédia histórica”, explica Viviane Rodrigues. “Espero que a reflexão passe pelo reconhecimento de que países colonizadores, em especial Portugal, tratem o tema com a devida importância. Que a educação das novas gerações reflita de forma diferente das anteriores e que possíveis reparações históricas sejam feitas.”

O curta conta com a narração e contribuição histórica de Naky Gaglo, guia turístico togolês e idealizador da marca African Lisbon Tour, que convida visitantes a “descobrir a alma africana na cidade das sete colinas”. Seu trabalho resgata e evidencia as influências africanas muitas vezes invisibilizadas na história e na paisagem cultural de Lisboa.

Outra participação marcante é da cantora, compositora, multi-instrumentista e artivista brasileira Bia Ferreira, cuja obra, definida por ela como Música de Mulher Preta (MMP), aborda temas como feminismo, antirracismo e LGBTfobia. Sua presença acrescenta força e contemporaneidade ao discurso do filme.

Por ser um projeto independente, fruto direto da pesquisa da autora, o curta foi realizado sem apoio institucional. Viviane Rodrigues e Brunno Constante investiram recursos próprios e mobilizaram uma equipe majoritariamente branca. Essa escolha, longe de ser contraditória, reflete uma decisão consciente: convocar aliados antirracistas para trabalhar de forma voluntária na construção do projeto, reforçando o sentido coletivo e solidário da obra.

“O cinema, tanto quanto outras formas artísticas, pode e deve fazer o papel de documentar, apresentar e refletir sobre os temas que costuram a história e as sociedades”, diz Viviane. “O fato de não termos recursos captados e contarmos apenas com recursos próprios reflete na falta de investimento merecido na produção. Mas nossa expectativa é que, a partir deste curta, possamos realizar um longa — com a devida capacidade de gerir as demandas de produção.”

A trilha sonora do curta conta com a participação da banda Metá Metá — trio formado por Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França. Símbolo da cena independente brasileira da última década, o grupo se destaca pela fusão criativa de influências africanas e brasileiras, afirmando que “não existe Brasil sem a África”. O nome Metá Metá, que significa “três em um” em iorubá, sintetiza essa potência plural. A música presente no filme reforça a conexão indissociável entre identidade brasileira, música e herança africana.

“A escravidão não é uma página virada se não foi devidamente lida. A sociedade ainda persegue e mata corpos negros, além de inferiorizar pessoas do sul global. Isso é consequência da falta de reflexão e reparação sobre o que a escravidão e a colonização trouxeram a muitos países”, conclui Rodrigues.

Não São Águas Passadas não é apenas um registro histórico, mas uma obra de cinema que combina pesquisa, arte e resistência. Com olhares diversos, vozes potentes e a força da música, o curta constrói uma experiência sensível e crítica, que convida o público a encarar o passado para compreender as feridas ainda abertas no presente. Mais do que falar sobre a escravidão, o filme questiona como escolhemos lembrar — ou silenciar — nossa história.

SOBRE BR153 FILMES

A BR153 Filmes é uma produtora audiovisual de São Paulo, criada pela paraense Viviane Rodrigues e o goiano Gustavo Maximiliano, que trazem vasta experiência em séries, longas-metragens e comerciais. Em 2017, a produtora realizou a transmissão ao vivo, via Facebook e YouTube, do show de encerramento do 21º Cultura Inglesa Festival, com Karol Conká e a cantora inglesa Charli XCX. No mesmo ano, participou do 4º Icumam Lab com o roteiro do longa de comédia “Assentadas”, de Gustavo Maximiliano e Vinícius Soares. Em 2019, lançou o curta “Tônica da Cidade”, dirigido por Viviane Rodrigues, que foi destaque em festivais nacionais e internacionais, como o KASHISH Mumbai International Queer Film Festival e o Prairie Pride Film Festival nos EUA. Em 2020, produziu o especial para TV “100 Anos de Elizeth Cardoso”, com estreia nacional no SescTV em 2021. Atualmente, a BR153 Filmes prepara o lançamento do documentário “O Ponto Firme”, de Laura Artigas, premiado em festivais internacionais, e o longa-metragem “Agreste”, de Sergio Roizenblit, vencedor de cinco categorias no CINE PE. Além disso, Viviane Rodrigues estreia seu primeiro curta documental, filmado em Portugal.

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VIVIANE RODRIGUES

Com raízes na Amazônia, Viviane Rodrigues é uma cineasta cuja trajetória é marcada pela autoria em projetos como o curta “Tônica da Cidade” — vencedor do Prêmio do Júri Popular no Curta Caicó e exibido em festivais nacionais e internacionais, incluindo o prestigiado KASHISH Mumbai International Queer Film Festival —, o especial “100 Anos de Elizeth Cardoso” e o documentário “Não São Águas Passadas”, filmado em Portugal. Como produtora executiva, foi responsável por obras aclamadas como os longas “O Ponto Firme” e “Agreste”. Com mais de 15 anos de experiência em produção, direção e roteiro, colaborou com grandes plataformas e emissoras, e foi agraciada com o International Emmy Award de Não-Ficção em 2023 por sua contribuição em “The Bridge Brasil”. Atualmente, desenvolve projetos autorais e em parceria que conectam Brasil e Portugal, com foco em narrativas sobre a Amazônia, cultura, gênero e raça.

 BRUNNO CONSTANTE

Brunno Constante é estrategista da música digital com atuação no Brasil, Portugal e PALOP. Com passagens por empresas como ONErpm, Believe e KondZilla Records, consolidou expertise em distribuição e promoção de artistas, além de ter atuado na MTV Brasil, onde estimulou seu olhar para narrativas audiovisuais. Sua versatilidade e criatividade o levaram a debutar também no cinema, assinando a produção executiva dos curtas “Não São Águas Passadas” (2025) e “Você Está no Caminho Certo” — este último, também inédito, no qual atua como produtor musical em um tributo ao legado de Carolina Maria de Jesus. Sua trajetória conecta música, audiovisual e produção cultural com impacto internacional.

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por Viviane Rodrigues
Afroscreen | 22 Setembro 2025 | escravatura, Lisboa, Não são águas passadas, Quem mora nesta Buala