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Está no Porto uma exposição sobre o Conde de Ferreira, vida e obra: “Joaquim – O Conde de Ferreira e seu legado”, de Nuno Coelho. Muita gente pasma e louva a generosidade póstuma de que deu mostras: ao morrer, deixou destinada uma parte da sua fortuna imensa para a construção de 120 escolas primárias. Numa época em que tal coisa era praticamente desconhecida, é de pasmar, realmente. E não se ficou por aí: mandou também construir um hospital psiquiátrico, coisa nova no país igualmente – mais a gente se pasma e aclama.
Sabendo isto, quem estranhará que o nome dele tenha sido dado a 66 ruas e praças no país? Quem há de opor-se? Ou contrariar? Ou questionar?
E sabendo depois que a tal imensa e generosa fortuna foi arrecadada no tráfico negreiro a que o Conde se dedicava? E sabendo que esse tráfico arrancou dez mil pessoas das terras onde viviam em África para serem vendidas como escravos no Brasil?
Haverá quem ache que uma coisa (a esmola que a mão direita dá) redime de certo modo a outra (as vidas destruídas que a mão esquerda tira). E haverá também quem sinta o embaraço que tal dilema lhe impõe. E a que não pode escapar: no nome de uma rua, de uma praça, diante de uma estátua pública que não pode deixar de ver, não pode agora deixar de adivinhar a sombra daqueles milhares de vidas roubadas até aí ignoradas, que agora nos assombram, que, essas, não podemos já deixar de ver, tão presentes como as estátuas do Conde. Do negreiro beneficente.
 Hospital Conde de Ferreira no Porto
Esta história fez-me lembrar uns versinhos que fiz quando era pequenino, quando acreditava que havia uma qualquer instância cósmica que faria justiça em todos estes desequilíbrios. Nessa altura, não me questionava ainda sobre o sentido que faz dar às ruas e às praças que são de todos o nome de pessoas que são só de alguns. Há um limite qualquer que todos pressentimos, mas a que ninguém ainda fixou os contornos, que poderia servir de alerta. Mas não serve. Passeio-me pela minha cidade por entre os fantasmas e a presença figurada de nomes que são para mim de negreiros, de racistas, de assassinos, de opressores, porque outros (a vontade de alguns, o poder da altura) os via antes como heróis ou modelos a apontar. Serviam o Poder e era isso o que contava – o resto: um pormenor sem importância.
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Os tais versinhos
Andaria pelos meus vinte anos, armado de muito bons sentimentos e de má literatura, saí-me com estes versinhos – os tais que me vieram à ideia ao ler aquilo sobre o benemérito Conde.
Hino à Prosperidade
Todos conhecem o senhor gordatas
de óculos frágeis e missal na mão
que vai sempre à missa e ao sermão
sendo o único homem entre as beatas
a assistir à novena da tarde.
É um senhor de maneiras cordatas
e se é religioso não faz disso alarde.
É um homem vulgar (só um pouco gordatas…),
tem na vida um só pecado
e esse mesmo nada grave
e além do mais já passado:
é que para agora ter mesas fartas
o bom do senhor gordatas
teve de roubar um bocado.
Roubar não é o melhor dos termos,
seria antes pensar no futuro.
Quer dizer, diminuiu uns salários,
durante a guerra espreitou o furo
e guardou por algum tempo
o que depois fazia pagar bem
quando nada havia em mais ninguém.
Mas isto outros o fizeram
(e não foi coisa mais pequena…)
E enquanto os mais não se arrependeram
ele não falha missa ou novena
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