NEEA CONTRA O RACISMO, Manifesto assinado

 

A proliferação do racismo quotidiano tem recebido pouca atenção em Portugal, sobretudo nas instituições de ensino e ciência. O mito do “luso-tropicalismo” e a ideia de um país de “brandos costumes”, infelizmente, contribui para (des)racializar as relações sociais. A sociedade portuguesa está, claramente, marcada pelas divisões raciais e étnicas, particularmente, em zonas mais densamente populosas. A negação do racismo sistêmico, institucional e estrutural parece ser uma regra não verbalizada em Portugal. Na academia, assim como na política ignoram-se, frequentemente, as experiências de pessoas negras, justificando as violências baseadas na “raça” como acontecimentos que se sucedem devido a diferenças ditas culturais. Esta abordagem resulta de uma leitura do racismo como resultado do confronto entre o “exotismo” do “imigrante” e a “modernidade” da sociedade que o acolhe. O racismo está presente em todas as esferas da vida quotidiana devido ao passado colonial de Portugal e das representações sociais e históricas que continuam na sociedade.

O racismo está estrategicamente camuflado pela ideia de uma pseudodemocracia racial, nos discursos políticos, académicos, históricos que organizam corpos e criam estruturas de poder. Porém, o racismo se manifesta de forma mais explicita no dia-a-dia, nos corredores e salas das universidades, nas redes sociais, muitas vezes sob a alegação de liberdade de expressão. A violência racista e o assédio racial presente nas instituições contribuem para desestabilizar a aprendizagem dos estudantes negros.

Apesar de estarmos cientes que o sistema de educação em Portugal é uma bolha política de manutenção, organização, modificação e propagação de um discurso legitimador das desigualdades sociais e das estruturas de poder, torna-se constrangedor e perturbador quando a discriminação racial e o ódio encontram palco durante uma aula.

O Núcleo de Estudos e Estudantes Africanos (NEEA), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, através desta carta, ergue a sua voz contra todo e qualquer tipo de discriminação, preconceito e ódio social. Enquanto membros da comunidade académica da FLUL vimos aqui:

Denunciar o caso de discriminação racial dirigido a um membro do núcleo durante uma aula

Mostrar o nosso descontentamento em relação à posição da faculdade quanto à denúncia realizada pelo estudante

No dia 25/10/2022, durante a aula de Multilinguismo e Política Linguística, um estudante do curso de Estudos Africanos da FLUL e membro do NEEA, sofreu insultos/ comentários de cariz racial. No contexto de sala de aula, o estudante foi insultado por três colegas, referindo-se a ele como “macaco”. Os comentários foram testemunhados por outros alunos que partilharam o sucedido com a vítima. Prontamente, foram tomadas diligências de forma a denunciar o caso. Foi reportado à coordenação do curso que, imediatamente, condenou o sucedido, fez chegar as informações ao professor da unidade curricular em questão e mostrou-se disponível para apoiar nessa demanda.

A 10 de novembro, o nosso colega apresentou uma queixa diante da direção da faculdade. No dia 14/11/2022, foi instaurado um processo de inquérito. O relatório final foi analisado e concluíram que “analisado o teor da queixa, verifica-se que, apesar dos testemunhos, que corroboram o facto alegado, não foi possível determinar a identidade dos autores dos comentários”. Consequentemente, determinaram o arquivamento do inquérito.

Sabe-se que as universidades são espaços elitizados e com pouca diversidade, em que os grupos marginalizados que conseguem ter acesso a estas instituições não têm medidas ou políticas eficazes de permanência. Os atos de racismo, assédio racial e de género têm sido recorrentes nas universidades portuguesas e a sensação que existe é de impunidade.

De acordo com o código de conduta, a Universidade de Lisboa rege-se pelo princípio da igualdade de oportunidades e respeito pelos direitos humanos. A UL considera violações de conduta discriminações baseadas na ascendência ou descendência familiar, género, etnia, língua e território de origem. Porém, não considera a discriminação racial como violação de conduta e a igualdade racial como um direito humano fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Diante disto, torna-se evidente que a Universidade não assegura o respeito pela liberdade d ume pessoas negras que fazem parte da comunidade académica. Neste sentido, vimos exigir:

O respeito pelos direitos e liberdades de estudantes negro/as, afrodescendentes e africano/as que fazem parte da comunidade académica da UL.

A abertura de canais para debate, sensibilização e consciencialização da comunidade académica sobre racismo e todos os tipos de discriminação.

Um posicionamento firme e público desta universidade contra casos de racismo que ocorram no contexto académico.

As reivindicações aqui apresentadas representam,   de alguma forma, os anseios por uma Universidade mais inclusiva, mais aberta e mais diversa. Acreditamos ser da responsabilidade das instituições de ensino e ciência capacitar seres humanos mais tolerantes, empáticos, com elevados padrões éticos e profissionais, dotados de um pensamento e um discurso crítico e empenhados no progresso social de todos.

Chamamos a atenção para o Plano para a Igualdade de Género, Oportunidades Iguais e Diversidade da FLUL (2021), condizentes com agendas internacionais, estando em “concordância com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, nomeadamente o Objetivo 5 – Igualdade de Género, com a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030”. A agenda 2030 tem como 10º objetivo reduzir as desigualdades. Nesta meta/objetivo a UN recomenda que os países “capacitem e promovam a inclusão social, económica e política de todos, independentemente de idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião ou condição econômica ou outra.” Se a própria Agenda 2030 reconhece a categoria social de raça, enquanto condição de desigualdades e discriminações de grupos socialmente marginalizados, por que razão a Universidade de Lisboa – instituição comprometida com progresso social - nega a sua existência e o seu impacto?

Finalmente, frisa-se que o incidente aqui denunciado não se trata de um caso isolado, uma vez que, em muitas outras instituições de educação e ciência do país tem havido outros casos de violência racial. O NEEA compromete-se a ser uma plataforma de debate antirracista no contexto académico. “É, portanto, fulcral assinalar que o antirracismo é um campo político atravessado por divergências fundamentais, tanto na produção de conhecimento sobre o próprio racismo como nas propostas de transformação política” (Araújo e Maeso, 2019).

Deste modo, convidamos a comunidade académica e a sociedade civil a estarem presentes na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no dia 6 de Dezembro, às 12h30, para nos mobilizarmos contra o racismo no contexto académico.

Queremos expressar o nosso apoio ao nosso colega, bem como apelar à responsabilização académica, institucional e, sobretudo, humana e a necessidade de criar políticas afirmativas que transformem a realidade do racismo institucional em Portugal.

A VIDA DOS ESTUDANTES NEGROS IMPORTAM!

Assinaturas ao manifesto

Tomásio Varela Mendes da Costa - FLUL

Beatriz Quaresma Verdinho-FLUL

Vanda M. A. Monteiro Marques da Silva - Operadora de Tráfego Marítimo

Ana Paula Ferreira da Silva-FLUL

Madalena Moreira de Sá - Tradutora, Facilitadora de Práticas Conectivas 

Etiandro Gomes Injai-FLUL

Nelma Andrade - FLUL

Pedro Ferreira - FLUL

Joel José Ginga - UAberta

Ana Bela Profeta Alves - Psicóloga

Célia Pires - Produtora Audiovisuais

Anizabela Amaral - jurista e ativista anti-racista

Pedro Schacht Pereira - Professor, The Ohio State University

Inês Beleza Barreiros - historiadora da arte

Jorge Fonseca de Almeida - Economista, MBA

Myriam Taylor de Carvalho - Empreendedora de Impacto Social/Estratega Social

Marisa Santos- FLUL

Anabela Simões Ferreira - escritora

Juliana Branco Dias - FLUL

Lúcia Furtado - Contabilista Certificada

Beatriz Tavares- FLUL

Fodé Sanhá- FLUL

Leah Serra Kelly - FLUL

Maria Beatriz Lourenço - FLUL

Pedro Sousa - FLUL

Joice Contente - ISCSP

Luís G. Rodrigues - FLUL

Afonso da Cunha Viola - FLUL

Ana Beatriz Oliveira- FLUL

Shelsia Q. D. A. Gourgel- ISCSP

Eunice Gomes - FCSH

Giovanna Borrelli - FLUL (Erasmus)

Leonor Cruz - FLUL

Márcia Lobo

Beatriz G. Pires - FLUL

Laudiana Correia - FLUL

Dara Gomes - FLUL

Áurea Sofia Silva- FCSH

Lismara G. Gomes - FCSH

Eugénio Nogueira

Neise Trigueiros - FCSH

Amadu Sabali - FCSH

Liliana Correia

Beatriz de Oliveira - FLUL

Kira Graça - FLUL

Sara Marques Nobre - FLUL

Kathia Pereira- FLUL

Tiago Pires Correia- FLUL

Ivânia Vera Cruz-FLUL

Beatriz F. Mestre - FLUL

Raquel Pires Saraiva - FLUL

Beatriz Carola - FLUL

Matilde Mala - FLUL

Fatumata Djabula - FCSH

Mário Jorge Matos - FLUL

Raquel Serdoura- Ativista

Inês Rondão - FLUL

Beatriz Alves - Leiden University

Melanie Delgado- FLUL

Sofia Patrão - IADE

Janaína Silva - FLUL

Aline Carvalho - FCT UNL

Beatriz Rodrigues - FLUL

Miriam Franco- FLUL

David Rendeiro - FLUL

Júlia Oliveira - FLUL

Inês Mateus - FLUL

Bruna Monteiro - FLUL

Renata Almeida Cabral - FLUL

Daniela Figueiredo - FLUL

Telma João Santos - Investigadora - CHAIA-UÉ

Elijah Alex de Gouveia Vilaça Barros - FLUL

Natacha Soraia Silva Ornatovskyy - FLUL

João Carlos Carvalho - FLUL

Bárbara Machado - FLUL

Shereen Lalgy - BAU Cyprus

Edson Lázaro - Empresário e Ex-Vice Presidente do NEEA-FLUL

Frederico José Monção de Brito - NOVA FCSH / Estagiário me

Francisco Maria Fragoso Cerol - FLUL

Guilherme Resende - ISCSP

Sofia Nunes - FLUL

Beatriz Grilo - FLUL

Francisco Freitas - ISEP

Alexandre Burity Baluga - Alumini FLUL

Tiago Gomes - FCUL

Beatriz Barbosa

Madalena Paulo - FLUL

Marta Barrigot - FLUL

Jussara Nagana Cabral

Marliato Jalo

Calido Buli sane- Contabilista

Aminata Nanqur

Cadija Mendonça

Amadu Djogo Djalo

Djuco Baba Sanhá- Hospital D. Estefânia

Rafael Sanhá- Futebolista

Jerssi Paulo

Abubacar M. Sanhá-

Larissa Kansler

Susana Gomes - FLUL

Patrícia Martins - Licenciada FLUL

Nicole Fernandes - FLUL

Abubacar Sanhá- Turismólogo

Iacuba Baba Sanhá

Bruno Fernandes- FLUL

Moro Sanhá

Ansel Silva - FCUL

Ariclene Chimbili - FCT-UNL

Gilson Manuel - FCT-UNL

João Melo- FLUL

Gabriela Pinto - FLUL

Aaliyah Gomes-Nova FCT

Maria Costa- FLUL

Clara Raposo-FLUL

Mariana Gomes- FLUL

Maria Ferreira- FLUL

Margarida Fernandes-FLUL

DeMaria Fernanda Santos Souza - ULHT

Etelvina Maria Ferreira

Pedro Lopes- FCSH

Anabela Henriques Esteves - FLUL

Ana Margarida - FCSH

Laura Batista - FCSH

Bruna Alexandra Frederico Jorge - FLUL

Aguineth Vicente Paquete Andrade

Maria Raposo

Carla Raquel Miranda - FCSH

Diogo Falcato- FCSH

Gabriel Costa - FCSH

Ilísio Oliveira - FCUL

Ana Castro - FLUL

Mª Beatriz Modesto - FLUL

Mariana Verdial- FLUL

Vânia Andrade

Daniela Cotovio - FLUL

 Mariana Branco - FCSH

Sofia Sequeira - FCSH

Lucas Veras - FCSH

Bruno Pires - FLUL

Duarte dos Santos Pais Bernardo Lopes - DLGR, FLUL

Rafael Monteiro - FDUL

Matilde Ho - UL

Fernando Lopes - FCSH

Liliana Nunes - Ualg

Maria Mafalda djafuno jalo - Educadora

Eva Torga - FLUL

João Sousa - FCUL

Zinky

Herman Ramos

Lara Grou, FCSH

Diana Machado - NMS

Alexandre Martins - ESTS

Diana Carrasco-Ualg

Joana Forte- associação Integrar Diligente

Ana Pereira - FCSH

Paulo Pereira Oliveira Matos - FLUL

Aliyah Bhikha - FDUNL

Catarina Rodrigues - Alumni ISCTE

Sofia Azevedo dos Santos- FDUL

Inês Beatriz Nunes - FCSH

Filipe Reis - FLUL

Duarte Ferreira - Lic. Ciência política e relações internacionais

Jasmim Bettencourt / FLUL

Raúl Matamba - FCT/NOVA

João cão Duarte - FCUL

Mariana Simas - FLUL

Rita Cavaco - Nova School of Law

Pedro Bazima - UMinho

Leandro Castanheira- UA

Winnie Lourenço- FLUL

Raquel Adónis - ISCSP

Carolina Batalha-FLUL

Marta Lopes - FLUL

Filipe Marçal - FLUL

Ana Ribeiro - FCSH

Márcia Costa - FLUL

Inês Santos - FLUL

Miguel Vilar-FLUL

Mariana Raminhos- FLUL

Dáldia Lopes - UBI

Henrique Costa- FLUL

Sara Amarante- FLUL

Victor Tomás - FDUL

Ramiro Afonso Morais - FDUL

Bruna Lebre Scultori - FDUL

Carla Delgado - Nova School of Law

Mancanaul Gomes - Estudante

Joel Semedo- FDUL

Kinga Kovács-FLUL

Igor Rodrigues da Silva - ENSP-UNL

Di

Nina Harvie-Clark -University of Cambridge

Alexandre Ferreira- FLUL

Ana Cordeiro - ISCTE

Helena Vicente

Joana Vieira - FCSH

Ana Marta dos Santos-FDUL

Ana Margarida Batista- Alumni FLUL, IEUL

Maria Beatriz Carreira Pedrosa - FLUL

Taísa Braga - ISCTE

António Tonga - Activista Antirracista

Saturnino de Oliveira-ISCTE

Bifa Nancanhá- ISCTE

Telma Fundões-ISCSP

Lara Menezes - FCSH

Pedro Oliveira - FLUL

Catarina Martins - UAlg

Carolina Teixeira - ISMAI

Dânnya Martins - UE

Weza Silva - Ue

Luena Cunha - UE

Marina Caboclo - Advogada e Mestranda FDUL

Érica Vieira - Ex Vice-Presidente do NEEA FLUL

Leonardo Botelho - Advogado Estagiário

Arimilde Sofia Soares - AlumniFLUL

Gabrieli Fernandes Fickelsherer Gaio - ULisboa

Carlos Viegas - AlumniISEL

Dadanine Jánuario Gomes - Estudante

Stefanie Cerqueira Salomão- ISCSP

Paulo Marchã - FLUL - Finalista Licenciatura Estudos Africanos - Secretário de Direção da Associação Caboverdeana de Lisboa - Activista e Gestor Cultural - Tchon di Mundus

Elisângela Pereira - FLUL

Catarina Santos - FCSH

Mafalda Santos - FLUL

Mariana Caeiro - UBI

Jonathas Luciano Suela do Nascimento

Ianira Vieira

Joana Pinto

Rodrigo Candeias

Carolina Ribeiro - FCSH

Rafaela Vilaça- UP

Clinton Gomes - UE

Matilde Pinto - FCSH

Francisca Baptista - FLUL

Anna Carolina Almeida da Cruz

Ana Luisa Sousa - FLUL

Catarina Pinheiro - FLUL

Marco Alexandre Ribeiro - FLUL

Marcelo Andrade - FLUL

Letícia Amado - FDUL

 ngela Afonso- FLUL

Ana Guedes - FDUL

Guilherme Sá - FLUL

John Quitaxi - Docente Universitário

Joana Guerreiro Mestre - ISCSP

Beatriz Pereira - FCSH

Raquel Figueiredo - FDUCP

Tomás Mourinha

Frederico Dias de Jesus - Jurista | Mestrando FCSH

Miguel Partidário - Professor Assistente Convidado, Instituto Politécnico de Setúbal

Letizia Pietrini - FLUL

Gonçalo Cerqueira Simões

Francisca Araújo - ESSEM

Leonor Góis - ESEL

Tomás Carmelino- UE

David Almeida

Sónia Braz - Alumni ISCSP

Beatriz Romeira - FLUL

Maria Santos - ISCSP

Tomás Antunes - FDUL

Dejanira Vidal - FDUL

Carolina Caldeira - FLUL/ ISCTE

Carla Oliveira - CML

José Caldeira - CML

Murilo Matias- FLUL

Claudia Greco - Psicanalista

Kiana Bila- Fct

Elisabete Lopes - FDUL

Rúben Rafael de Pina Traquino - FDUL

Rodrigo Dias - FLUL

Rúben Marques da Silva - Alumni da FLUL; Estudante do Iscte; Membro do Conselho Pedagógico do Iscte e da Comissão Pedagógica da Escola de Sociologia e Políticas Públicas; Antigo Presidente do Núcleo de Estudantes de História Moderna e Contemporânea do Iscte

Margarida Silva - Gestora de Comunicação

Augusto Neves Júnior - Empresário de Turismo

Maria M. A. Sousa Monteiro - Reformada

Ardjana Seidi- FDUL

José Rui Rosário - Funcionário Público, músico e poeta

Rayana Lopes Borges - FDUL

Sofia Embaló - FLUL

Gervagio Gomes- IGOT

Mamadou Ba, Investigador e Dirigente do SOS Racismo

Abel Tenera - Desenvolvedor de Software e Jogos; Estudante ISCTE; Voluntário da Associação dos Cavaleiros de São Brás; Activista colaborador do Partido Comunista Português

Dário Costa - Professor de Inglês, músico

Silvia Milonga - Jornalista

Danilo Cardoso - Arte-Educador, poeta e Investigador

Grupo EducAr | Educação Antirracista

 

(As assinaturas continuam em aberto)

07.12.2022 | by arimildesoares | ACADEMIA, FLUL, LUTA CONTRA O RACISMO, manifesto, NEEA

Manifesto a Crioulização, uma Poética de Partilha para Multiplicar

Manifesto por Mário Lúcio Sousa.

3 de Outubro de 2022 às 18h no Teatro Garcia de Resende. 

03.10.2022 | by Alícia Gaspar | Crioulização, cultura, literatura, manifesto, Mário Lúcio Sousa, poética

O INEVITÁVEL É INVIÁVEL - Manifesto dos 74 nascidos depois de 74

Somos cidadãos e cidadãs nascidos depois do 25 de Abril de 1974. Crescemos com a consciência de que as conquistas democráticas e os mais básicos direitos de cidadania são filhos directos desse momento histórico. Soubemos resistir ao derrotismo cínico, mesmo quando os factos pareciam querer lutar contra nós: quando o então primeiro-ministro Cavaco Silva recusava uma pensão ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, e a concedia a torturadores da PIDE/DGS; quando um governo decidia comemorar Abril como uma «evolução», colocando o «R» no caixote de lixo da História; quando víamos figuras políticas e militares tomar a revolução do 25 de Abril como um património seu. Soubemos permanecer alinhados com a sabedoria da esperança, porque sem ela a democracia não tem alma nem futuro.
O momento crítico que o país atravessa tem vindo a ser aproveitado para promover uma erosão preocupante da herança material e simbólica construída em torno do 25 de Abril. Não o afirmamos por saudosismo bacoco ou por populismo de circunstância. Se não é de agora o ataque a algumas conquistas que fizeram de nós um país mais justo, mais livre e menos desigual, a ofensiva que se prepara – com a cobertura do Fundo Monetário Internacional e a acção diligente do «grande centro» ideológico – pode significar um retrocesso sério, inédito e porventura irreversível. Entendemos, por isso, que é altura de erguermos a nossa voz. Amanhã pode ser tarde.
O primeiro eixo dessa ofensiva ocorre no campo do trabalho. A regressão dos direitos laborais tem caminhado a par com uma crescente precarização que invade todos os planos da vida: o emprego e o rendimento são incertos, tal como incerto se torna o local onde se reside, a possibilidade de constituir família, o futuro profissional. Como o sabem todos aqueles e aquelas que experienciam esta situação, a precariedade não rima com liberdade. Esta só existe se estiverem garantidas perspectivas mínimas de segurança laboral, um rendimento adequado, habitação condigna e a possibilidade de se acederem a dispositivos culturais e educativos. O desemprego, os falsos recibos verdes, o uso continuado e abusivo de contratos a prazo e as empresas de trabalho temporário são hoje as faces deste tempo em que o trabalho sem direitos se tornou a norma. Recentes declarações de agentes políticos e económicos já mostraram que a redução dos direitos e a retracção salarial é a rota pretendida. Em sentido inverso, estamos dispostos a lutar por um novo pacto social que trave este regresso a vínculos laborais típicos do século XIX.
O segundo eixo dessa ofensiva centra-se no enfraquecimento e desmantelamento do Estado social. A saúde e a educação são as duas grandes fatias do bolo público que o apetite privado busca capturar. Infelizmente, algum caminho já foi trilhado, ainda que na penumbra. Sabemos que não há igualdade de oportunidades sem uma rede pública estruturada e acessível de saúde e educação. Estamos convencidos de que não há democracia sem igualdade de oportunidades. Preocupa-nos, por isso, o desinvestimento no SNS, a inexistência de uma rede de creches acessível, os problemas que enfrenta a escola pública e as desistências de frequência do ensino superior por motivos económicos. Num país com fortes bolsas de pobreza e com endémicas desigualdades, corroer direitos sociais constitucionalmente consagrados é perverter a nossa coluna vertebral democrática, e o caldo perfeito para o populismo xenófobo. Com isso, não podemos pactuar. No nosso ponto de vista, esta é a linha de fronteira que separa uma sociedade preocupada com o equilíbrio e a justiça e uma sociedade baseada numa diferença substantiva entre as elites e a restante população.
Por fim, o terceiro e mais inquietante eixo desta ofensiva anti-Abril assenta na imposição de uma ideia de inevitabilidade que transforma a política mais numa ratificação de escolhas já feitas do que numa disputa real em torno de projectos diferenciados. Este discurso ganhou terreno nos últimos tempos, acentuou-se bastante nas últimas semanas e tenderá a piorar com a transformação do país num protectorado do FMI. Um novo vocabulário instala-se, transformando em «credores» aqueles que lucram com a dívida, em «resgate financeiro» a imposição ainda mais acentuada de políticas de austeridade e em «consenso alargado» a vontade de ditar a priori as soluções governativas. Esta maquilhagem da língua ocupa de tal forma o terreno mediático que a própria capacidade de pensar e enunciar alternativas se encontra ofuscada. Por isso dizemos: queremos contribuir para melhorar o país, mas recusamos ser parte de uma engrenagem de destruição de direitos e de erosão da esperança.

Se nos roubarem Abril, dar-vos-emos Maio!


Alexandre de Sousa Carvalho – Relações Internacionais, investigador; Alexandre Isaac – antropólogo, dirigente associativo; Alfredo Campos – sociólogo, bolseiro de investigação; Ana Fernandes Ngom – animadora sociocultural; André Avelãs – artista; André Rosado Janeco – bolseiro de doutoramento; António Cambreiro – estudante; Artur Moniz Carreiro – desempregado; Bruno Cabral – realizador; Bruno Rocha – administrativo; Bruno Sena Martins– antropólogo; Carla Silva – médica, sindicalista; Catarina F. Rocha – estudante; Catarina Fernandes – animadora sociocultural, estagiária; Catarina Guerreiro – estudante; Catarina Lobo – estudante; Celina da Piedade – música; Chullage - sociólogo, músico; Cláudia Diogo – livreira; Cláudia Fernandes – desempregada; Cristina Andrade – psicóloga; Daniel Sousa – guitarrista, professor; Duarte Nuno - analista de sistemas; Ester Cortegano – tradutora;Fernando Ramalho – músico; Francisca Bagulho – produtora cultural; Francisco Costa – linguista; Gui Castro Felga – arquitecta; Helena Romão – música, musicóloga; Joana Albuquerque – estudante; Joana Ferreira – lojista; João Labrincha – Relações Internacionais, desempregado; Joana Manuel – actriz; João Pacheco – jornalista; João Ricardo Vasconcelos – politólogo, gestor de projectos; João Rodrigues – economista; José Luís Peixoto – escritor; José Neves – historiador, professor universitário; José Reis Santos – historiador; Lídia Fernandes – desempregada; Lúcia Marques – curadora, crítica de arte; Luís Bernardo – estudante de doutoramento; Maria Veloso – técnica administrativa; Mariana Avelãs – tradutora; Mariana Canotilho – assistente universitária; Mariana Vieira – estudante de doutoramento; Marta Lança– jornalista, editora; Marta Rebelo – jurista, assistente universitária; Miguel Cardina – historiador; Miguel Simplício David – engenheiro civil; Nuno Duarte (Jel) – artista; Nuno Leal– estudante; Nuno Teles – economista; Paula Carvalho – aprendiz de costureira; Paula Gil – Relações Internacionais, estagiária; Pedro Miguel Santos – jornalista; Ricardo Araújo Pereira– humorista; Ricardo Lopes Lindim Ramos – engenheiro civil; Ricardo Noronha – historiador;Ricardo Sequeiros Coelho – bolseiro de investigação; Rita Correia – artesã; Rita Silva – animadora; Salomé Coelho – investigadora em Estudos Feministas, dirigente associativa; Sara Figueiredo Costa – jornalista; Sara Vidal – música; Sérgio Castro – engenheiro informático;Sérgio Pereira – militar; Tiago Augusto Baptista – médico, sindicalista; Tiago Brandão Rodrigues – bioquímico; Tiago Gillot – engenheiro agrónomo, encarregado de armazém; Tiago Ivo Cruz – programador cultural; Tiago Mota Saraiva – arquitecto; Tiago Ribeiro – sociólogo;Úrsula Martins – estudante…

22.04.2011 | by martalanca | 25 de abril, direitos sociais, manifesto