Mindelact 2012: O festival da maioridade

A 18ª edição do Mindelact decorre de 7 a 15 de Setembro. Cerca de 40 espectáculos de grupos de três continentes vão estar em cena em São Vicente, naquele que é considerado o maior evento teatral do continente africano.

João Branco entrevistado por Lourdes Fortes* no Expresso das ilhas


O que esta 18ª edição do festival apresenta de novo?

Acho que a grande novidade é mesmo esta edição acontecer neste tempo de crise, quando já tivemos notícias de outros eventos importantes para o país que foram cancelados por falta de verba.

Como sabemos, este tem sido um ano complicado em termos de intercâmbio teatral, principalmente no domínio da Lusofonia, porque festivais de teatro importantes, nomeadamente no Brasil, foram cancelados também por falta de verbas, e nós tivemos dificuldades em confirmar se haveria condições para avançar. Aquilo que me parece importante realçar para esta edição é o facto de termos conseguido criar essas condições e montar uma programação apresentando ao público um conjunto de 40 espectáculos que vão decorrer durante nove dias divididos em várias componentes programáticas.

A realização do festival chegou a estar em causa?

Houve sempre a esperança da sua realização. Nós somos muito persistentes na persecução dos nossos objectivos e devo dizer que, neste caso em específico, o papel do Ministério da Cultura foi muito importante, principalmente através da nova Direcção Nacional das Artes que teve um papel muito importante, não digo na decisão de fazer ou não fazer, mas sim de fazer em melhores condições.

Que critérios utilizaram na elaboração do programa desta edição do Mindelact?

Neste ano de crise, foi importante para nós que as companhias que vêm de fora pu-dessem garantir a sua própria vinda, embora com a parceria do Ministério da Cultura ti-véssemos garantido a vinda de duas companhias, uma do Brasil e a outra de França, graças ao patrocínio de quatro passagens internacionais. A verdade é que recebemos ao longo do ano inúmeros projectos e manifestações de companhias que gostariam de participar, mas infelizmente não conseguimos dar resposta positiva a toda a gente, porque se assim fosse o festival durava seis meses. Procurámos ser o mais objectivos possível dentro da subjectividade que implica uma selecção desta natureza.

Porque vão homenagear a companhia de teatro angolana “Elinga Teatro”?

De há uns anos a esta parte que escolhemos uma companhia para homenagear.

O Elinga Teatro vai ser homenageado pelo contributo que tem dado a este festival. É a quarta vez que participam. A companhia e os seus elementos têm sido muito importantes para o estabelecimento de uma rede de contactos com o teatro angolano, que tem participado quase todos os anos. E o facto desta homenagem contar com o Alto Patrocínio da Presidência da República de Cabo Verde é algo que nos honra e torna esta homenagem ainda mais significativa.

Qual é o maior destaque da programação desta 18ª edição?

Não há cabeças de cartaz no Festival Mindelact. Nunca houve, porque todos são igual-mente importantes. Aquilo que há, e vou destacá-los por causa disso, são estreias absolutas, ou seja, espectáculos que estreiam no festival e em co-produção com o Mindelact.

Um desses espectáculos é originário do Maio, do grupo de teatro Salinas: “Bideias com Z”. É a primeira vez que um grupo do Maio pisa o palco principal do Mindelact. A outra co-produção é uma versão em cabo-verdiano de uma história mundialmente conhecida, “Alice nos país das Maravilhas”, do Grupo de Teatro do Centro Cultural do Mindelo.

Como descreve o percurso do Mindelact até à presente edição?

Fizemos um caminho de que hoje todos nos orgulhamos. Na primeira edição praticamente pedíamos às pessoas para irem ao teatro. Actualmente são as pessoas que nos pedem para terem acesso a um bilhete. Na primeira edição tínhamos três grupos a participar, de duas ilhas de Cabo Verde, com cinco espectáculos. Este ano temos quarenta e dois espectáculos de doze países e muitas ilhas representadas. O Mindelact tem servido não só para pôr Cabo Verde no mapa mundial do teatro, como também de importante factor motivacional das companhias de teatro, que fazem teatro com enormes dificuldades e vêem no festival uma motivação extra para esse tremendo esforço. A minha visão do futuro é, como sempre, muito optimista.

Acordo de parceria com o Ministério da Cultura

Foi assinado um acordo de parceria entre o Ministério da Cultura e o Mindelact. O que é que este acordo de parceria representa para a associação?

Representa, acima de tudo, o reconhecimento da importância do nosso trabalho. O Mindelact é uma importante organização cultural e o seu festival um evento que tem sido muitas vezes publicamente dado como exemplo de uma actividade cultural de grande importância para o país, não só por acontecer e pelas características que tem, mas também por ser organizada por pessoas ligadas exclusivamente à arte e ao teatro. O Mindelact nunca dependeu de agendas político-partidárias. Sempre fizemos questão de vincar uma independência em relação a essas questões. Costumo referir com algum orgulho que o festival Mindelact terá sido a única actividade cultural que conseguiu apoios em simultâneo de pessoas que nunca poderiam estar no mesmo barco, de um ponto de vista político.

A relação de boa vizinhança entre o Mindelact e os diversos actores políticos cabo-verdianos tem trazido benefícios para a associação?

Ao longo da história essa boa relação tem ditado diversos benefícios, independentemen-te de cada um, como cidadão, se posicionar como entender. Tivemos sempre o cuidado de não colocar a associação numa posição fragilizada. A nossa independência em relação aos partidos políticos traz-nos benefícios porque nos damos bem com todos, sejam órgãos ligados ao Estado ou à Câmara Municipal e todos reconhecem a importância e a qualidade do nosso trabalho.

Além da extensão do Mindelact na Praia pretendem alargar o festival às outras ilhas?

Aquilo que estamos a negociar com o Ministério da Cultura é transformar o acordo que foi assinado na semana passada num protocolo mais amplo. Obviamente que nem o Mindelact e nem o governo pretendem transformar o Mindelact num departamento do ministério responsável pelo teatro. O que se pretende é, com esta relação de simbiose, tornar o festival mais sustentável, com benefícios para todos, incluindo para o país. A possibilidade de estender o festival às outras ilhas é um pouco mais complicada por todas as razões que são conhecidas, nomeadamente de ordem logística.

Que razões são essas?

A falta de infraestruturas, dificuldades nos transportes, questões relacionadas com a disponibilidade dos artistas de estarem a circular. A extensão na Praia fez-se por duas razões fundamentais. A primeira refere-se a uma vontade concreta manifestada pelo Centro Cultural da Português da Praia que tem produzido e financiado estas extensões. A segunda está relacionada com o facto de muitos grupos passarem pela cidade da Praia no regresso aos seus países e serem os próprios grupos a manifestarem a vontade de fazer um segundo espectáculo, num outro local.

Mas voltemos ao acordo com o Ministério da Cultura. O que é que o diferencia em relação a anteriores protocolos?

Aquilo que diferencia este acordo em relação a outros está relacionado principalmente com dois aspectos. Por um lado, a clarificação daquilo que é o espírito da nossa entrada e utilização do Centro Cultural do Mindelo (CCM). Com este acordo, durante o festival o CCM passa a designar-se de Casa do Mindelact, por sugestão do próprio Ministro da Cultura. Isto é uma alteração daquilo que é a natureza da nossa utilização do espaço.

Passamos de hóspedes a anfitriões. A outra mudança que se vai reflectir principalmente nos anos seguintes, está relacionada com questões de financiamento. Vamos passar a ter connosco uma equipa para responder, identificar e concorrer a fundos que existem um pouco por todo mundo, de grandes instituições internacionais, fundações e particulares. Finalmente, tenho de realçar também um aspecto concreto que é o financiamento para a materialização deste festival, em concreto.

Teatro em Cabo Verde

Quais as principais carências que o teatro enfrenta em Cabo Verde?

Eu diria que as principais carências são de ordem infra-estrutural. Os grupos têm grandes dificuldades em encontrar espaços para ensaiar, para se apresentar, para armazenar os seus materiais cenográficos e tudo isso cria constrangimentos muito grandes. Uma outra grande carência é o acesso à formação. Como sabemos, em Cabo Verde existe apenas um curso de iniciação teatral que é desenvolvido aqui ,no Centro Cultural Português, e eu acho que seria muito importante para Cabo Verde diversificar nesse aspecto aquilo que é a componente da formação, através da contratação pelo Estado ou Câmaras Municipais de pessoas formadas na área para ministrar formações nas várias ilhas do país.

Sente que chegou a altura de se criar um Conservatório?

Sinceramente, não sei. Imaginemos que o Estado investe numa escola de formação de actores e depois de 3 ou 4 anos formam cinquenta actores. Para onde é que eles vão? Fazer o quê? Que mercado de trabalho existe para eles? O audiovisual cabo-verdiano investe muito pouco ou quase nada em ficção de índole nacional. Toda a ficção que nós vemos é oriunda do Brasil e alguma de Portugal. No dia em que se começar a investir mais nesse aspecto, na ficção, na produção de series, começa, se calhar, a fazer mais sentido responder a essa pergunta. Neste momento, não adianta, do ponto vista do ensino superior, estar a formar gente para o teatro se depois não tem para onde ir.

E quanto à profissionalização do teatro?

Eu gosto muito do carácter amador do teatro em Cabo Verde. É algo que me agrada e que tem que ver com a nossa realidade. Amador quer dizer “aquele que ama o que faz”. E está mais do que provado com a experiência cabo-verdiana que o trabalho do amador no teatro às vezes tem tanta qualidade como o do profissional.

Quando pensamos na questão da profissionalização temos que ter os pés bem assentes na terra, saber bem de que país é que estamos a falar, que condições é que nós temos e pensar mais em capacitação do que em profissionalização.

Tem sido feito o trabalho necessário para a implementação da lei do mecenato?

Acho que não e aí deve ser feito um pouco mais em dois sentidos, por um lado, para simplificar a regulamentação da lei e, por outro lado, sensibilizar para a sua aplicação. Muitas vezes, aquilo que ouvimos dos empresários nacionais é que “isto dá muito trabalho, prefiro apenas dar o meu contributo”. Toda a burocracia que envolve a aplicação da lei acaba por emperrar a sua implementação. Porque, como sabemos, muitas empresas dão apoio sem aplicação da lei quando poderiam ter benefícios fiscais com isto.

 

*com Nuno Andrade Ferreira

2-9-2012, 00:53:5

por João Branco
Vou lá visitar | 5 Setembro 2012 | Mindelact, teatro, teatro caboverdiano