Tendência do Teatro em Cabo Verde - com os pés nas ilhas e os olhos nas estrelas

Introdução

O que nos pode levar a um mais amplo entendimento sobre o que se passa actualmente na área do teatro, em Cabo Verde? Tarefa complicada. Meras especulações, porque sobre as paixões diz-se tudo sem se conseguir dizer nada, no teatro vivemos no mundo dos contrários, a vida no palco e o palco da vida, os personagens e os actores, os sentimentos que são sem o serem, a magia de se mostrar “mentiras” sentindo verdades, o confronto de prazeres, de estéticas, de caminhos. Que caminhospercorre o teatro hoje em dia em Cabo Verde? Quais as palavras-chave? O caboverdiano é uma delas sem dúvida. O conhecimento da sua génese poderá ser um passo importante para nos fazer entender o ontem e o hoje desta e de todas as outras manifestações culturais, que a cada esquina surpreende, provoca, estimula, confunde, arrebata.

Existirá um Teatro Nacional? Atingiu o teatro cabo-verdiano a sua maturidade? Podemos inscrever em Cabo Verde um Teatro Moderno? O que é ser Moderno, hoje em dia? Que palavras-chave? Ilhas, miscigenação, Sol, Mar, partidas e regressos, o crioulo, são ingredientes que compõem o teatro caboverdiano. Também aquilo que desejamos ainda não alcançámos. Será isso algum dia possível, sendo o Teatro a arte da constante insatisfação, da utopia, do inalcançável, do tornar visível o invisível?

Como se faz teatro em Cabo Verde? Quem o faz, com que meios e em que condições? Existe uma dramaturgia e uma identidade cabo-verdiana no teatro que todos os dias se constrói? São muitas as questões que se levantam para iniciar uma análise que se quer objectiva, mas nesta tentativa de responder, parcialmente, a estas questões, outras vão nascer, talvez até mais pertinentes. Espero que este texto sirva, pelo menos, para despertar a curiosidade sobre o nosso teatro, e contribuir assim para um conhecimento, mesmo que geral, das nossas artes cénicas.

auto da compadecida - Grupo Teatro Centro Cultural Português Mindeloauto da compadecida - Grupo Teatro Centro Cultural Português Mindelo

Etapa primeira

“Tendência: Força que se dirige por si mesma, quando não suporta força contrária, para um sentido determinado; impulso latente da actividade que orienta esta para direcções que, alcançadas, propiciam normalmente prazer.”
In Dicionário da Língua Portuguesa de J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo.

“A expressão «o teatro é a ocupação dos desocupados» está, felizmente, ficando um pouco para trás”
Maria da Luz de Faria in Inquérito Mindelact – Adjunta de Chefe de Pessoal de Unidade Fabril. Actriz. 32 anos

Não deixa de ser um método interessante começar esta análise do estado actual do teatro cabo-verdiano, pelo título sugerido: “Tendências do Teatro em Cabo Verde”. Pela definição acima transcrita, quando falámos de tendências, estamos a falar de caminhos (“força que se dirige… para um sentido determinado”). Falamos de impulsos latentes, logo, interiores (“impulso latente…”) e do prazer que proporcionam. Não deixa de ser curiosa esta definição de tendência e a sua aplicabilidade na situação actual da actividade teatral cabo-verdiana. A segunda citação, de uma actriz mindelense, retirada de um inquérito efectuado este ano pela Associação Mindelact, conjuga-se na perfeição com a definição anterior. O teatro é hoje uma arte que “se dirige por si mesma”? A actual dinamização existente permite-nos arriscar uma resposta positiva. As direcções alcançadas “propiciam normalmente prazer”? Pensamos que sim, porque, se assim não for, o teatro não faz sentido. Por isso, dizer que o teatro já não é – o que pressupõe que já houve alturas em que foi considerado – “uma ocupação dos desocupados”, é um sinal de que, nos últimos anos, construiu-se uma base sólida, coerente, corajosa, dinâmica e manifestamente competente.

É importante referir que quando dizemos ser hoje o teatro uma arte que se dirige por si mesma, não estamos a falar de profissionalismo. Não existe teatro profissionalizado em Cabo Verde. Existem sim experiências, felizmente cada vez menos esporádicas, de casos em que actores, encenadores e técnicos são contratados para actividades paralelas, a maior parte das vezes fora dos seus grupos, muitas vezes produzidas por entidades estrangeiras (a maioria oriundas de Portugal) nelas trabalhando como profissionais (entenda-se aquele que “ vive de…”). O Teatro que se faz em Cabo Verde é um teatro amador. Os grupos que existem são amadores. Portanto, quando falamos de agentes teatrais, falamos de pessoas que têm os seus empregos, falamos de estudantes e de reformados, de operárias e cozinheiras, falamos de pedreiros e professores ou até desempregados que, com todas as dificuldades inerentes ao amadorismo, se entregam de alma e coração ao teatro, todos sabendo que só em casos excepcionais, irão tirar dividendos económicos das suas acções e do seu trabalho criativo. Se isso acarreta grandes dificuldades e por vezes desânimos fatais, que poderão explicar os retrocessos do passado, por outro lado, veste o nosso teatro de uma certa utopia, de uma certa pureza, de uma poesia humana que nos orgulha, porque andar por estes caminhos, sentir estes impulsos diariamente, implica sempre uma grande entrega, um grande altruísmo e por vezes um enorme sacrifício. O trabalho criativo em Cabo Verde comporta algo de magia e transcendência, e o teatro não foge à regra.

cordão umbilical - Atelier Teatrakaciacordão umbilical - Atelier Teatrakacia

Etapa segunda

“O Teatro em Cabo Verde está realmente em plena evolução”
Cesarina Lopes in Inquérito Mindelact – Operária Fabril. Actriz. 24 anos

“O Teatro está tão recaído que quase não se ouve”
Anselmo Fortes in Inquérito Mindelact – Estudante. Técnico de som. 17 anos.

Como explicar esta aparente contradição? Qual é o verdadeiro estado do Teatro actualmente? Devo informar que os inquiridos são agentes teatrais, principalmente do Mindelo, actores, encenadores, técnicos, cenógrafos, ou simplesmente amantes do teatro, portanto, espectadores atentos.

A verdade é que existe uma espécie de dicotomia no teatro cabo-verdiano. Dicotomia geográfica, explicada pelo facto de os grupos teatrais mais activos se concentrarem principalmente em S. Vicente e Santo Antão, ilhas vizinhas, também no teatro; nas ilhas do Fogo, Brava, Maio, Sal, Boavista e S. Nicolau tem-se feito muito pouco no campo teatral.

De modo geral, nestas ilhas, a actividade teatral é incipiente, dinamizada por grupos locais, associações recreativas, e organizações religiosas que, por vezes, prestam-se a saraus culturais onde quadros cénicos são apresentados, aparecendo diluídos nas outras actividades, e longe do conceito que temos de espectáculo teatral. Elísio Leite, formador de iniciação ao teatro, que se deslocou a S. Nicolau para coordenar um workshop, refere “falando concretamente de teatro, pode-se dizer que na ilha existem alguns grupos que, com muito esforço e dificuldades, vão animando os locais onde estão inseridos”. Na ilha da Brava, a actividade teatral reduz-se a pequenas encenações de activistas católicos, inseridos na comunidade local que, num contexto não-religioso logo se desinteressa ou se desmotiva em relação à actividade teatral. No Fogo, uma ilha que já teve grandes tradições teatrais, vive-se actualmente uma situação de grande marasmo, com os grupos existentes parados ou desmobilizados, os potenciais actores e actrizes totalmente desligados do teatro.

Quando algo acontece no seio destes grupos recriativos das ilhas, esse algo é sempre muito pobre a nível teatral, com interpretações muito esteriotipadas, cenários praticamente inexistentes (ou limitando-se a uma tela pintada, com um motivo paisagístico ou sobre o próprio grupo), muitos recorrendo a microfones mesmo quando o espaço é diminuto. Claro que, no meio de tudo isto, podem surgir surpresas. A título pessoal, lembro-me que um dos actores mais extraordinários que já vi actuar no arquipélago, pertencia a um destes grupos (actualmente desactivado), e apesar da pobreza cénica, cenográfica e dramatúrgica que o rodeava, ele sozinho era o espectáculo, fazia uma personagem de surpreendente riqueza dramática, num trabalho de actor, destituído de técnica, mas todo ele intuição e energia criativa.

A ilha de Santiago, com um grupo bastante activo e regular, referencia-se à parte, porque se é verdade que o trabalho desse grupo teatral é muito importante e significativo, também é verdade que duma ilha que tem nela a capital do País – Praia, onde a riqueza cultural é mais vasta e complexa, seria de esperar mais diversidade de grupos teatrais activos, maior interesse do público e das entidades competentes, maior dinamismo daqueles que gostam de teatro (que os haverá seguramente na maior ilha do país), melhor capacidade de organização. Veja-se o exemplo da Dança, arte irmã da teatral, campo onde a ilha santiaguense tem demonstrado nos anos mais recentes notável liderança e criatividade relativamente ao resto do país: os grupos proliferam, novos bailarinos aparecem quase todos os meses, implantam-se projectos de cooperação internacional, organizam-se whorkshops e acções de formação, melhoram-se espaços de ensaios e de actuação. Porquê esta dinâmica ainda não foi extrapolada para a área teatral – tão próxima da área da dança? – eis um dos maiores mistérios do teatro cabo-verdiano cuja resposta não conseguimos vislumbrar.

A nossa grande esperança é que as respostas procuradas estejam latentes na atmosfera e no interior dos potenciais criadores da maior ilha do país e que, um dia, espero em breve, os grupos de teatro comecem também a multiplicar-se em Santiago, os espaços cénicos sejam reinventados, o público reconquistado, e assim se faça jus ao manancial inesgotável de tradições culturais e históricas que a ilha encerra em si.

“O teatro em Cabo Verde está numa constante progressão, tanto no aspecto cénico, como também nos aspectos organizativos. Nota-se também uma grande vontade de fazer teatro cada dia que passa”
José Évora in Inquérito Mindelact – Artesão e Actor. 30 anos

“O teatro está numa fase de procura de bases para poder crescer, ou seja, consciente da necessidade de renovação e de mais dinamismo.”
Fátima Cruz in Inquérito Mindelact – Professora. 42 anos

os sete pecados capitais - Atelier Teatrakaciaos sete pecados capitais - Atelier Teatrakacia

Mas a dicotomia a que fazia referência não é só geográfica. Existe uma, mais abstracta, mas identificável: se é verdade que em S. Vicente e Santo Antão, mais na primeira que na segunda, o Teatro tem assinalado notável crescimento e evolução, a nível técnico, cenográfico, dramático e dramatúrgico, também é verdade que são poucos os espectáculos teatrais postos em cena durante um ano. Os grupos, sendo amadores, deviam gozar mais a liberdade de criação que o título ostenta. António Pedro, nascido na cidade da Praia, trabalhou muitos anos com um grupo de teatro amador no Porto onde encenou dezenas de peças diferentes e defendia que os grupos amadores tinham que ter “muitos quilómetros de palco”. Ou seja, ainda se apresentam poucos espectáculos em Cabo Verde.

O Festival Mindelact, todos os Setembro em S. Vicente, é a época alta da temporada teatral cabo-verdiana. Nele, em duas semanas, pode ver tantos espectáculos como nos restantes meses, e das 9 ilhas habitadas do arquipélago! Os grupos em actividade, sendo já conhecidos e tendo conquistado um público adepto, são cada vez exigentes.

Os cenários começam a ser mais ambiciosos, as necessidades técnicas maiores, os textos mais ricos e pertinentes. O querer muito não desiludir, obriga a 3 ou 4 meses de ensaio para pôr em cena um espectáculo, e dessa forma muito dificilmente se consegue produzir mais do que um, dois espectáculos por ano.

Mesmo assim é legítimo atribuir à cidade do Mindelo o título de coluna vertebral do teatro do país (com uma ramificação até à ilha de Santo Antão) e a partir da qual têm surgido as propostas mais interessantes e inovadoras, as iniciativas mais carregadas de significado e importância, onde existem os grupos mais organizados e mais activos.

Mindelo, é, pois, o centro catalizador do teatro em Cabo Verde, ponto de encontro e confronto de diferentes caminhos traçados por uma paixão comum.

Etapa terceira

“O teatro em Cabo Verde está a evoluir lentamente, apesar de saber que irá ter um futuro brilhante”
Ludmilla Évora in Inquérito Mindelact – Estudante. Formanda de Curso de Iniciação Teatral. 19 anos

“Nunca houve em Cabo Verde um incremento tão grande como o que se verifica agora”
Mário Matos in Inquérito Mindelact – Reformado. Historiador auto-didacta sobre teatro em Cabo Verde. 70 anos

“É preciso não deixar cair o Mindelact, criticando-o, debatendo-o, melhorando-o, juntando a ele para o reforçar a bem do futuro do teatro em Cabo Verde”
Leão Lopes in “O que poderá ser o Teatro no Futuro”, comunicação proferida no I Encontro Nacional de Agentes Teatrais, realizado em Setembro de 1996, no âmbito da segunda edição do Festival Mindelact. – Artista Plástico e Realizador

A criação da Associação Mindelact,e as suas actividades, de 1995 até hoje, justificarão o optimismo da jovem Ludmila e a grande confiança do Sr. Mário Matos, cuja citação é de enorme significado, quanto mais não seja por vir de um homem que tem um conhecimento alargado sobre o passado do teatro em Cabo Verde, principalmente do período colonial. É indiscutível que o aparecimento da Associação Mindelact – constituída por pessoas interessadas no desenvolvimento do Teatro em Cabo Verde – conseguiu dar uma outra dimensão ao teatro nas ilhas. Leão Lopes referia na já citada comunicação que “o Teatro em Cabo Verde, para responder à sede social e cultural que se tem dele, tem pelo menos de recuperar 60 anos de atraso em relação à literatura caboverdeana, o que só por isso e, sob o ponto de vista da criação artística, é estimulante”. Sendo claro para todos os agentes teatrais que urge recuperar esse atraso, não será redutor afirmar que de 1996 – ano em que estas declarações foram proferidas – até hoje, algum do terreno perdido foi recuperado, o Mindelact conseguiu, nestes anos de existência, tornar-se decisivo para dar alguma consistência ao teatro caboverdeano, que caminha, na minha opinião, a passos largos para a maturidade. A título de informação é importante referir que o primeiro festival com a sigla Mindelact ocorreu em 1995, ainda com um carácter regional, participando apenas grupos teatrais de S. Vicente e Santo Antão. No Mindelact 96, o Festival teve um cunho nacional pois já participaram 14 grupos teatrais oriundos de 5 ilhas do país, a saber, Sal, S. Nicolau, Santo Antão, Santiago e S. Vicente, esta última com mais de metade do total dos grupos participantes. Em 1997, o Festival foi organizado conjuntamente com a III Estação da Cena Lusófona (um programa de intercâmbio entre os países lusófonos, importante parceiro da Associação Mindelact) e, pela primeira vez, trouxe ao Mindelo grupos oriundos de outros países, como o Brasil, Portugal e Angola. Desde então nunca mais parou e hoje é o mais importante evento teatral da África Ocidental. Para além disso, a Associação tem promovido acções de formação, juntamente com as Câmaras Municipais, no sentido de incentivar cada vez mais pessoas para o teatro. A Mindelact tem ainda implantado um importante projecto editorial, com a edição de uma revista semestral, “Mindelact – Teatro em Revista”, e que tem sido, e visa continuar a ser no futuro, uma importante fonte documental e de estudo sobre o nosso teatro, com artigos de opinião, de estudo retrospectivo, de relatórios sobre acções várias na área da formação, com referência a todos os espectáculos que são apresentados em território nacional, com informações sobre os grupos teatrais em actividade e seus espectáculos, com artigos de apoio sobre as mais diversas áreas de estudo, como a representação, encenação, iluminação, entre outros. De destacar ainda o Centro de Documentação e Investigação Teatral do Mindelo, que promove o tratamento, conservação, catalogação e digitalização de todo o material referente ao teatro cabo-verdiano.

a invasão do lixo - Teatro Infantil do Mindeloa invasão do lixo - Teatro Infantil do Mindelo

O trabalho da Associação Mindelact é reconhecido pelos mais diversos quadrantes da sociedade caboverdeana, a começar pelo Governo, que vê na Associação o principal dinamizador do teatro crioulo e como tal, tem sido considerado um parceiro institucional desde a primeira hora, tendo já sido condecorado pelo Primeiro-Ministro. O mesmo acontece com as Câmaras Municipais, com destaque pela Câmara Municipal de S. Vicente, empresas locais e mesmo entidades estrangeiras, como o Centro Cultural Português do Mindelo e da Praia, a Fundação Calouste Gulbenkian e a Associação Cena Lusófona de Portugal.

Talvez por causa desta dinâmica, ou a partir dela, outras iniciativas e acontecimentos importantes têm vindo a acontecer organizadas por outras entidades, cujos exemplos mais felizes poderão ser as acções de formação promovidas pelo Centro Cultural Português do Mindelo (com cursos anuais de Iniciação Teatral, já com 13 edições, e pelos quais já passaram mais de 800 pessoas dos 13 aos 68 anos de idade). Encenadores estrangeiros com larga experiência na área do teatro disponibilizam-se para vir a Cabo Verde trabalhar com grupos locais, como já aconteceu com o italiano Lamberto Carrozzi, com os portugueses Cândido Ferreira. Miguel Lopes, Conceição Nunes ou Miguel Seabra. A Associação de Escritores Cabo-verdianos organiza concursos e prémios de dramaturgia, que vem de alguma forma tentar preencher um vazio quase total que se vem sentindo nesta área. O teatro cabo-verdiano vai estando cada vez mais presente fora do país, em Festivais Internacionais, ou a convite de grupos e Associações de cabo-verdianos da diáspora. O teatro cabo-verdiano foi, em 1996, premiado internacionalmente pela Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento do Mundo da Língua Portuguesa, ao atribuir o Prémio Teatral de Mérito Lusófono, ao Grupo do Centro Cultural Português do Mindelo, um dos grupos referenciais do teatro contemporâneo em Cabo Verde.

O aparecimento da Associação Mindelact é um marco histórico para o teatro cabo-verdiano. Os seus promotores tem dado provas de um dinamismo e de um saber fazer, que é inegável, porque feito de factos e de coisas que acontecem. Até parece fácil. Não é. Mas nem tudo o que parece é, e se parece fácil, é porque houve vontade de fazer, confiança mútua e competência comprovada por parte dos seus promotores e do público de uma forma geral, porque todos ficamos a ganhar com estas actividades. Tem-se acesso a mais e melhor teatro, tem-se acesso a mais acções de formação – formação, essa pedra basilar do desenvolvimento de qualquer sociedade, tem-se acesso a informação, fundamental para o progresso de qualquer actividade. Pode-se assim avançar, promover, criticar, melhorar, criar, ousar e fundamentalmente, continuar a sonhar.

as três irmãs - GTCCPMas três irmãs - GTCCPM

Etapa quarta

“O Teatro está-se a desenvolver em Cabo Verde: hoje há mais gente jovem no teatro, mais actores, a população vai mais aos espectáculos. Tudo isso contribui para desenvolver o teatro em Cabo Verde, na medida em que os seus promotores se sentem mais motivados”
Gracinda Fortes in Inquérito Mindelact – Estudante. Formanda de Curso de Iniciação Teatral. 19 anos

“O futuro de um teatro nacional em Cabo Verde, assenta no ensino da dramaturgia, na educação do actor, na preparação de técnicos, no estudo de obras quer sejam de autores nacionais, quer sejam de autores internacionais e ainda e fundamentalmente, assenta na representação de obras escolhidas sem deixar de referir uma prática sacrificada de quem decidiu fazer teatro a sua missão”
Leão Lopes in “O que poderá ser o Teatro no Futuro”, obra citada – Artista Plástico e Realizador

Fazer teatro em Cabo Verde é uma missão muito complicada. Apesar de tudo o que já se disse, é talvez mais fácil explicar o marasmo e a agonia porque passa o teatro em algumas ilhas do país, do que tentar entender como se consegue em Cabo Verde, com recursos tão escassos, autênticos milagres criativos, sustentados no crer e na capacidade de realização de alguns “lunáticos”, nesta paisagem que, coincidência ou não, nos faz lembrar por vezes a superfície lunar, tão despida e solitária, mas ao mesmo tempo tão electrificante e inspiradora. Os grupos sobrevivem como podem. Alguns vão montando espectáculos com as bilheteiras conseguidas em actuações anteriores, outros procuram em cada nova criação o apoio de alguns potenciais patrocinadores – tarefa essa ainda mais ingrata, pois sendo o teatro o parente pobre dessa família cultural que congrega todas as outras expressões artísticas, ainda existe a tendência, felizmente cada dia menos evidente porque ferozmente combatida, de se achar que o teatro mais não é do que um encontro de amigos para coleccionar anedotas ou estórias-do-arco-da-velha… O Estado, através do Ministério da Cultura, e o Poder Local, através das Câmaras Municipais, vão apoiando como podem, até porque têm muita gente a bater-lhes à porta.

E se é verdade que essas entidades poderiam apoiar mais, também é justo salientar que os pedidos de apoio não são sustentados com projectos credíveis, e porque ninguém dá dinheiro em quem não confia ou não conhece, tudo acaba por cair em saco roto. Os grupos teatrais, por muitas dificuldades que tenham, devem ser capazes de se tornar credíveis. E há duas maneiras: ou com uma “embalagem” bem elaborada e atractiva (o tal projecto), ou dando aos potenciais financiadores a prova daquilo que são capazes de fazer. A verdade é que poucos grupos em Cabo Verde têm tido essa capacidade de atrair financiadores, e daí as dificuldades, e mais do que estas, a tendência para cair no desânimo e no abandono.

A bilheteira é quase sempre escassa para o investimento realizado, tanto a nível material como humano. Isso tem pouco a ver com uma eventual falta de interesse do público, pois o interesse tem sido crescente, principalmente da camada jovem. Tem mais a ver com questões de mercado. Se quisermos comparar a situação de Maputo/Moçambique, por exemplo, onde existem vários grupos profissionais, sustentáveis por ganhos de bilheteira, com a do Mindelo/Cabo Verde, basta comparar as populações das duas cidades: Mindelo tem 50 mil habitantes, Maputo tem vários milhões. Em termos proporcionais, pode-se especular que a diferença em valores percentuais entre o número de pessoas que vai ao teatro não diferirá muito de um caso para o outro. Um grande sucesso de público em Maputo corresponde a vários meses em cartaz, no Mindelo, são 5 ou 6 actuações da mesma peça, o que por vezes não chega para pagar os custos do espectáculo, muito menos para preparar o próximo, menos ainda para pagar os actores ou profissionalizar um grupo teatral. Então, podemos afirmar que os grupos que conseguem contornar esta difícil situação são aqueles que se têm afirmado com maior consistência no panorama actual do teatro caboverdiano.

Por isso, em Cabo Verde os grupos teatrais lutam diariamente pela sua sobrevivência. Uma constatação que não deixa de ser curiosa pois é o mesmo que se diz quando se fala do caboverdiano, ou mesmo de Cabo Verde. Mais uma vez homem e teatro estão intrinsecamente ligados. Por ser o teatro caboverdiano feito e construído pelos seus homens e mulheres; por ser o teatro caboverdiano resultado primeiro das memórias, vivências, raízes e referências culturais do povo destas ilhas, transpostas juntamente com o corpo físico para onde quer que se dirijam (para as casas, para as ruas, para os ensaios, para os palcos, para os personagens) é que eu acredito que existe sim, um verdadeiro teatro nacional.

No Teatro, tal como na vida, o caboverdiano não desiste facilmente, mantendo-se fiel ao seu espírito de sacrifício. Como refere um jornalista que visitou Cabo Verde “aqui, pese embora todas as adversidades, mantém-se o deslumbramento”. No meio de tudo isto o Teatro cresce, ávido da sua própria maturidade, acompanhando o homem caboverdiano que é seu parceiro nesta caminhada, rumo à luta pela sua própria sobrevivência, ao prazer de viver e à utopia.

“Em Cabo Verde, o futuro do teatro, terá que ter hoje os pés na ilha e olho nas estrelas, como teria dito Baltazar Lopes”
Leão Lopes in artigo citado

por João Branco
Palcos | 20 Maio 2010 | Cabo Verde, Mindelact, Mindelo, teatro