PRIVATE Z(oo)M

TEMPO DE BICHOS

A múmia baça
o bolorento
o gri-gri tanso
a lagartixa

Modorra santa
de bicho lasso
no charco coaxa
o sapo ranço

 

UM GATO LÁ NO ALTO

Quando e onde
não me lembro
Mas o certo é que a gente falava
da cauda longa dos cometas
e do calor intenso das estrelas.

Meus olhos
estavam fitos no espaço
e de repente
vi um gato
pulando lesto e contente.
Eu juro  que vi um gato
saltando de uma nuvem para outra
até ficar oculto
num floco todo branco.
Confesso : tive cíume.
«Deixe esse trapo
e salte cá para baixo»
- Ía eu gritar ao gato
mas lembrei-me ainda a tempo
que a distância era muita
e que nenhum bichano entende
a conversa cá da gente.
Ainda que ele ouvisse:
o espírito do gato
é como o canto de um poeta
- não atende nem escuta
a ordem de ninguém.

Engraçado! Um gato lá no alto
entre os braços duma nuvem.
Talvez fosse
um bruxo disfarçado
ou a alma de um vate
vogando no espaço.

 


HOMENS CÃES (E VICE-VERSA)

Nos olhos
de certos cães
por vezes
aguarelas de ternura
quase humana
(até dói
não falarem)

Na face
de certos homens
tanta vez
um retrato
e plena luz
de cão perfeito
e feroz
(até espanta não ladrarem)

 

BICHO-GENTE
Numa lamela de sol
uma larva de fome
na fome da hora
uma hora de bicho
(homem ou larvabicho ou gente?)
Na fome da hora
uma larva estremecena
hora de bicho
um verme apodrece.
Arménio Vieira “Poemas 1971-1979”, imagens de Mito Elias



 

por Mito Elias
Mukanda | 5 Junho 2010 | Mito Elias, poesia