CANTO SUSPENSO para ler em Crioulo

olhar dentro de uma máscara Bijagó tubarãoolhar dentro de uma máscara Bijagó tubarão

Depois do trauma, de repente a Esperança reboca aquela energia que atira as verdades na denúncia do poder ilegítimo e brutal. Aparece a força da fala. Grande força. Explode a gritar pela Justiça. Pensa-se que vem logo. E demora. Às vezes até parece que a Justiça não vem.

Uma e outra esperancinha. É agora. Afinal não.

Chega então a energia fanática, filha da raiva. Antes que dêmos conta, já fizemos disparate. Isso não, paciência.

Quietos, começa-se a reparar. Ninguém minguou. As pessoas resguardam-se para poder continuar, e vemos que a alma cresce sim, ligada à Terra. Juntos, com Ela junto. Na esperança confiados.

As profundidades maiores da Guiné.

(Nós, as criaturas deste tempo aqui, os meninos dizem, de férias quase que parece,  não fosse a guerra andar aí a passear nos braços desses homens) 

Hóspedes-não-convidados.

Tem gente que vem acreditando, desde há muito tempo que pode ter a terra sem nós.

Não aconteceu. 

(Como haveremos de explicar claro-claro, aos meninos depois, sem as mentiras preciosas do mito? Olha lá, eles aí, sentados, à espera. Também fora, na lonjura a comer porcarias. Sem companhia. Muitos casacos. Sempre a tentar o caminho de solução. Não imaginaram nesse ir urgente como se ia suspender o canto.)

Hóspedes-não-convidados.

Outros caminhos, há, há.  A Terra sabe lidar com macaréus dementes. A Terra conhece os seus filhos e os seus hóspedes-convidados. Deixa circular os ocupantes como faz a certas marés. Mas conhece o cheiro dos umbigos dos seus filhos e receberá a flor que eles fizerem no Tempo, como recebeu as dores dos enxertos que a expandiram. 

As profundidades diversas da Guiné.

Agora Madjuandades inteiras de canto suspenso.

(Os  meninos sentados, não podem ver o futuro mas pressentem o sentido e a direcção da esperança. Olha lá, este aqui no comboio, pôs a musica no telemóvel e o olhar exulta, o som do crioulo vivo no telemóvel,  a ginástica maravilhosa do crioulo a demonstrar a energia da esperança, um círculo de graça a contar o que acontece,  o crioulo não fica à espera e diz. A Terra a vibrar atrás das palavras. O crioulo, próprio rosto da esperança.)

Há-de vir Setembro e o ciclo da água tão visível no céu. Vamos perguntar ao chão, mesmo lá:

- Quanto tempo demora a fazer a chuva? Chove. Beberemos dessa água. Agora estamos a crescer na relação com que há-de vir, é a Esperança.

As profundidades grandiosas da Guiné

Depois Madjuandades inteiras de canto aberto.

E a Esperança há-de rebocar o perdão. Porque de nada vale a justiça sem a misericórdia, como se tem visto neste Nosso Chão.

Agora a loucura da guerra nas cabeças. Macaréus dementes. Entraram dentro, interromperam a vivência e não abrem livros. Há um nome muito feio em latim para isto. Também em bijagó. As tradições vestidas  - por fora -  que não lhes conhecem a alma, nem os nobres protocolos.

As madjuandades sim. Respiram com a terra.

As profundidades vivas da Guiné.

Não é? Então.

graffiti numa rua de Lisboagraffiti numa rua de Lisboa

 

por Branca Clara das Neves
Vou lá visitar | 26 Maio 2012 | Guiné Bissau