Covil e chuva é a gente da nossa terra

Cara Marta,

Este Covid está a fazer estragos máximos e coisas boas. Voltei a escrever mais e escrevo assim para ti, para mim e agora até uma espécie de memórias - as que restam. Faz-me rir e sabe-me bem arrumar a casa por dentro. Estou no covil como todos.
O meu barco cheio de mossas teimava em não querer amarrar, por medo de portos e pessoas. Voltei mais uma vez de tempestades de vida, desta vez pela minha e não de outros. Puxei-lhe as cordas mas o raio da barca resistia. Olhei em volta e ninguém à vista. Passavam com máscaras alheios ao meu esforço. O mar estava ele mesmo, sem bem nem mal. Gritavam os megafones Stay Home, Stay Home. Eu queria responder Sim, Onde? Sim, Onde? O que é Home? Uma casa onde nos toleram? Ou o sítio onde somos felizes? Apetece-me gritar aos mil megafones Idiotas digam HOUSE, in your HOUSE. Home é algo mais que nem todos temos, aliás, talvez muito poucos. Quatro paredes, umas divisões, um fogão e, com sorte, salamandra. Sem aquela sensação de Home não estamos nem podemos ficar Home. Tudo o que fiz foi amarrar o barco e, com esforço, sempre. Quero navegar desde que me lembro. Esta itinerância de ser eternamente deslocado de um centro de adequação social. Sabes o que isso significa?
Neste domingo de Páscoa reparei, pela primeira vez, que a minha família de origem, onde estou, fez um esforço significativo para me receber e evitar os meus “mau-estares”. Fez diferença, acho, principalmente pelo reconhecimento de que há um issue real. Menos só. Muito menos só. O almoço foi bom, muito bom. A minha irmã aborrecida com tanta casa e tempo livre, dedicou-se com engenho ao menú do domingo e, como temos um jardim grande, que tem sido um alívio neste panorama, almoçámos no Alpendre com a sensação de “ar livre”. Fizeram um esforço e eu também, e até resultou, levemente a small step. A nossa cultura, apaixonada por comida, distrai a cozinhar nestes tempos, acaba por ser uma estrutura de dia-a-dia que se justifica por si. Temos que comer, né? Todos os dias. Eu cozinho bem, sempre cozinhei, por gosto, tantas vezes. Agora sim está a salvar a sanidade que me resta.
Choveu muito estes dias e, numa das noites, ouvi os sinos a tocar de forma nova, sem o protocolo de significados que o meu ouvido reconhece. Fiquei sem saber o que era, talvez um padre louco que se expressou através do sino. E, se nos expressássemos nos sinos além protocolo? Como seria pegar num instrumento tão antigo e com tanto alcance neste silêncio enorme em que anda o mundo e nos expressássemos? Livremente. Um a um em fila de máscaras e luvas, lá fossemos para todos nos escutarem tocar os sinos. Seria a igreja mais democrática. Que alegria seria finalmente tocar o instrumento que nos deixou a toque e em linha toda uma nação. Isso sim, chamaríamos lhe a revolução dos sinos. Todos em conjunto resolvíamos o porquê - Eu Toco Pela Música - Eu Pelo Amor - Eu Pelos Mortos etc… Eu tocaria pelo fim do capitalismo neo liberal e por uma comunidade mais sã e humana no trabalho, onde se perde ou ganha pão. Tocaria pela Vida e pelos seus direitos. Por Mim. 

Sino da igreja de Vitrolles, FrançaSino da igreja de Vitrolles, França
O barco custa a amarrar. Fico sem sonhos nem energias vivas. Ando por aqui a inventar tarefas e vou procurando trabalho online com outros milhões, agora. O futuro chegou mesmo depressa demais e nada me preparou a mim nem a ninguém para tudo isto. Condições ou doenças mentais, fábricas de comunicação, teletrabalho, hospitais de campanha, 15min de fama a enfermeiros portugueses, presidentes mediáticos, vazios de gente e ruído, concelhos fechados em si, lojas de vidro higiénico e empregados de luvas, filas para tirar senha para o supermercado, desinfetantes tantos quanto precisos e a estranha importância do papel higiénico. Tudo ao mais pequeno pormenor noticiado, como se a vida em si se transformasse num Hiatos e agora Home. 

Onde fica Home? deve ser a questão de muitos, não só minha. O grupo da GRIT ao qual pertenço, luta contra a queda brutal do grupo que é de risco e não me parecem saber o que fazem. Nem eu. Vamos inventando, como todos, como gerir a geringonça que é o mundo agora. Já nem dá para disfarçar, o discurso económico deixou de fazer sentido - tantos são os biliões que exigem os mercados para não findar o mundo como o reconhecemos administrativamente. Não conhecemos alternativas, mas tão pouco consigo ver e ouvir o Varoufakis a dizer pastelões. Que alternativa se apresenta? A China apresenta de base o partido central mas equivale a algo que também não queremos, nem o Putin. Eles próprios também nos mercados anyhow. Estamos perante o novo e esse novo deitou tudo ao chão. Todos. Curiosamente, também surgiu num mercado assim dizem as vozes semi-oficiais. 
O Boris foi parar a ala de cuidados intensivos. Segurou face junto dos ingleses, mas para um chefe de Brexit deve estar a pensar que ironia lhe ter calhado um enfermeiro português. Terá aprendido algo? Já sabe, mas é mediático e o que sabe não se aplica, só para as palmas. Enfim, esta é too close to home to comment. O esforço de fazer os ingleses mais continentais também a mim me calhou. Que ponte. Não foi pequeno. Ingratos! Fogem da criação do Banco Central Europeu - mas para onde? Daqui a Marraquech a NY a Pequin a seja onde for, está tudo tomado pela regras de mercados internacionais que não servem, mas também, não podem deixar de servir. Thus, vai mais biliões do nosso futuro para dentro deles. O capitalismo ou whatever tem que sofrer uma mutação ou colapsar, está a adiar uma situação, a empurrar com a barriga para a frente a sua queda. Sem a mesma não se transforma e estamos agora, e bem, a dar-nos conta de que o sistema alimenta-se a si mesmo para continuar a existir e vamos cair todos na asneira de nos expormos a uma avaliação tipo Covid - quem fica? Os pontos de valorização de esforço e vida já se fazem na ala de cuidados intensivos na Inglaterra. Contamos que mais do mesmo se estenda ou não? 
Amarrei finalmente o barco e saí a caminhar pelo porto a fora em busca de Home. O mundo está diferente, mas lá voltei ao facebook com novo nome e condição. Esta calma é forçada, mas além de situações mais complicadas também trás as questões mais pequenas ao de cima tal como as grandes. Que iremos escolher? A humanidade ou os sistemas? A nova tabela de valor de vida está lá na UK em funcionamento. Solução para a continuação dos mercados é descontinuar o apoio a TODOS e passar a tabelas. Isto enquanto se deita biliões como água nos mercados. A pessoa humana está a perder valor e os mercados a aumentar na tabela de caridade mundial. Nos Estados Unidos foram os seguros ali uma tabela. Na UK é mesmo idade. Inversão de valores yes of course. Uma recessão não é uma crise. Entender isto é importante porque fruto dela virão outras tabelas. Frankly dear I dont give a damn (comes to mind). Será um mundo mais frio o que habitaremos depois deste abalo que parece fofinho, mas a tabela despertou-me. Tal como aquele sino estranhíssimo por aqui, que ouvi de noite ainda acordado o suficiente para imaginar um padre New Age a tocar no sino o que lhe ia na alma e foi bonito. Estranhíssimo mas bonito. 
Finalmente o turismo, sem turismo temos menos paz. É isso mesmo. Baixam as rendas e sai muita gente para o mercado de trabalho, talvez até para melhores trabalhos, mas será menor a paz nos corações das pessoas, onde verdadeiramente importa. Ficaremos estranhos de novo e isso não é mesmo nada bom e acontece gradualmente sem aviso maior. Tudo o que temos comoway of life (culturas) está a mudar e irá mudar mais ainda, mas algumas destas mudanças podem retirar os invisíveis panteões de um projeto civilizacional. O Turismo não é brincadeira é the daily grind of Peace. As escolas não são meramente espaços de ensino e sim de sociabilização tal como o local de trabalho. Home? A Gulbenkian sempre foi uma espécie de Home para mim, tal como Southbank quando tive em Londres. Stay Home? Exacto! o familiar o que nos lembra quem somos o que andamos aqui a fazer. Os espaços públicos são Homes. A noção de público vem com eles. Sem eles, tal como sem o turismo, ficamos mais pobres e mais estranhos todos, uns com os outros e todos até com um simples vizinho. O maior custo desta pandemia, prevejo, será nos comportamentos e estados de sentir. Mi casa ya no es tu casa. Contagion de suspeita com ou sem net. Teremos os labs, as hubs, as summits e mais o que estes “novos suspeitos do costume” se lembrarem. Espaço públicos de negócio e autorização expressa para irmos a trabalho, simplesmente até lá. Não acreditam? ahahahahah.. eu também não. Mas, como sou maluco posso fazer destas. Gostava de pensar que o 9.11 tinha sido a grande pandemia de terror que chegou a ser cinematográfico, antes de assistir a estes dias. 
Não consigo perceber como é que o Bill Gates dá uma TedTalk sobre pandemia antes da mesma. O gajo ou é bruxo ou, como se diria no fado “dorme com ela na cama”. Um homem que se poderia interessar por tudo, sei lá, Ópera ou assim vai logo acertar na mouche. A Grécia agradecia o jeito, mas o que se passa é que andamos a ver estes grandes homens de riqueza interessados noutras coisas. Os nerds são uma nova espécie de bilionário, acho. O que sairá deles ando a ver. Os call centers não ajudam muito a olhá-los com esperança. Mais do mesmo! diria. Não! Muito pior. Foi tudo parar online né. Andam a escapar estes números aos analistas de TV. Online, em casa e a pedir take away. Onde é que já vi isto? Enfim, saudades da Gulbenkian. Estamos a ser obrigados pelo mundo a ficar nerds - que ironia. E, Marta, somos todos Trans. Já vais ver.
Que será da Mariza pá? É que não pára de Chover. (Saudades que eu tenho de ir ouvir um fadinho suave lá para Alfama - só depois das 2 da manhã.) Ouvir um fadinho um bem essencial mas os nerds não entendem isto pá! Aguardamos e dá-lhes chuva:


Que ironia, a nova era é a way of life do nerd. ahahahah!!!
Olha, Ó gente


Já cá estou e gosto muito de ti e dos camaradas de vida que eu e tu conhecemos I got it! I got it! Beijos.

por Adin Manuel
Mukanda | 16 Abril 2020 | Coronavírus, crónica, dias, Europa, trabalho