Tarrafa, um filme de Zezé Gamboa

Eu e o realizador deste filme, o Zezé Gamboa, somos da mesma geração e morámos no mesmo bairro, na Vila-Alice, onde em 1969/70 vimos os nossos mais velhos serem presos pela PIDE/DGS e desterrados para São Nicolau (no Namibe) e o Tarrafal (em Cabo Verde).

É assim que o filme começa com o Zézé a justificar que é dessa época/memórias que lhe veio o grande interesse para fazer a longa metragem “Tarrafal Terra Longe” que é o seu mais recente e bem sucedido (na minha opinião) projecto, que levou pelo menos dez anos a concluir. Acredito que será o grande filme da sua carreira e da própria cinematografia angolana na vertente do cinema documental.

Refere o realizador em voz off que, na época, era seu entendimento que a prisão e o desterro seriam apenas para indivíduos que cometiam crimes graves, não lhe passando pela cabeça que pessoas tão fixes como o Tininho, o Nado, o Caíto ou o Tó pudessem ter praticado maldades que tivessem que ser expiadas com tamanho e tão brutal castigo.

A proeza deste filme foi o Zézé ter conseguido reunir representantes de duas gerações distintas que passaram pelo Tarrafal para viajar com eles fisicamente de regresso a um passado que hoje já tem mais de 60 anos.

É com as memórias de Luandino Vieira e Amadeu Amorim (primeira geração) e Justino Pinto de Andrade, Alberto Neto e Jaime Cohen (segunda geração) que Zézé Gamboa gravou o filme no terreno do antigo campo de concentração do Tarrafal, que hoje está transformado pelas autoridades caboverdianas num museu histórico.

São depoimentos muito esclarecedores sobre os tempos em que em Angola era proibido falar política e em que todos quantos ousaram quebrar esta regra de força do colonial-fascismo português acabavam presos, violentados e deportados por longos anos, longe muito longe mesmo do conforto das suas comunidades. Quando a segunda geração chegou ao Tarrafal, a primeira já lá se encontrava há cerca de dez anos.

Particularmente emocionante é a passagem do depoimento de Justino Pinto de Andrade quando ele presta uma sentida homenagem aos seus companheiros de desterro, sem  citar o nome de ninguém, que já depois da independência e na sequência dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 viriam a ser presos, torturados e mortos em condições extremamente violentas pelos seus próprios camaradas da luta anti-colonial.

PS-É particularmente dinâmica a forma como ao longo do filme os depoimentos/memórias dos quatro protagonistas se entrelaçam trazendo-nos de volta a sua vida de reclusos no Tarrafal com todas as violências e provações que passaram, ao mesmo tempo que também somos transportados por eles para os tempos da clandestinidade quando em Angola se lutava contra o colonial-fascismo português a pensar que a Dipanda mais tarde ou mais cedo iria chegar. E não é que chegou mesmo e já se passaram 50 anos!A outra proeza que Zézé Gamboa conseguiu neste filme foi ter entrevistado em 2019 aos 109 anos de idade uma senhora caboverdiana chamada Nha Beba que viria a falecer duas semanas  depois de ter dado o seu extraodinário testemunho ao realizador, antes de mais pela sua lucidez.

Mais de um século depois, Nha Beba lembrava-se de tudo e de mais alguma coisa.Nha Beba viu o campo do Tarrafal nascer , “florescer” e ser encerrado nos dois períodos de vida em que o mesmo funcionou durante a ditadura salazarista que Marcelo Caetano prolongou até ao 25 de Abril de 1974, quando foi derrubado por um golpe de estado militar em Lisboa.

Presos Políticos de AngolaCampo de Trabalho de Chão Bom, 1961-1974
ABRAÃO CACHUMBOADÃO DOMINGOS MARTINSAFONSO FIGUEIRAAFONSO GOMESAGOSTINHO ANDRÉ MENDES DE CARVALHOALBERTO CORREIA NETOALCINO DE CARVALHO BORGESALDEMIRO JUSTINO DE AGUIAR VAZ DA CONCEIÇÃOAMADEU TIMÓTEO MALHEIROS DE AMORIMAMÉRICO ADÃOANDRÉ FRANCO DE SOUSAANDRÉ MATEUS NETOANDRÉ RODRIGUES MINGAS ANTÓNIO CAPITAANTÓNIO DIAS CARDOSOANTÓNIO FRANCISCOANTÓNIO JACINTO DO AMARAL MARTINSANTÓNIO JOSÉ CONTREIRAS DA COSTAANTÓNIO LAMBAANTÓNIO MARQUES MONTEIROANTÓNIO PEDRO BENGEARMANDO FERREIRA DA CONCEIÇÃO JÚNIORARMANDO JOSÉ CHILALAARMANDO AUGUSTO FORTESARTUR MENEZES CHINGULEAUGUSTO KIALA BENGUEAURÉLIO GARCIABELARMINO DE SABUGOSA VAN-DÚNEMBENTO QUIPAIABERNARDO LOPES TEIXEIRA (NADO)BERNARDO LOUREIROCAPONDECARLOS ALBERTO PEREIRA DOS SANTOS VAN-DÚNEM (BETO)CARLOS ANICETO VIEIRA DIAS (LICEU)CASSUPA SOUSACÉSAR DA SILVA TEIXEIRACÉSAR PEDRO CALIENGUECHIEMBELE RIVINQUICHIPOIA MAGITACOLÚVUA CASSUPADANIEL SAMANDADANIEL SONHIDAVA BENUHADIOGO JOSÉDOMINGOS MANUEL COQUITAEDUARDO ARTUR SANTANA VALENTIM (JUCA)EDUARDO JONATÃO CHINGUNJIEDUARDO SÁ MOURA DA CRUZEVARISTO ARMANDOEVARISTO MIÚDOFEBEL LUNGIÇAFELISBERTO GONGO BERNARDOFERNANDO COELHO CUGITOFERNANDO MOISÉSFERNANDO PASCOAL DA COSTAFLORÊNCIO GAMALIEL GASPARFRANCISCO CAETANOFRANCISCO MUTOGABRIEL FRANCISCO LEITÃO PEREIRAGARCIA LOURENÇO VAZ CONTREIRASGILBERTO ANTÓNIO SARAIVA DE CARVALHOHELDER GUILHERME FERREIRA NETOHIGINO AIRES ALVES DE SOUSAILÍDIO TOMÉ ALVES MACHADOJAIME GASPAR COHENJEREMIAS PEDROJOÃO FIALHO DA COSTAJOÃO JOSÉ CANANAJOÃO LOPES TEIXEIRAJOÃO LUCAS CUPOMBEJOÃO VISSOCAJOEL PESSOAJOSÉ CULUZAJOSÉ DIOGO DOS SANTOSJOSÉ DIOGO VENTURAJOSÉ FERNANDOJOSÉ MANUEL LISBOAJOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA (LUANDINO VIEIRA)JUSTINO FELTRO DA COSTA PINTO DE ANDRADELOTE SACHICUENDALOTE SOARES SANGUIAMANUEL BAPTISTA DE SOUSAMANUEL BERNARDO DE SOUSAMANUEL CHITOMBEMANUEL DOS SANTOS JÚNIORMANUEL PEDRO PACAVIRAMARCELO MICELOMÁRIO ANTÓNIO SOARES DE CAMPOSMÁRIO JAMBAMARTINS SACHELANATANIEL ALFREDO SANECAVONOBRE FERREIRA PEREIRA DIASNOÉ DA SILVA SAÚDEPAIVA DOMINGOS DA SILVAPASCOAL GOMES DE CARVALHO JÚNIORPEDRO CHIMBINDA GONÇALOSEBASTIÃO GASPAR DOMINGOSSILVA E SOUSASILVA NUNGASIMÃO CHITUNGOSOUSA ALFREDOTEODORO AUGUSTO KATIKILATEODORO CASSINQUETIAGO PEDROTITO ARMANDO DOS SANTOSVENTURA ANTÓNIOVICENTE JOSÉ DA COSTA PINTO DE ANDRADE

por Reginaldo Silva
Afroscreen | 9 Outubro 2025 | Justino Pinto de Andrade, luandino vieira, Tarrafal, zezé gamboa