Seeing Being Seen: territórios, fronteiras, circulações

Territorio (2016), de Alexandra CuestaTerritorio (2016), de Alexandra Cuesta

O olhar e os processos de rotação e de retroactividade do olhar são centrais na reflexão filosófica e epistemológica do século XX e do início do século XXI. Da fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty ao perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, passando pelas descrições fenomenológicas de Sartre, o pensamento dos modelos perceptivos e cognitivos alia-se a uma reflexão sobre as relações entre sujeito/observador e objecto/observado. Coloca-se a possibilidade de superar o quadro convencional binário da epistemologia e dos modelos de visão da modernidade europeia hegemónica.

Seeing Being Seen: territórios, fronteiras, circulações reúne um conjunto de filmes de cineastas latino-americanas em que o tratamento das noções dinâmicas de “território” e de “fronteira” — e do princípio de circulação subjacente — assenta num sistema de mobilidade e de retroacção do olhar. Esse sistema põe em xeque a relação dual e hierárquica entre as categorias de observador/observado, sujeito/objecto, humano/não-humano que estrutura o modelo epistémico e representativo dominante. Através de formas cinematográficas experimentais, os filmes do programa figuram situações sensoriais de exposição do observador ao olhar do outro, um “ver sendo visto”, experiências de co-presença próximas de um modelo de co-representação que excede o binarismo sujeito/objecto. Os processos de activação, agenciamento e circulação de pontos de vista (humanos e não-humanos: maquínicos, animais, vegetais, minerais) atravessam as obras do programa. Todas elas superam as representações coloniais da paisagem, da natureza e da figura humana, num quadro de reciprocidade e de desantropocentrização, aspecto fundamental num período de catástrofe ecológica iminente  — e de ameaça aos povos ameríndios.

I sessão, Sábado 7 de Março, 17-19h, Hangar

Projecção de Territorio (2016), de Alexandra Cuesta, 66’, Equador, seguida de conversa com a cineasta.

Cartografia poético-política do Equador da Revolución Ciudadana, Territorio (2016), de Alexandra Cuesta, descreve experiências do olhar e do acto representativo em que o sujeito de representação é investido pela visão dos objectos representados.
Filmada no Equador, a trajectória começa no oceano, atravessa as montanhas e chega à selva. O filme constrói uma experiência temporal em que a câmara fixa retrata imagens da geografia e das pessoas à espera de ser observadas. O percurso do filme desenha uma cartografia humana que procura alcançar um equilíbrio impossível entre a mirada alheia do viajante e a familiaridade empenhada de alguém que volta a casa temporariamente. A obra desenvolve-se como uma série de fragmentos. A vida é retratada frente a câmara e cada plano mantém o seu enquadramento. Da mesma maneira que Walter Benjamin descreve o efeito de exposição de longa duração dos primórdios da fotografia como a vivência dos modelos dentro — e não fora — do momento, em Territorio, a duração de cada plano convida o sujeito a crescer lentamente na imagem com o passar do tempo respondendo directamente à presença da cineasta.

Alexandra Cuesta

A obra da cineasta equatoriana Alexandra Cuesta combina a tradição do cinema experimental com práticas documentais. A realizadora investiga a reciprocidade do olhar nas representações audiovisuais. As imagens partem frequentemente da esfera pública para sublinhar a poética da experiência comum.

Os filmes de Cuesta foram exibidos em diversos festivais, museus e instituições culturais, tais como FID Marseille, The Museum of Contemporary Art Los Angeles, Viennale, BAFICI, Cinéma du Reel, FIC Valdivia, Fronteira, Image Forum Tokyo, Anthology Film Archives, Bienal de Cuenca, Courtisane, New York Film Festival, Havana.

MFA em Filme e Vídeo pelo California Institute of the Arts e BFA em Fotografia pelo Savannah College of Art and Design. 

Laureada com a Bolsa Guggenheim em 2018.

Raquel Schefer

Raquel Schefer é investigadora, realizadora, programadora e docente na Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris 3. Doutorada em Estudos Cinematográficos e Audiovisuais pela Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris 3 com uma tese dedicada ao cinema revolucionário moçambicano, é mestre em Cinema Documental pela Universidad del Cine de Buenos Aires e licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Publicou a obra El Autorretrato en el Documental (2008) na Argentina, bem como diversos capítulos de livros e artigos em Portugal e no estrangeiro. Foi Professora Assistente na Universidade Grenoble Alpes, docente nas Universidades, Paris Est - Marne-la-Vallée, Rennes 2, na Universidad del Cine de Buenos Aires e na Universidad de la Comunicación, na Cidade do México, e investigadora convidada na Universidade da Califórnia, Los Angeles. É bolseira de pós-doutoramento da FCT no CEC/Universidade de Lisboa e na Universidade de Western Cape e co-editora da revista de teoria e história do cinema La Furia Umana.

Hangar - Centro de Investigação Artística, Lisboa, Março-Abril de 2020.

por Raquel Schefer
Afroscreen | 4 Março 2020 | circulações, fronteiras, territórios