Uma galeria que (se) Ocupa de um Porto e da arte contemporânea

Ocupar-se e ser um lugar que se permite ocupar. É assim que a Galeria fundada por Alexandre Teixeira e Filipa Valente habita numa rua onde a paisagem se pinta crua e se resgata no meio de tantas outras. O antigo talho dos pais de Alexandre é agora ocupado pela criatividade, as diferentes formas de pensamento, a arte contemporânea e representa ainda um espaço que tem tanta vontade de (sobre)viver quanto de se fazer ocupar por diversos artistas que pensam, repensam e criam num espaço que os questiona continuamente. 

Bonfim é o local exato que assinala a OCUPA. “Numa zona outrora densamente habitada, em diálogo com o comércio e a indústria”, descrição fiel que ocupa uma das primeiras páginas do livro de comemoração de dois anos e meio de atividade, a galeria contorna aquela que é premissa que alimenta o conceito de galeria-cubo branco. Um lugar, um “contra-lugar”, considerado neutro e seguro, reveste-se de obras, instalações e intervenções artísticas que se constroem num lugar límpido composto por paredes de azulejo branco gasto, arcas frigoríficas, um montra e o que sobra para que o respiro de arte se manifeste.

Alexandre Teixeira, diretor artístico e um dos fundadores da galeria, que agora ocupa este lugar sozinho, no entanto, não está só. Abriu-nos a porta. Decorria a instalação de José Taborda, onde percorremos quilómetros através de uma experiência de visão nocturna quer pelo olhar quer pelos diferentes sons. O artista transformou o espaço num exercício de provocação da perceção onde foi possível fazer uma viagem ao que comumente não se sentiria ou se via. Este é, desde já, um dos diferentes exemplos pelo qual aquele espaço se deixa ocupar.

149,597,870 KM EM 7 PASSOS, exposição José Taborda149,597,870 KM EM 7 PASSOS, exposição José Taborda

Numa conversa que se fez guiar, vezes sem conta por diferentes caminhos, todos esses cheios de questionamentos e pontos de partidas para conversas outras, o jovem que desempenha o papel de programador e produtor - que reflete também a importância do significado destas duas palavras - fez uma viagem pelos cerca de dois anos e meio da galeria.

Uma galeria que se OCUPA e se faz ocupar

O início desta histórias que alimenta muitas outras nasce a partir de uma conversa com a Filipa, que se licenciava em Artes Visuais e Tecnologias Artísticas, em 2019, e o Alexandre em Gestão do Património, tinha acabado o seu curso estando a frequentar o mestrado naquele momento. “Era uma altura em que sentíamos que queríamos fazer alguma coisa”, começa. 

Vindo-lhe logo à memória o espaço que até então ocupava o Santo Talho, um antigo local que como o próprio indica era um talho, já sem grande exploração e que pertencia aos pais do Alexandre, o jovem juntamente com a Filipa deixaram o essencial para que o espaço se reinventasse. Acreditando que a piada deste percurso se prende também pelo facto dos seus pais considerarem que aquele seria um projeto de um mês ou dois que regista, hoje, mais de dois anos, Alexandre reconhece ainda que a OCUPA mostra ser, desde o seu momento inicial, “a vontade de fazer coisas que se gosta com a liberdade que estes projetos nos permitem dar e te permitem ter.”

'Sangria', exposição de Francisca Lima e João Neto'Sangria', exposição de Francisca Lima e João Neto

Assinalando-se no mapa dos novos espaços artísticos e culturais que abraçam coletivos de artistas, a galeria localiza-se numa zona considerada ‘fronteira’ de freguesias que, ao mesmo tempo, se aproxima de outros espaços que se dotam de artes, como é o exemplo do Espaço Mira, Ócio, entre outros espaços. 

Como um projeto curatorial dedicado à arte contemporânea, o Criatório foi um dos importantes passos que a galeria deu. Este que é um apoio anual à criação e programação artísticas no Porto. Não só permitiu à galeria receber diferentes artistas trandisciplinares como edições de artista como ainda continuar a realizar ocupações como foi o caso Escola Superior de Educação do Porto, com a exposição do Rui Mota, em 2020, que recebeu o Bastidor lá. O mesmo também se replicou na adega dos Concertos que nunca existiram, um festival em Alpendurada, no Marco de Canavezes e ainda no projeto Vice Versa, “em que trocamos de espaço com mais alguém”, explica Alexandre. 

Espaço como um impulso artístico

Reconhecendo a importância de espaços como a galeria Ocupa para que o artista possa criar partindo de um lugar experimental o espaço permite também diferentes visões. Questionado sobre a desmistificação de um espaço tradicional como “local” de apreciação artística, Alexandre reconhece que é importante existir diferentes locais e oportunidades onde a arte possa vivenciar-se e habitar, a “Instituição é super importante como estes espaços são super importantes. Este não é o cubo branco, mas isso não significa que o cubo branco não seja importante”, considera. 

Sendo um local que faz o artista pensar, o diretor artístico acrescenta que “este espaço (Galeria Ocupa) faz o artista pensar, isto é, mesmo que a exposição tenha sido pensada ou estruturada uns meses antes, quando te deparas com o espaço vais mudar coisas, porque há algo que não vai resultar.”

Tendo como base a galeria para a criação da obra, a maior parte dos artistas que apresentam o seu trabalho, concebem as obras no local, o que é também algo que se caracteriza pelo espaço.

A regra de não se fazer furos foi inevitavelmente ultrapassada e, por essa mesma razão, contemplar cada detalhe que marca a existência de algo ou alguém que passou pela galeria e deixou o seu rasto é também um momento de reflexão de um espaço que abraça a arte contemporânea.

As exposições “sujas” têm vindo a marcar a OCUPA, o que não significa que não esteja pronta para receber uma exposição mais “limpa” ou “documental”, como Alexandre determina. Já passaram por lá diferentes registos e todos eles se adaptaram a um espaço que se mostra pronto a recebê-los. A OCUPA é “muito isto!”, acrescenta com sorrisos orgulhosos. 

Com uma comunicação que se debruça através do mais realista, o jovem que está prestes a fazer 26 anos, alimenta também o espaço como o um local de sonhos e objetivos. Ao longo deste pensamento contornamos caminhos que se cruzavam com a importância da qualidade de vida e o seu custo, a nível nacional e internacional, a importância do desenvolvimento artístico e ainda como o poder fazer chegar ao público que o pretende olhar, adquirir, presenciar, entre muitos outros verbos que se adequam a uma contemplação intra.

Passando pela importância da programação nos diferentes locais do país, Alexandre reconhece que no interior a programação artística funcionaria bem de forma sazonal, mas sempre com um vínculo mais duradouro, desde o processo de criação, o culminar do artista, e relacioná-lo com as diferentes frentes “os pequenos municípios podem desenvolver coisas muito interessantes e importantes a longo prazo. O relevante não é ter um efeito propriamente imediato, mas sim que vá dando frutos.” 

Quem chega à OCUPA, normalmente, já conhece o trabalho do artista ou da artista que lá habita. Mergulhando no universo dos diferentes públicos, Alexandre partilha da visão que a galeria, localizando-se num sítio mais inusitado pode ser o ponto de partida para alguma coisa, mostrando-se mais próximo humanamente, no entanto, a pesquisa é algo que verificam em grande parte das pessoas que frequentam este espaço. “Normalmente as pessoas ou conhecem o artista que cá vem ou há uma curiosidade mais detalhada sobre o que pode vir a culminar o trabalho inacabado do artista, como já aconteceu”, acrescenta. 

Começando pelo amigo do amigo, a galeria OCUPA passou e passa para uma programação diversificada nacional e internacionalmente, dando e recebendo emoções proporcionadas por cada momento da exposição, desde a sua criação à inauguração e ao que de lá se poderá desenvolver. 

Com um conjunto de histórias que cada exposição e artista reservam ao espaço é também partindo da importância do papel do curador, programador e produtor que Alexandre menciona a necessidade de conhecermos o que cada um faz para que o seu entendimento seja muito mais sólido. O cerne da questão será esse. Depois disso, os passos tornam-se muito mais claros.

Fotografia da cortesia da Galeria Ocupa.

Artigo originalmente publicado por GERADOR a 3.01.2022

por Patrícia Silva
A ler | 3 Janeiro 2022 | arte, arte contemporânea, Galeria, porto