Amadú Bailo Djaló, Antigo combatente africano das forças armadas portuguesas: uma homenagem

Amadú Bailo Djaló é, até à data, o único antigo combatente africano das Forças Armadas Portuguesas (FAP) que publicou um livro sobre a sua experiência na Guerra Colonial portuguesa. Amadú tinha 70 anos quando o seu livro Guineense, Comando Português (1964-1974) foi publicado pela Associação de Comandos, em 2010. Este livro foi escrito a partir de um dos seus diários. Tinha, pelo menos, mais dois que desejava poder publicar um dia.

Amadú Djaló nasceu no dia 10 de novembro de 1940, em Bafatá, na Guiné ainda sob o domínio português. Frequentou a escola do Alcorão durante 3 anos, e uma escola católica localizada em frente à sua casa durante 2 anos. Com pouco mais de 18 anos pensou em alistar-se na tropa portuguesa para poder tirar a carta de condução, mas foi adiando essa decisão porque precisava de continuar a trabalhar para sustentar a sua família. Em 1962, foi chamado para cumprir o serviço militar português que cumpriu em Bolama, na especialidade condutor. Assim começou o seu percurso na vida militar. Foi incorporado a 9 de janeiro de 1962, ingressou nos Comandos em 1964 e foi desmobilizado a 1 de janeiro de 1975. Participou em inúmeras operações, foi gravemente ferido em combate por duas vezes e foi agraciado com a Medalha da Cruz de Guerra e com a Medalha de Dedicação e Mérito. Na aba do seu livro pode ler-se que, no dia 25 de Abril de 1974, Amadú Djaló “teve conhecimento pelo rádio de um milícia que tinha havido um golpe militar em Lisboa. Depois, aquela guerra acabou e começou outra, a luta pela sobrevivência na Guiné-Bissau. Preso mais que uma vez, foi escapando sempre até que, em 1986, veio para Lisboa”.

Conheci o Amadú Djaló no dia 13 de abril de 2007. Nesse dia, concedeu-me a primeira entrevista do meu doutoramento que resultou na tese Antigos Combatentes Africanos das Forças Armadas Portuguesas: a Guerra como Território de (Re)conciliação. Devo grande parte desse trabalho à generosidade do Amadú sem a qual a sua realização não seria possível, e por isso, e muito mais, lhe presto a minha homenagem.

No dia em que o conheci, o Amadú Djaló confessou-me que tinha dois grandes desejos por realizar na sua vida: o primeiro era o de publicar o livro da sua história de vida, que já tinha em manuscrito; o outro era o de conseguir a nacionalidade portuguesa para as duas filhas a quem faltava adquiri-la. Em 2010 vê publicado o seu livro, e em 2011 tinha conseguido que as suas duas filhas tivessem, finalmente, a nacionalidade portuguesa, depois de muitos anos de esforços e de alguns processos indeferidos.

Além desses dois desejos, o Amadú Djaló alimentava outro: o de regressar definitivamente à Guiné-Bissau. Queria regressar porque, embora fosse português, como fazia questão de frisar, a Guiné era a sua terra natal; era a terra onde tinha deixado as suas duas esposas, e a terra que lhe oferecia um clima mais favorável para a sua saúde debilitada. Mas, ao mesmo tempo, receava que na Guiné o seu passado na época colonial lhe pudesse, ainda, trazer problemas e, por isso, ia adiando o seu regresso à Guiné, ao mesmo tempo que projetava publicar um segundo livro.

Amadú Bailo Djaló foi oficial graduado do Exército português, numa companhia de comandos africanos na Guiné, e combateu durante onze anos nesse território. Muçulmano, de origem futa-fula, entrou para o serviço militar no dia 9 de janeiro de 1962, ainda a guerra não tinha ‘oficialmente’ começado, e permaneceu nas Forças Armadas Portuguesas (FAP) até ao dia 1 de janeiro de 1975. Foi promovido a 1.º cabo no dia 1 de janeiro de 1966, e a 12 de fevereiro de 1970 foi graduado Furriel. No ano seguinte, a 7 de novembro, foi graduado 2.º sargento e recebeu três louvores pela sua atuação em operações, um em 1966, outro em 1967, e o último em 1972. Em 1973, Amadú Djaló é condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3.ª classe, ano em que é graduado alferes.

Encontro dos Comandos | 29 de junho de 2008 | fotografia da autoraEncontro dos Comandos | 29 de junho de 2008 | fotografia da autora

Com a independência da Guiné-Bissau, Amadú Djaló escapou várias vezes à prisão e passou a ir com frequência ao Senegal. Ia ao Senegal não para se refugiar, como o fizeram outros antigos combatentes africanos para se protegerem das perseguições que começaram a sofrer a partir da independência da Guiné-Bissau, mas para tratar dos seus negócios de compra e venda de mercadorias. Residia em Portugal desde 1986. Partiu da Guiné pelos seus próprios meios e quando chegou a Portugal foi residir para a Associação de Comandos, com os outros comandos que já lá estavam. Em 1982, a Associação de Comandos, em colaboração com o Governo português da época, trouxe um grupo de 22 antigos comandos africanos para Lisboa. Estes foram inicialmente alojados pela Associação de Comandos em quartos improvisados na sua própria sede e, mais tarde, em habitações atribuídas pela Câmara de Lisboa. A Associação tomou a seu cargo as despesas das habitações até que os antigos combatentes conseguissem os seus próprios meios de sobrevivência, encarregando-se, também, da sua alimentação e da atribuição de um subsídio para os seus gastos pessoais. O Amadú Djaló viveu nesta situação, com o estatuto de imigrante, até concluir o processo que o considerou membro das FAP. Para poder usufruir da cidadania portuguesa, e obter a reforma pelas FAP, foi obrigado a requerer a nacionalidade portuguesa que perdera com a independência da Guiné-Bissau e, enquanto teve saúde, trabalhou como segurança e comprava cassetes de vídeo no estrangeiro, principalmente em Paris, que depois vendia em Portugal. Passados uns anos da sua estadia em Portugal, Amadú Djaló tornou-se um dos membros dirigentes da Associação de Comandos.

Amadú Djaló trouxe, aos poucos, os seus filhos da Guiné e viu-os partir, um a um, para Londres, para Espanha e para os Estados Unidos após terem adquirido a nacionalidade portuguesa. Amadú Djaló residia numa periferia de Lisboa, com duas das suas filhas e netos. A sua casa estava sempre cheia de conterrâneos, alguns antigos combatentes como ele, outros amigos da sua terra natal e que o visitavam com frequência, ou que residiam em sua casa temporariamente.

Como muitos antigos combatentes naturais da Guiné, o Amadú Djaló raramente usava trajes africanos ou sinais da sua pertença religiosa. Usava-os, por vezes, em ocasiões especiais ligadas à sua prática religiosa, nomeadamente no Ramadão, quando ia à Mesquita ou quando assistia a alguma cerimónia que, de algum modo, envolvia a sua religião. Nas cerimónias militares e nos encontros de antigos combatentes, ao contrário de outros antigos combatentes oriundos da Guiné, Amadú Djaló não tinha por hábito usar elementos que remetessem para a sua origem africana ou muçulmana, a não ser o almoço que levava de casa, ou a refeição especialmente encomendada para ele, para não correr o risco de comer carne de porco. Nessas ocasiões, Amadú Djaló raramente levava as medalhas que recebera pela sua participação na Guerra.

Mas, nessas ocasiões, não deixava de transportar outros sinais que denunciavam a sua pertença às FAP, tais como a sua boina e o seu crachá de comando, dos quais se orgulhava, como sucedeu na cerimónia do dia 29 de Junho de 2007 que assinalou um momento muito especial para os comandos da Guiné. Nesse dia foram descerradas duas lápides com os nomes dos comandos da Guiné fuzilados após 1974. Entre os homens que presidiram a cerimónia de descerramento das placas de homenagem estava o Amadú Bailo Djaló.

Amadú Bailo Djaló, faleceu no Hospital Militar, no Lumiar, em Lisboa no dia 15 de fevereiro de 2015. Tinha realizado o que mais desejava: a publicação do seu livro e a nacionalidade portuguesa para todos os seus filhos. Regressou à Guiné-Bissau onde foi sepultado.

Obrigada, Amadú Bailo Djaló. Descansa em paz, meu amigo.

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MEMOIRS é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) no âmbito do Programa-Quadro Comunitário de Investigação & Inovação Horizonte 2020 da União Europeia (n.º 648624) e está sediado no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

por Fátima da Cruz Rodrigues
A ler | 16 Novembro 2020 | forças armadas, guerra colonial, Guiné Bissau, Memoirs