Violência contra as mulheres

Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), coordenação nacional do Lobby Europeu das Mulheres (LEM), assinala o 25 de Novembro alertando que a violência contra as mulheres, em todas as suas formas, continua a ser uma das mais graves, persistentes e negligenciadas crises de direitos humanos

Os números não deixam margem para dúvidas, e são uma evidência da brutal dimensão do problema: uma em cada três mulheres no mundo já foi vítima de violência física ou sexual ao longo da vida (segundo o mais recente estudo da Organização Mundial da Saúde [1]) e as últimas duas décadas registaram pouco ou nenhum progresso na sua redução. Esta realidade exige ação urgente, firme e coordenada.

Em 2025, Campanha UNiTE das Nações Unidas coloca no centro da mobilização global uma dimensão de violência que cresce de forma acelerada: a violência digital contra mulheres e raparigas. No ano em que o mundo assinala os 30 anos da Plataforma de Ação de Pequim, estamos perante uma mutação da violência: a violência digital, alimentada pela misoginia, pelo ódio organizado, pela pornografia violenta e pelas tecnologias avançam mais depressa do que os direitos humanos.

Este fenómeno, que inclui violência com base em imagens [2], perseguição digital e campanhas de ódio, integra o  já conhecido ‘continuum de violência’ [3] contra raparigas e mulheres. Esta violência move-se, sem barreiras, entre o  online e offline, revelando a linha cada vez mais ténue que separa estas duas  esferas.

Neste contexto, importa recordar que a nova Diretiva da União Europeia relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica constitui um avanço decisivo no reconhecimento da violência digital como crime. Pela primeira vez, quatro formas de abuso online passam a estar claramente definidas como infrações penais: a partilha não consentida de material íntimo ou manipulado, o stalking online, o assédio online e o incitamento ao ódio ou à violência online. Esta Diretiva representa um passo significativo para reforçar a proteção das mulheres e raparigas face à violência baseada no sexo, mas exige ação firme: o Estado português deverá transpô-la para a legislação nacional até 2027. Apelamos, por isso, ao apoio e à promoção desta transposição, essencial para garantir que a ciberviolência é reconhecida, prevenida e punida como o crime que é. 

Afeta desproporcionalmente raparigas, jovens mulheres, defensoras de direitos humanos, jornalistas e mulheres na vida pública, que enfrentam um volume crescente de ameaças e ataques online, com o objectivo de as silenciar, intimidar e expulsar do espaço público.

violência digital aumenta igualmente o risco de violência física, económica e psicológica, constituindo uma forma de controlo coercivo que limita liberdades fundamentais e inviabiliza a participação política, social e económica plena das mulheres. 

Atualmente, menos de metade dos países do mundo têm legislação adequada sobre violência digital, persistindo uma enorme falta de mecanismos eficazes de denúncia e apoio. As plataformas tecnológicas, atores centrais neste ecossistema, continuam também a falhar ao nível da prevenção e da resposta a este fenómeno, permitindo que a violência se normalize. 

Desde 2023, a PpDM tem vindo a implementar o projeto bE_SAFE - Conscientização sobre a CIBERVIOLÊNCIA e defesa de um ambiente online mais seguro para raparigas e mulheres, nomeadamente através da formação de docentes, forças de segurança, serviços sociais e comunidades educativas. O relatório realizado no âmbito deste projecto, resultante de 27 grupos focais (189 crianças e jovens, e 102 docentes e pessoal técnico), aponta para uma normalização e banalização da violência online entre crianças e jovens, a qual tende a ser maioritariamente perpetrada por rapazes e homens (incluindo na violência entre si).

Independentemente da faixa etária, o relatório afirma uma percepção comumente partilhada quanto ao peso que a persistência de estereótipos sobre as raparigas e as mulheres, a sua sexualização e a pressão colocada continuam a assumir no favorecimento destas como principais vítimas da violência online.

Constata-se uma clara continuidade, reconhecida desde logo pelo/as jovens, entre a violência online e a violência presencial, as quais se assumem enquanto extensão de uma mesma dinâmica abusiva.

Não são, portanto, “problemas online”. São crimes reais, com impactos reais, que destroem vidas reais.

Em Portugal, é uma urgência crescente. O relato [4] sobre o aumento do consumo de pornografia cada vez mais violenta entre jovens, que começa cada vez mais cedo e molda perceções de sexualidade e relações de poder, alerta para a necessidade urgente de respostas educativas e preventivas robustas, que enfrentem a influência da pornografia na construção das masculinidades e na normalização da violência sexual. 

Não podemos ignorar que este fenómeno se reflete diretamente no aumento de comportamentos abusivos online e offline, alimentando dinâmicas desiguais entre mulheres e homens desde idades cada vez mais precoces.

Este 25 de Novembro, exige que passemos do reconhecimento à ação.

A violência digital contra mulheres e raparigas não é periférica. Não é “nova”. Não é “menor”. É estrutural. É sistémica. E serve interesses económicos, políticos e patriarcais.

Neste sentido, e em linha com o Relatório sobre a Ciberviolência contra as Mulheres (2024) do LEM, exigimos:

  • Que o Estado português assuma a violência digital como uma prioridade política nacional, com leis específicas, eficazes e aplicadas.
  • Que as plataformas tecnológicas,  que continuam a lucrar com o ódio, com o assédio e com a violência sexual sejam responsabilizadas e atuem sobre esta realidade.
  • Que se assegure uma educação sexual feminista, que enfrente a pornografia violenta, as masculinidades tóxicas e os padrões culturais que normalizam o abuso.
  • Que haja proteção efetiva para mulheres na vida pública, frequentemente alvos de ataques coordenados que pretendem expulsá-las da participação cívica e política.
  • Que seja feito um investimento real, contínuo e sustentável nas organizações de mulheres - , que são quem verdadeiramente apoia, acolhe, forma, denuncia e  transforma -, bem como um reforço da cooperação entre as várias entidades implicadas (intervenientes da UE, Estados-Membros, setor tecnológico, sociedade civil, vítimas, instituições nacionais de direitos humanos, organizações de direitos das mulheres, etc.)
  • Que se ponha um fim à impunidade.

     

A violência digital é violência real, e mata.

O 25 de Novembro não é apenas um dia de evocação. É um dia de luta.

Unimos a nossa voz à de milhões de mulheres e raparigas em Portugal e no mundo. 

Unimo-nos para acabar com a violência digital. Unimo-nos para acabar com todas as formas de violência contra mulheres e raparigas.

 

25.11.2025 | par martalanca | Violência contra as mulheres