Mural Sonoro

O Mural Sonoro surgiu há um ano. Encontrava-me a fazer uma pós-graduação em Estudos de Música Popular, no Departamento de Ciências Musicais da FCSH em Lisboa, pelo simples facto de que, à medida que ia pesquisando sobre música popular, ia sentindo necessidade de registar aqueles que são os principais protagonistas da música popular feita em Portugal nos últimos 40 anos.

A minha impressão, que ainda se mantem, era que as recolhas de uma ‘tradição oral’ estavam praticamente todas feitas e que a música popular num contexto de matriz urbano, mas onde inevitavelmente as ‘migrações internas’ (de ‘ruralidade’, interior do país), esse ‘mapeamento etnográfico e territorial’, já estava todo exemplarmente executado. A abordagem feita no período do Estado Novo, por vários etnógrafos e folcloristas que se dedicaram à documentação e ao estudo de repertórios locais de música e dança foi de grande importância. Muitos levaram a cabo pesquisa noutros domínios como a história, a etnografia, a arqueologia, a lexicografia, a poesia e teatro populares.
Além de estudiosos, eram compositores, escritores e regentes de bandas filarmónicas ou orfeões. A maioria exercia funções profissionais nas localidades onde desenvolvia a sua investigação. Destacam-se pelo seu contributo e impacte Abel Viana (Alto Minho e Alentejo), Campos Almeida (Beira Alta), António Maria Mourinho (Terras de Miranda, Trás-Os-Montes), António Marvão (Alentejo), Carlos Santos (Madeira), Fernando Pires de Lima (Douro Litoral e Minho), Jaime Pinto Pereira (Beira Alta), Manuel Joaquim Delgado (Alentejo), Joaquim Roque (Alentejo), José Maria Marques (região do Vouga), Júnior Pombinho (Alentejo), entre outros. A abordagem não tinha sido apenas nos âmbitos do mero registo, mas também nos campos etnográfico e musicológico, por indivíduos determinantes sobejamente conhecidos de todos os que se cruzaram com estes estudos ou abordagens, como Michel Giacometti (com a ajuda na difusão e entendimento musicológico de Lopes-Graça), Ernesto Veiga de Oliveira (com importância singular no tratamento conferido aos instrumentos tradicionais), entre outros.
Publicaram os resultados das sua pesquisas em cancioneiros, monografias e artigos em jornais periódicos e locais ou regionais. Alguns deles foram colaboradores do periódico ‘Mensário das Casas do Povo’ um dos meios utilizados, na verdade, pelo Estado Novo para uma espécie de doutrinação das populações rurais e para a intervenção no movimento folclórico nacional.

No entanto persistia, na minha óptica, uma debilidade informativa e de contextualização relativamente às experiências dessas migrações internas protagonizadas, no sentido desse enquadramento empírico, e das diásporas e/ou ‘migrações externas’. Estas mais não são do que as experiências transatlânticas, sempre presentes em Portugal (trazidas por países diversos que permaneceram ou permanecem cá há um tempo vital, enriquecendo-o com as suas ligações às músicas, aos instrumentos, à literatura e oralidade, etc) sem, porém, um trabalho de campo intensivo que se disponibilizasse a entendê-las, através dos seus personagens vivos mais expressivos, e as encadeasse nesse plano de pesquisa, relacionamento e interculturalidade (que na realidade, tem vindo a explicar determinadas evoluções e influências nos instrumentos, nas danças e rituais, nas manifestações culturais da oralidade e na música). Faltava arquivar. Faltava arranjar uma instituição capaz de preservar o registo de razões, experiências e saberes acerca da actividade musical em Portugal, com uma relação forte com as diásporas (sempre presente), e se associasse ao propósito. Porque me parecia que, apesar do Mural Sonoro estar alojado num Portal (com áreas, além desta a que chamei no Portal ‘Arquivo Sonoro’ e que constituem o propósito base deste trabalho, como ‘Questões Decorrentes’, ‘Organologia’, ‘Recepção Musical’ com textos de outros Autores: músicos, etnomusicólogos, construtores, pensadores da actualidade no âmbito), a comunidade merecia que este Arquivo estendesse o seu situar no Portal (muralsonoro.com) a um Museu, que passou a ser parceiro deste trabalho, onde estes registos ficariam disponíveis para memória futura.

Para não se gerarem mais equívocos sobre ‘um tempo’, ‘um espaço’, ‘afinações de instrumentos’, porquês, evoluções de práticas de carácteres diversos. Mas, sobretudo, porque me pareceu importante que esse Património Cultural, e musical em particular, fosse registado, nas vozes dos que o compõem. Para que a base de dados de que eu senti falta em ‘discurso directo’ dos vários intervenientes que deste Mural musical fazem parte, pudesse então compilar os registos sonoros que mais não são do que conversas entre mim e eles. Interessava-me que esse arquivo pudesse servir outros voos e evoluções para actuais e futuros investigadores, compositores, autores, músicos e musicólogos, sociólogos, antropólogos, museólogos ou historiadores, mas especialmente a comunidade sem ligação directa à música, no sentido de a aproximar da realidade no campo musical operado em Portugal – com autores de cá e de outros pontos geográficos que também o formam, músicos profissionais, dinamizadores culturais diversos – nas últimas quatro décadas diminuindo o fosso gigante entre essa realidade e o público. Enriquecendo-o, dando-lhe ferramentas preciosas, que a mim me têm, confesso, enriquecido e até surpreendido em alguns momentos, levando a repensar algumas legitimações discursivas sobre determinados assuntos que me acompanharam durante anos, incentivando um apreço cada vez mais qualificativo acerca da música popular, da etnografia e ‘das musicologias’ e sociedade.

A meu ver o trabalho de campo tem de conter uma observação participante, ser inclusivo, mantendo opções metodológicas que se liguem intrinsecamente a quem realiza a pesquisa, mas também à disponibilidade de ambos – de quem recolhe, questiona, interpreta e de quem é etnografado, exposto a essas problemáticas e descortinar, o meu único receio era o do perigo que poderia dificultar esse método: a etnografia quando amarrada a uma só disciplina/método poder condicionar e/ou dificultar a relação interpessoal entre etnógrafo e etnografado. Exactamente por ter presente isso, e também o facto do trabalho autoral ser claramente influenciado pela visão, vivências e vontades do próprio autor (não sendo isso nem bom nem mau, mas o que na verdade é), que provavelmente o Mural tem vindo a conseguir, em passos firmes, pequenas grandes conquistas no atingir do seu propósito basilar.

O Arquivo do Mural Sonoro (que vai estando disponível no Portal na área/secção já mencionada) estará a partir deste ano presente na pasta Arquivo Mural Sonoro no Museu da Música (parceiro do Projecto) e, com prévia marcação, pode ser consultado, nele encontra conteúdos dessas conversas, acerca de organologia, materiais, instrumentos, discos, práticas coreográficas/performativas associadas a algumas das formas musicais com enfoque na diáspora e migrações, sobre o papel do interveniente musical no espaço social e no espaço nacional e transnacional.

Porém, na Pasta do Arquivo Mural Sonoro no Museu da Música e no portal, também se poderão encontrar algumas das iniciativas, registadas nos tempos em que ocorrem, como tertúlias de entrada livre sob temáticas distintas (uma vez por mês, sábado ou domingo, durante o ano de 2013) com três intervenientes que já farão parte, à altura do debate, do Arquivo Mural Sonoro. As temáticas diversas durante o ano de 2013, prendem-se com uma questão, pela sua predominância nas conversas/recolhas efectuadas.

Temáticas como: ‘Músico Profissional que Futuro?’, ‘Viver a Música a Partir da ‘’Periferia’’ (?)’, ‘Música e Sociedade’, ‘Paisagens Sonoras em Contextos de Dáspora’, ‘Instrumentos Tradicionais e Sua Construção’, ‘Tecnologias da Produção Musical’, entre outras, por onde passaram e passarão intervenientes do Arquivo, como: Aurélio Malva, Nataniel Melo, Mário Correia, José Mário Branco, Carlos Barretto, Tozé Brito, Chullage, Fernando Girão, António Avelar Pinho, Batucadeiras, Rão Kyao, Sebastião Antunes, Marta Miranda, Paulo de Carvalho, Amélia Muge, Vitorino, Manuel Rocha, Carlos Guerreiro, Mísia, Artur Batalha, entre muitos mais.

 

O Mural Sonoro tem também uma proposta pensada e apresentada na qual algumas recolhas musicais e entrevistas seleccionadas poderão estar no  espaço público, neste caso, na rua. Proposta essa que está por fechar com algumas entidades, mas que tem como fim a disponibilização de algumas das recolhas na área geográfica em que habito (e não só, na medida em que gostava de estender essa possibilidade às áreas geográficas dos intervenientes/protagonistas do Arquivo).

As recolhas para constituição de Arquivo são todas em áudio, por um único motivo: senti que o descomprometimento com a actividade cultural e musical eram tão grandes, que era necessário (re) incentivar as pessoas à audição, a escutarem a essencialidade das conversas, a importância de ouvir os autores, de escutar os sons, de nos apercebermos até do silêncio, do ruído e das paisagens sonoras envolventes. Mas, onde o registo fotográfico marca o momento, assinala-o, situa-o nos tempos e espaços em que ocorre.

 

Curiosidades

Das apresentações do Projecto, sob formas diversas (tertúlia, concerto, workshops), contam-se:

O ciclo África Move no Festival Escrita na Paisagem, em Évora

O ciclo musicAtenta no Intendente

Documentário sobre Música Popular em contexto de diáspora (em gravação desde 2011)

Aulas e Ateliers de Música Criativa dadas por músicos profissionais moradores na zona da Almirante Reis a partir de Fevereiro

 

por Soraia Simões de Andrade
A ler | 6 Março 2013 | arquivo, mural sonoro, música portuguesa, recolha