Pré-publicação | Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

Pré-publicação | Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem Começou por me dar um banho no qual flutuavam raízes fétidas, deixando a água escorrer ao longo dos meus membros. Em seguida, fez-me beber uma poção da sua lavra e atou-me à volta do pescoço um colar feito de pedrinhas vermelhas. — Hás-de sofrer durante a tua vida. Muito. Muito. Estas palavras, que me mergulharam no terror, pronunciou-as com calma, quase a sorrir. — Mas vais sobreviver. Isso não me consolava! Ainda assim, emanava uma tal autoridade da pessoa curvada e enrugada de Man Yaya, que eu não ousava protestar. Man Yaya ensinou-me as plantas. Aquelas que dão o sono. Aquelas que curam as chagas e as úlceras. Aquelas que fazem confessar os ladrões. Aquelas que acalmam os epilépticos e os mergulham num bendito repouso. Aquelas que metem nos lábios dos furiosos, dos desesperados e dos suicidas palavras de esperança. Man Yaya ensinou-me a escutar o vento quando ele se levanta e mede as suas forças por cima das cubatas que se prepara para esmigalhar. Man Yaya ensinou-me o mar. As montanhas e os montes. Ensinou-me que todas as coisas vivem, têm uma alma, um sopro. Que todas as coisas devem ser respeitadas. Que o homem não é um soberano percorrendo o seu reino a cavalo.

Mukanda

27.08.2022 | por Maryse Condé

Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem

Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem A constante desumanização das pessoas escravizadas é aqui desconstruída à medida que pela voz de Tituba (Eu, Tituba, Bruxa ….Negra de Salém) a história do mundo e das zonas de contacto (Mary Louise Pratt) no século XVII se tornam percetíveis. Há neste livro de Maryse Condé a instalação de um processo de rutura que subverte a tradição literária dominante e instaura uma nova identidade e uma capacidade de negociação entre margens e centros. Tituba, mulher de múltiplas iniciações, acrescenta à história a voz dos que não costumam falar, dos que não constam da história a não ser como estatísticas. Tributária do sistema de pensamento e cura Obeah (Obi) usa os seus poderes para curar, proteger e amar. Confessa-se Bruxa e servidora porque não há outra maneira de ser entendida pelos juízes que a julgam. Sabe que o espaço do meio que conhece não pode ser percebido pela cultura dominante e pela histeria coletiva que dominou a terra onde vivia.

Mukanda

03.08.2022 | por Ana Paula Tavares