Pourquoi les poissons s’envolent

A ideia de que os peixes fogem das águas do Delta do Saloum por causa do ruído não é minha. É a ideia usada por Lamine, um piroguier, para me explicar parte das mudanças em curso nesta zona costeira do Senegal. O ruído a que se refere é sobretudo o dos motores das pirogas, dos muitos pescadores que acorrem para tentar a sua sorte aqui. Mas há mais ruído. Esta paisagem sonora começa às 5 da manhã, quando a insónia é alimentada pelo forte rumorejar das águas, num pequeno hotel à beira do rio, os melhores registos sonoros parecem acontecer sempre às cinco da manhã. À minha volta tudo parece dormir, apenas as águas estão acordadas, a esta hora não escondem a agitação. Entre as 5 e a 9, vou captando o crescendo da atividade, enquanto oiço os batimentos da construção da ponte que ligará Foundiougne a Fatick, o que singifa uma ligação mais rápida entre a zona da Petite Côte e a fronteira com a Gâmbia em Karang. Esta ponte, oferecida pelo Governo chinês1, na qual trabalham operários chineses que bebem cerveja no mesmo bar que nós, significará também mais barulho. O som dos trabalhos da ponte são apenas a metáfora, num lugar conhecido pela sua biodiversidade, transtornado pela incessante exploração dos recursos, pela ideia de desenvolvimento e otimização da mobilidade humana. Assim, a paisagem sonora de crescente perturbação é uma interpretação minha das palavras de Lamine, onde se misturam o sentido que essas palavras ganharam e o meu propósito de prestar atenção ao som que ali me levou. No Saloum, o elemento dominante é a água, é dela o sustento, e é também nela que se manifestam as contradições das mudanças.

 

“O ruído pode ser particularmente intrusivo quando interfere com a perceção de sons complexos e com as capacidades comunicativas de animais e humanos, nos seus ambientes naturais. Aqui, entende-se por comunicação o sentido mais genérico de recolha de informação crítica para o bem-estar, saúde, e preservação tanto de indivíduos como de populações. Tal inclui a capacidade de localizar e identificar eventos importantes e entidades no ambiente mais próximo ou afastado (tais como predadores, presas e afins), e interpretar o estatuto e estado de saúde dessas entidades. Todas essas funções do ‘ouvir’ podem ser negativamente impactadas por sons irrelevantes (i.e. ruído) que têm características acústicas com algumas comunalidades com os sinais relevantes” (Dooling et al, 2015).

 

 

  • 1. Dooling, Rober J and Marjorie R. Leek and Arthur N. Popper. 2015. “Effects of noise on fishes: What we can learn from humans and birds”, Integrative Zoology, 10 (1), pp. 29-37.

por Ricardo Falcão
Afroscreen | 11 Abril 2020 | Foundiougne, Saloum, Senegal, Soundscape