É Dreda Ser Angolano
É dreda ser angolano é um mambo tipo documentário inspirado no disco Ngonguenhação do Conjunto Ngonguenha. É mais uma produção da Família Fazuma. Aqui fica uma entrevista via email com o Pedro Coquenão sobre o Mambo (o filme), a Família (a Fazuma) e a Banda (Luanda).
Podes começar por apresentar a Família Fazuma?
A Fazuma tem sido uma bolha de criatividade e comunicação que, relaxadamente, tem conspirado projectos próprios e promovido outros. Semanalmente temos os programas “Música Enrolada” e “Música Quebrada” na RDP África e Antena 3, no passado tivemos a produção, edição ou humilde apoio de alguns discos e concertos. E também a produção vídeo de clipes, mini docs e doc, tudo na área da música negra de raiz, de fusão ou urbana.
E o projecto É Dreda ser Angolano, como surgiu?
Surgiu da urgência de dar o devido espaço ao disco de estreia do Conjunto Ngonguenha, e da afinidade natural que surgiu entre mim e o Ikonoklasta que, para além de ser um dos poetas do Conjunto, no processo acabou por se tornar num elemento da Fazuma. Pensámos inicialmente num vídeo, com making off com informação e contexto social. Mas conforme reunimos material, pareceu-me que teríamos de dar espaço às pessoas e à cidade e menos à banda. O disco foi a inspiração, mas os protagonistas são todos os artistas e populares que nele participam. Surgiu sem apoios, nem tripé, mas com muito amor pela música e por Angola.
Já o Conjunto Ngonguenha trabalhava a partir da estrutura de uma emissão de rádio, que importância tem a Rádio em Angola?
Esse foi o nosso ponto de contacto. O Ikonoklasta escutava as emissões da Fazuma antes de nos conhecermos e eu gostei muito desse detalhe no disco também. Mais tarde fiquei a saber que também ele tinha tido uma experiência radiofónica. Para além de ser algo que pessoalmente tínhamos em comum, a rádio continua a ser um meio muito importante para todos em África, não só em Angola. Penso que a razão principal, para além da tradição, é ser mais acessível, em termos de logística e financeiros, do que a televisão ou a net. É o lugar onde todos se podem “rever”. Talvez por ser ainda tão importante, não haja rádios totalmente livres da influência do estado, por exemplo. Mais do que existirem estações temáticas musicais ou estilos diferentes, existem as estações do estado, a da igreja e a da oposição. Talvez por ter ainda um papel tão protagonista, não se tenha ouvido muito Conjunto Ngonguenha na rádio e já houvesse quem fosse dispensado por passar Mck. Mas há preciosas excepções, claro. E o caminho será o da inevitável abertura.
No filme É Dreda ser Angolano a narrativa assenta num programa de rádio e a imagem passa-se numa viagem de Kandongueiro. Podes explicar um pouco a importância do kandongueiro como divulgador da música angolana? do Kuduro?
O lugar onde todos ouvimos mais música será eventualmente no carro e o kandongueiro é o meio de transporte mais usado em Luanda. Sendo a rádio essencial, muitas vezes é secundarizada pelo leitor de cds no táxi. Muito por culpa própria, pois não há rádio que avance tantas novidades como um bom taxista. Algumas em primeira mão. Do produtor para o condutor, o Kandongueiro assume-se assim como um influente Dj que atinge centenas de pessoas por dia, com isso, consegue influenciar a divulgação e promoção de artistas. É um dos actores principais.
É também visível uma abordagem ao mercado informal, à pirataria. Achas que estes processos informais (no caso da música de criação, produção, difusão) são o que permite a sua liberdade criativa?
Eles são uma consequência da expressão dessa liberdade. Com tanta música a ser produzida, nem toda com direito a editora, tem de haver meios alternativos e mais democráticos para escoar tanta ideia, energia e vontade de se mostrar ao mundo. A pirataria aparece numa primeira etapa da promoção e aparece também na última com a venda dos mais populares. Mas o factor importante aqui é o do papel de promoção e divulgação de novos artistas. Quase que formal. E há histórias de artistas que oferecem e até pagam para figurar nas compilações piratas.
O filme acaba por ser uma exposição das preocupações e dificuldades do quotidiano angolano. Assim como o Hip Hop e Kuduro mais consciente podemos “ler” este vídeo como filme de intervenção. Como contextualizas esta acção?
É algo que surge naturalmente. A arte e as ideias, para além do potencial de entretenimento, podem ser óptimas ferramentas para provocares, intervires, expressares preocupações ou exorcizares demónios. Neste caso, a acção aparece por afinidade, proximidade, naturalidade. Porque criativamente é mais interessante/útil de ser feito. A música que mais nos atrai tem esse carácter. Sem agenda política. Partidária. O mambo tipo documentário foi feito como uma declaração de amor e de amizade. Nesta caso à música, aos artistas e também às pessoas. Daquelas que se fazem já com anos de relação e onde se exigem melhoras.
A figura do Shunnoz, através da ironia, mostra um jovem angolano a manifestar o seu diagnóstico social. Há algum veículo para estes jovens se expressarem e serem levados mais a sério?
O Shunnoz é levado muito a sério por nós. Ele tem uma história de participação em encontros de poetas e mc´s, de intervenção social através da arte. É, a esta altura, um estilista incontornável em Luanda. Tem sublimado a sua forma de comunicar, parece-me.
Ainda não há rotinas formais e não elitistas de promoção ou apoio. Digo não elitistas porque levar tudo muito a sério e colocar a arte em exposição para pessoas viajadas verem, não é o mais importante neste momento. O mais importante parece-me ser fazer desse cultivo algo mais democrático e acessível para todos.
O veículo mais eficaz tem sido o da própria auto-afirmação, no meio de um dia-a-dia em que se luta pela sobrevivência. Seja através de uma rima, uma dança, uma forma de vestir ou até de se expressar oralmente na linguagem inventada que usa. Pelo caminho também falta levar a sério a saúde e a educação das pessoas.
Concretizando, relativamente a críticas sociais, há um circuito de rap consciente que tem crescido muito. Já vi o MCK e o Ikonoklasta a cantarem para 150 pessoas há uns anos e, este ano, já os vi com uma plateia de três mil.