Cine-Teatro Monumental - Palco de memórias

É um marco da cidade de Benguela que surge graças ao espírito empreendedor das suas gentes. Depois de conhecer o brilho da ribalta e o abandono, o Cine-Teatro Monumental tenta renascer das cinzas… pelas mãos de um ex-futebolista.

Há quatro anos, Osvaldo Cruz abandona a carreira de jogador de futebol (em Portugal joga em clubes como o Salgueiros e Académica de Viseu e entre 1995 e 2003 veste por diversas vezes a camisola da selecção angolana) e regressa a Benguela com uma ideia em mente: reabrir o Cine-Teatro Monumental e transformá-lo na grande casa que fora no passado. Jony, como é conhecido, cresce mesmo em frente ao Monumental e é ali que ganha o gosto pelo cinema. Quando se retira do futebol, aos 34 anos, estabelece um contrato de exploração com a EDECINE (Empresa Distribuidora e Exibidora de Cinema) e põe mãos à obra.

O Cine-Teatro Monumental nasce no início da década de 50 fruto de uma iniciativa “puramente benguelense”, como se orgulham na altura as gentes de Benguela. Inconformadas com a inexistência de uma grandiosa casa de espectáculos na cidade, organizam-se e criam a Empresa de Turismo e Propaganda de Benguela – Probenguela. À frente estão três ilustres conterrâneos – António Augusto Durães, António Pereira Marques e Eduardo Marques Centeno, o principal impulsionador. Álvaro de Almeida, Monterroso Carneiro e José Pereira Branco são outros nomes associados à empresa que constrói o cine-teatro.

O projecto é do arquitecto Fernando Batalha – um edifício moderno e amplo com palco, camarins, plateia para 884 lugares, 16 frisas, átrio, bilheteira, escritório e vestiários no primeiro piso; nove camarotes, balcão para mais 416 lugares, galeria e salão nobre no segundo; cabine de projecção e sala de bombeiros no terceiro e último andar. Salvo pequenas alterações, a estrutura mantém-se próxima à idealizada por Fernando Batalha.

A inauguração oficial acontece na noite de 10 de Junho de 1952. “Faltavam ainda alguns acabamentos, mas foi um sucesso”, recorda António Jardim, 70 anos, projeccionista no Monumental durante 30. A fachada principal do novo cine-teatro – branca e em “cantaria da colónia” –  dá para a Avenida Marechal Gomes da Costa, hoje Avenida 10 de Fevereiro. A nata da sociedade benguelense comparece elegante à cerimónia. A imprensa local descreve “o entusiasmo geral e justificado”. O primeiro filme projectado é “Uma Rapariga às Direitas”, do italiano Vittorio De Sica, em película de 35 mm a preto e branco. “As senhoras e meninas – tantas eram e tantas, tão encantadoras tem a Benguela de hoje, como teve sempre – sofreram aquele enlevo de alma, ledo e cego de Tereza, a protagonista”, lê-se em “O Lobito”, edição de 13 de Junho de 1952.

O Cine-Teatro Monumental rapidamente ganha prestígio e simpatia. Torna-se o centro da vida cultural e recreativa benguelense. As matinés de domingo são um sucesso. “Enchiam sempre”, conta António Jardim. O antigo projeccionista lembra-se também do sucesso que faziam as companhias de teatro de revista e as actuações de Vasco Santana e António Silva, entre tantos outros.

Recorda igualmente quando a 26 de Junho de 1956 o Monumental (em simultâneo com os cinemas Restauração, em Luanda, e Ruacaná, na então Nova Lisboa, hoje Huambo) inaugura em Angola um novo sistema de projecção – o cinemascope. A “nova e revolucionária técnica” é apresentada com o filme “Príncipe Valente”, de Henry Hathaway.

Durante largos anos, o Monumental é o único cinema a funcionar em Benguela. Só mais tarde surgem o Cine-Benguela e o Kalunga. Na altura da independência, passa a ser propriedade do Estado e após décadas a marcar gerações, entra em decadência durante a guerra. Em 2004 volta a abrir as portas. O primeiro filme projectado, em DVD, é “Matrix”. A casa enche com bilhetes a 50 kz, mas o preço é incomportável e a afluência diminui.

Jony tem feito pequenas obras para apagar os traços do tempo. Reconhece que é preciso mais, mas “ainda é prematuro fazer investimentos elevados”. Primeiro o público tem que “recuperar o hábito de frequentar o Monumental”, afirma.

São sobretudo jovens como António Diquito que frequentam o cine-teatro. Considera o Monumental “muito importante para a cidade porque diverte e entretém a juventude”, mas gostava que “tivesse novos cenários, mais luzes e bar aberto para comprar pipocas”.

O bar está a ser remodelado e abre em breve, o resto ainda demora. Só para substituir as velhas e pesadas cortinas do tempo colonial são necessários 5 mil dólares. “Tem que ser aos poucos”, diz Jony. A fachada, entretanto, já foi pintada de fresco.

Os filmes de acção e os nacionais são os preferidos do público. As sessões são às sextas (21h30) e aos domingos (19h30 e 21h30), com bilhetes a 200kz. Os sábados normalmente são reservados ao teatro (preço à volta dos 500 kz).

Seja qual for a história em cartaz, uma história merece ser lembrada - a do próprio Monumental, que resulta do empreendimento de gentes de Benguela e que lá está à espera de se tornar de novo no grande palco que orgulha aquela cidade sulana.

in AUSTRAL nº 67, artigo gentilmente cedido pela TAAG - Linhas Aéreas de Angola.

Fotos: Maria João Falé

por Maria João Falé
Afroscreen | 25 Novembro 2010 | angola, Benguela, cinema, património