Um êxodo fictício a saborear no rescaldo das revoluções árabes

Em 1963 a França, no auge dos seus “trinta gloriosos”, vai recrutar trabalhadores à Tunísia para responder à insuficiência de mão-de-obra no país. É assim que os trabalhadores tunisinos, jovens e másculos, vão penetrando no solo francês e nas estatísticas como uma nacionalidade discriminada. De 50 mil em 1975 a 200 mil em 1990, engendrou-se a abertura de um corredor migratório enquanto surgia uma retórica de encerramento das fronteiras europeias. A França pôs e dispôs de uma mão- de-obra vulnerável, relembrando os bons tempos da época colonial.

Se inicio o texto nos anos 60, sem ir mais longe no colonialismo francês, é porque aí encontro umas das razões das vissicitudes históricas das migrações do Norte de África rumo à Europa nos dias que correm. A Europa despertou para as revoluções árabes não a 17 de Dezembro de 2010, mas a 12 de Janeiro 2011, quando Alliot-Marie, então ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, propôs a Ben Ali o savoir-faire francês em matéria de repressão para conter as manifestações (“conhecido mundialmente”, sobretudo nas ex-colónias). Um segundo despertar deu-se em Fevereiro, quando Frattini, então ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, profere um discurso premonitório sobre o “êxodo bíblico” que se dirige para as terras europeias.

Janeiro 2011  Manifestação em ParisJaneiro 2011 Manifestação em Paris

Dois discursos seriam assim o apanágio da reacção europeia aos esforços de transformação política e social dos vizinhos do Sul: o securitário e o identitário. Duas matrizes intimamente ligadas e que deram origem a um encastramento contraditório dos princípios europeus de democraticidade na luta contra a imigração (e desde o final dos anos 90, as políticas migratórias da UE não relevam de um só Estado). Noutros termos, os europeus, confrontando-se com o destronar de ditadores (que haviam por sua vez destronado, para seu belo proveito, as lutas anticoloniais) com quem tinham assinado um pacto de “vigilância” migratória, tiveram que ser eles a mostrar a sua moralidade superior nas águas mediterrânicas. O resto conhecemos.

Embora o “êxodo bíblico” nunca tenha atracado à costa europeia, a chegada de alguns imigrantes à “metrópole” não deixou de constituir um “verdadeiro perigo sanitário e moral” (Mauco, 1932). Entretanto o clã Le Pen e os lacaios sarkozianos continuam a apregoar a prioridade do controlo dos fluxos migratórios em detrimento da livre circulação ou do simples direito à vida na travessia do Mar Mediterrâneo.

Parece-me que estamos cada vez mais longe da compreensão do alcance revolucionário das reivindicações que o povo tunisino, egípcio, sírio e outros nos têm demonstrado a cada dia que passa. Afinal a revolução também é isso… uma transgressão à norma, o pisar de uma fronteira. Tal e qual como um taxista em Tunes me explicou quando não parou num sinal vermelho.

por Inês Espírito Santo
A ler | 10 Março 2012 | Egipto, norte de áfrica, Primavera Árabe, Tunísia