ANGOLA: eleições, indústria da fraude e pobreza

Introdução

Angola aprovou em 2010 uma nova Constituição da República (CRA) que mudou a forma de eleição do Presidente da República e o sistema de governação de presidencialista para “centralismo presidencialista absoluto”, definido pelo jurista moçambicano Teodato Hunguana, como o regime em que o Presidente da República (PR) tem “ultra poderes”. 

No caso de Angola, esses “ultra-poderes” incluem a nomeação pelo Presidente da República de juízes, incluindo dos tribunais superiores, nomeadamente do Tribunal Constitucional que funciona como Tribunal Eleitoral, e do Tribunal Supremo, a acumulação das funções de chefe de Estado e de chefe de Governo, a nomeação de gestores das empresas públicas, incluindo os responsáveis pela informação e conteúdos dos media de capitais públicos. 

O PR deixou de ser eleito por voto secreto e sufrágio directo e universal e a sua eleição é feita através de uma lista partidária de candidatos à deputados em que o número um da lista com maior votação, independentemente da percentagem, é automaticamente catapultado para PR. 

Protegido pela Constituição “atípica”, na caracterização do anterior Presidente, José Eduardo do Santos, o hiper Presidente de Angola não presta contas ao Parlamento nem a qualquer outra instituição.  

Desde a adopção da referida CRA, o País realizou três pleitos eleitorais (2012, 2017 e 2022), em processos sempre controversos. Todas as eleições foram ganhas pelo MPLA, partido no poder há praticamente 50 anos, e contestadas pela oposição.

A liberdade em Angola é parcial, como acontece em regimes autoritários. O país tem tido presos políticos. Activistas e políticos perseguidos.

Alguns são assassinados, como aconteceu com Hilberto Ganga (2013) e Inocêncio de Matos (2020). Ganga, jovem engenheiro, foi morto pela Guarda Presidencial angolana quando colava cartazes sobre os assassinatos dos também activistas Isaías Cassule e Alves Kamulingue, por elementos das forças de segurança. Por seu turno, Inocêncio de Matos foi assassinado, também a tiro em 2020 pelas forças de segurança, numa manifestação contra o poder político.

Em 2016, os jovens activistas do grupo conhecido por 15+2 foram condenados a penas entre os dois anos e três meses e oito anos e meio de prisão efectiva, acusados de supostos actos preparatórios de rebelião. Os jovens tinham sido detidos no ano anterior, quando foram encontrados pelos serviços de segurança a ler o livro Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp.

Todos esses actos repressivos enquadram-se num conjunto de engenharias políticas não constitucionais, aqui designados por Indústria da fraude que visam a manutenção do mesmo grupo no poder. 

Tema do trabalho

Neste artigo pretende-se estabelecer a relação entre esse sistema que, ainda de acordo com Hunguana “dá poderes privilegiados” ao Presidente da República, a natureza do sistema de governação/eleições, a indústria da fraude e a pobreza.

Resultados oficiais das eleições e taxa da pobreza

As eleições gerais em Angola elegem 220 deputados, 130 pelo círculo nacional e os restantes 90 distribuídos, até aqui, pelos 18 círculos provinciais (cinco por cada).

A pobreza extrema em Angola cresceu 82% nos últimos oito anos, passando de 6,4 milhões de pessoas que, em 2016, representava 22% da população, para 11,6 milhões em Janeiro de 2025, o equivalente a 31% da população, segundo a plataforma “World Poverty Clock”, que actualiza e monitora dados internacionais sobre a pobreza.

De acordo com um estudo da Universidade Católica de Angola, a taxa de pobreza tem vindo a crescer todos os anos, passando de mais de 12 milhões de pessoas (41,7%) em 2019 para mais de 16 milhões (49,4%), em 2022.  

2012 

Em 2012, ano das primeiras eleições ao abrigo da nova CRA, a taxa de pobreza era de 36,6%, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Angola, avaliado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), era de 0,545. O país classificava-se em 154º lugar entre 187 países e territórios avaliados. O IDH é baseado na esperança de vida, educação e Produto Interno Bruto (PIB).

O partido no poder, MPLA, ganha com 71,84%, elege 175 dos 220 deputados e o seu líder, José Eduardo dos Santos é catapultado para Presidente do país. A abstenção atingiu os 37%. A UNITA consegue 18,66%, 32 assentos e a Convergência Ampla de Salvação Nacional - Coligação Eleitoral (CASA-CE): 6,00% - oito deputados.

O PRS, Partido da Renovação Social e a histórica Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) elegeram cada dois parlamentares, ao reunir respectivamente 1,70% e 1,13% dos votos.

2017

Cinco anos depois, em 2017, segundo dados do INE, a taxa de pobreza atingia 41% da população angolana.

Nesse ano das segundas eleições ao abrigo da “atípica” CRA, o IDH era de 0,597, e a posição de Angola no Índice do PNUD melhora ligeiramente passando para o lugar 146.

Com uma taxa de abstenção de 23,5%, as eleições foram ganhas pelo MPLA com 61,8%, correspondendo a 150 deputados, a UNITA foi o segundo partido mais votado com 26,68%, tendo eleito 51 deputados.

A CASA-CE obteve 9,45% e ficando na terceira posição e elegendo 16 deputados, duplicando os resultados de 2012.

Nas posições seguintes ficaram o PRS, com 1,35%, que elegeu dois deputados, FNLA, 0,93 %, com um deputado.

2022

Em 2022, a taxa de pobreza em Angola atingiu os 49,4%, o que significa que um em cada dois angolanos vive em condições de pobreza e o IDH do PNUD era de 0,591, ficando o País em 150º lugar.

O MPLA obteve a maioria dos votos (51,17%) e elegeu 124 deputados. Já a UNITA conquistou 43,95% e 90 deputados.

O PRS, 1,14%, a FNLA, 1,06% e o estreante Partido Humanista de Angola (PHA, 1,02%) elegeram, cada dois parlamentares e a abstenção atingiu mais de metade do eleitorado, 55%, de acordo com os resultados oficiais da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Indústria da fraude

Apesar de ser formalmente um regime democrático como reza a CRA de 2010, a prática política da elite do poder mostra um regime autocrático, centrado no PR e no partido-estado, o MPLA, partido libertador. 

A Constituição assegura o pluralismo, a defesa dos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana como premissas, mas a prática política mostra o contrário. Uma fraude de regime e não apenas fraude eleitoral. Para a sua  manutenção, a elite do poder  desse regime fraudulento criou um sistema para a sustentação do regime, a indústria da fraude.

A fraude eleitoral, longe de constituir um acto isolado, faz parte de um processo dinâmico, ancorado na gigantesca fraude política que é o regime do País. 

Quando se fala em fraude eleitoral, pensa-se, primeiramente, em manipulações dos votos nas mesas eleitorais e nas comissões provinciais e nacional de eleições, durante a contagem de votos. 

Porém, a fraude eleitoral, como subcategoria da fraude política, faz parte do quotidiano político de regimes autocráticos, englobando uma panóplia de acções, como o afastamento ou aliciamento de adversários de grande popularidade e o uso de artimanhas supostamente jurídicas (lawfare) para impedir opositores de se candidatarem em diferentes sufrágios eleitorais, o controle da justiça e dos media.

Enquadra-se na fraude política, a violência contra opositores, a criação pelo regime de pseudo organizações da sociedade civil e formações políticas fantoches, cujos líderes são agraciados com recompensas materiais, pecuniárias bem como atribuição de novo estatuto social.

Luanda, foto de mata lançaLuanda, foto de mata lança

Para a sustentação da indústria da fraude, são necessários milhões de euros/dólares. Montantes que se destinam a corromper ou subornar, acomodar ou silenciar actores primários, secundários ou terciários. Gastos que fazem falta a sectores chaves para o desenvolvimento da sociedade, designadamente, educação, saúde e combate à pobreza, num País que em 2025 tem quatro milhões de crianças fora do sistema de ensino, segundo o Ministério de Educação ou nove milhões, citando o Movimento de Estudantes Angolanos.  

Para a sua protecção, o regime fraudulento reforça os meios humanos e financeiros alocados aos instrumentos de repressão, incluindo os serviços de segurança e informação do Estado, também incorporados na caça e assassinato de activistas, críticos, jornalistas e manifestantes anti-fraude.

A gratificação fraudulenta engloba a promoção profissional, ou seja, nomeação ou colocação do operário da indústria da fraude ou seu familiar em lugares importantes da sociedade, de excelente renumeração, independentemente da sua competência. Pode também abarcar o acesso a bens materiais móveis, imóveis e pecuniários, para além da ascensão social.

Entre os operários da indústria da fraude, constam jornalistas, fazedores de opinião, influencers, intelectuais, membros do clero, artistas, funcionários públicos, agentes de segurança, militares e membros das diferentes estruturas do partido-estado.  

Nesse tipo de regimes, a separação de poderes consta do ordenamento jurídico apenas para doadores/comunidade internacional ver. A captura dos media é uma realidade fácil de comprovar. A recusa das TV generalistas, todas de capitais públicos, em entrevistar o líder do maior partido da oposição em funções desde 2019, comprova isso.  

Os media dessa grande indústria da fraude, sobretudo as TV, dedicam-se à desinformação e manipulação das populações, principalmente das menos escolarizadas das zonas rurais. Nessa missão, usam não só programas informativos, mas também de entretenimento.  

O regime da fraude adopta o lawfare para condenar, ilegalizar ou afastar adversários políticos, activistas, jornalistas e outros críticos do poder, bem como organizações políticas e sociais capazes de abanar o seu “normal funcionamento”. Opositores são detidos, julgados, condenados e transformados, desta forma, em presos políticos.  

Quando acossados por organizações internacionais que denunciam a existência de presos políticos, esses regimes fraudulentos, para a sua propaganda, põem o líder a simular indultos, amnistias e outro tipo de “perdões” com o objectivo de mostrar forjada “magnanimidade e humanismo” do líder.

Nesse regime totalmente fraudulento, barões do partido-estado controlam o crime organizado e todos os grandes negócios, sobretudo os escuros com multinacionais da indústria extrativista, peça indispensável nesse complexo e perverso processo. As multinacionais entregam a essa elite do poder valores que deviam entrar nos cofres do Estado para ajudar a minorar as desigualdades sociais, cancro dessas sociedades.

Considerações finais

Portanto, é fácil concluir que à medida que a pobreza aumenta em Angola, a votação no partido-Estado diminui, e, consequentemente o partido reforça a indústria da fraude.

Ao aumento da pobreza e a diminuição do score eleitoral correspondem o aumento das estruturas do MPLA, que em 2012 tinha cerca de vinte mil Comités de Acção do Partido (CAP) e hoje, 2025 tem mais de 60 mil. Em contra-partida, a Educação, instrumento central no combate à pobreza continua secundarizada como mostra o número de estabelecimentos de ensino primário e secundário que o País tem: 12.450 escolas, de acordo com dados oficiais. 

Em matéria de reforço de operários da indústria da fraude, para além do número de CAP, há também aumento significativo dos membros da direcção central do MPLA, o Comité Central (CC), cuja missão principal é demonstrar apoio público ao chefe e suas medidas, contribuindo para a propaganda de governação com rumo positivo.

Em 2012, o CC tinha 363 membros e em 2018 passou a ter 497 membros, um aumento de 39,6%. Já em 2022, ano em que a taxa de pobreza é a mais elevada e a impopularidade do PR e seu partido também, CC teve um aumento de 40%, atingindo o record de 693 membros, o maior Comité Central do Mundo, muito acima do Partido Comunista Chinês com 376 membros entre os seus cerca de 100 milhões de militantes. 

Referências

MONIZ, Luzia. Silenciocracia, Jornabóbias e outras Mazelas. Lisboa, Perfil Criativo, 2022.

https://www.novojornal.co.ao/opiniao/detalhe/tunda-mu-njila-entre-a-fraude-e-a-fome-63673.html acessado a 13/ Maio de 2025, consultado em 12 de Maio de 2025.

 

https://www.ine.gov.ao/Arquivos/arquivosCarregados/Carregados/Publicacao_637494431350652835.pdf, consultado em 13 de Maio de 2025.

https://www.ine.gov.ao/Arquivos/arquivosCarregados//Carregados/Publicacao_637586932352524365.pdf, consultado em 13 de Maio de 2025. 

https://www.ine.gov.ao/publicacoes/detalhes/Ng%3D%3D,  consultado em 13 de Maio de 2025.

https://www.undp.org/pt/angola/ine-lanca-consulta-publica-sobre-pobreza-multidimensional-em-angola, consultado em 13 de Maio de 2025.

https://www.dw.com/pt-002/elei%C3%A7%C3%B5es-de-2012-em-angola/a-16070052 consultado em 13 de Maio de 2025.

https://opais.co.mz/teodato-hunguana-diz-que-sistema-de-governacao-e-de-centralismo-presidencialista-absoluto/, consultado em 13 de Maio de 2025.

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Intervenção no contexto do Seminário “Como se Constrói um País: Diálogos Interdisciplinares”22 a 25 maio 2025, organização BUALA

por Luzia Moniz
A ler | 22 Junho 2025 | angola, eleições, fraude, pobreza