21 MC

O projecto é de S. Francisco. Yego Moravia e Emeka Alams vêem na herança cultural e ascendência africanas matéria substancial para reforçar o movimento “black and proud”. Desta aposta nasceu a 21st Century Maroon Colony: roupa com raça.

James Brown assinou, em 1969, um disco cujo título ficou na história por ser um dos motes do Black Power: «Say it Loud I’m Black and Proud».

Em Março de 2007 a dupla Yego e Emeka - jovens afro-americanos - avança com uma marca de roupa cujo enfoque e predominância temática estão ligados às raízes, à herança cultural negra e ao discurso de certos freedom fighters. Para os dois rapazes era o momento de actuar e dar voz ao tema de James Brown sob um novo prisma. A 21st Century Maroon Colony é espelho de uma forma de estar que replicam através da roupa que produzem à mão, ou que lentamente manufacturam consoante o aumento das encomendas. Mais do que uma mera linha de roupa que vai repescar alguma simbologia africana e tribal, a 21 MC reflecte uma consciência muito actual.

O Afro-Triângulo é, para ambos os criadores, um espaço físico primordial. Assumem-no como símbolo de resistência e sobrevivência ao colonialismo e à escravatura. “O Afro-Triângulo corresponde a uma área entre África, Europa e América onde os três povos se cruzaram e aconteceu o tráfico de escravos africanos. Fazemos dele referência constante assumindo-o como fenómeno geográfico e cultural, homenageando os nossos antepassados e expondo a força criativa que o povo negro manteve desde a escravatura. O nosso projecto existe para dar relevância às nossas histórias no contexto do século XXI e das cidades onde vivemos”, explica Moravia.

A identidade da marca bebe dos discursos de pensadores como Leopold Senghor ou Aimé Cesaire. “Uma das grandes influências da 21 MC é o pensamento de Césaire, parcialmente responsável pela emergência do afro-surrealismo e do conceito de Negritude. Sou altamente influenciado pelo ensaio «Discourse on Colonialism». Ajudou-me a desenvolver a minha imaginação negra. Ele é um dos nossos padrinhos ancestrais.”, releva Emeka Alams.

A 21 MC assenta em tópicos como a escravatura, o empobrecimento da cultura negra, a diáspora e o pós-colonialismo, discutidos entre as novas gerações que assumem uma ‘consciência negra’ através de movimentos colectivos ou da música feita em lugares tão díspares como Lisboa, Luanda ou S. Francisco Além de uma posição política, tratar-se-á de uma tomada de consciência global dos direitos civis e humanos. Moravia, contudo, não consegue explicar esta tomada de consciência: “Muitas vezes, eu e o Emeka, perguntamo-nos sobre o que está por detrás disto. Não diria que a sensação de alienação dos negros nos Estados Unidos, na Europa ou noutros lugares é algo novo. Langstone Hughes escreveu sobre este assunto há cerca de 70 anos, Senghor, Cesaire e Fanon (Frantz Fanon) também, tal como milhares de canções afro-americanas. Na verdade, provavelmente a questão remonta a 1486 quando os portugueses tomaram os primeiros africanos como escravos. Bolas, até existe um termo português que descreve a tristeza que os escravos sentiram, o banzo, e algumas definições da palavra saudade explicam uma certa condição de tristeza colonial também. Hoje, em pleno século XXI, supostamente a vivermos a era pós-colonial, ainda vemos sinais de revolta e insatisfação entre “colonizados” que vivem no mundo “desenvolvido”. Os melhores exemplos que encontro desta revolta são os motins de 2005 em França e as letras da M.I.A que pessoalmente vejo como revolta estetizada.”

Os dois criadores de 25 anos preocupam-se com as condições de trabalho que existem nos países em desenvolvimento. Começaram por elaborar as peças à mão, tratando-as e  tingindo-as com técnicas manuais e pigmentos naturais, mas rapidamente o número de encomendas era demasiado para escoarem os pedidos a tempo e a horas. Fabricam algumas peças de forma a responderem com rapidez, mas ainda mantêm a produção de determinadas peças e pormenores à mão. O processo de fabrico enquadra-se numa lógica de “ecologia social”, segundo Yego: “Decidimos fazer as roupas nos países do ‘1º mundo’ somente porque nos preocupamos com o trabalho e as práticas ambientalistas dos chamados países em desenvolvimento. A decisão foi difícil, mas muitas fábricas são realmente confusas. Andamos à procura de colectivos nestes países com quem seja tranquilo trabalhar. Queremos trabalhar da forma mais responsável possível.”

Nas peças há uma nítida predominância de signos tribais, os lenços e capuzes são elementos-chave (deram-lhes nomes de activistas como Queen Nanny ou Marcus Garvey) onde há uma clara opção por padrões fortes, matérias-primas de qualidade e uma recontextualização da linguagem visual africana. Outra particularidade interessante são as mixtape dedications, linhas dedicadas a Black Uhuru, 2 Pac, Santogolde outros artistas com atitude.

Roupa com voz própria. Manifesto usável.

 

Fotos Bo Streeter

Ver o site 21st century maroon colony

 

 

por Carla Isidoro
A ler | 3 Setembro 2010 | Afro-Triângulo, moda, negritude