Cantos, imagens, danças e sons: atos para a libertação
O curador do ciclo de filmes «Cantos, imagens, danças e sons: atos para a libertação», Olivier Hadouchi, reflete sobre como essas formas artísticas foram ferramentas valiosas de resistência ao domínio colonial, ligando-as ao primeiro Festival Cultural Pan-Africano e à exposição «Zineb Sedira. Standing Here Wondering Which Way to Go».
Olivier Hadouchi 11 set 2025 3 min
Em julho de 1969, realizou-se, na capital argelina, o primeiro Festival Cultural Pan-Africano, que acolheu responsáveis e militantes de movimentos de libertação da Ásia e da África (do MPLA ao PAIGC, passando pela SWAPO), os Panteras Negras (Eldridge e Kathleen Cleaver, entre outros), e incluindo exilados do Brasil ou de Portugal, como Miguel Arraes, Manuel Alegre ou Apolônio de Carvalho.
Este festival foi imortalizado pelo cineasta e fotógrafo William Klein, assistido por várias equipas franco-argelinas, e redescoberto há cerca de uma quinzena de anos. Festival Panafricain d’Alger (1969) surge agora como um registo precioso deste evento, que se estendeu por vários dias, e onde as ideias de Frantz Fanon, Amílcar Cabral e Mário Pinto de Andrade acerca do papel da cultura nas lutas de libertação encontraram uma encarnação concreta. O filme será exibido na inauguração do meu ciclo concebido em ressonância e em diálogo com a exposição Zineb Sedira. Standing Here Wondering Which Way to Go no CAM. Enquanto proposta aberta, este programa reúne uma constelação de filmes anticolonialistas e antirracistas, que dão destaque, em grande medida, às resistências culturais e políticas, e à inventividade das lutas de libertação, filmes que souberam acompanhá-las.
still de «Festival Pan-Africano de Argel» (1969), de William Klein
Várias décadas após o festival de 1969, com Dreams Have No Titles (2022), a artista franco-anglo-argelina Zineb Sedira reproduz e revisita cenas de culto de filmes resultantes de coproduções entre a Argélia e outros países do Mediterrâneo, numa reatualização do fervor em torno da sétima arte e do carácter festivo (músicas, danças de corpos em movimento) das décadas de 1960 e 1970, redescobrindo os sopros líricos e sincopados daqueles anos que viram países renascer, assistiram à sua entrada na dança das nações e ao restabelecimento de novas relações mundiais, onde os sons das guitarras elétricas se combinaram com ritmos latinos e africanos.
Danças, poesia, contos e canções tradicionais foram ferramentas valiosas de resistência ao domínio colonial, mantendo vivas as culturas e identidades africanas. O seu carácter frequentemente oral permitiu que escapassem à censura, apesar das vontades de assimilação e desaparecimento das línguas locais a favor da língua dominante do poder colonial, preservando a chama de um passado e de uma herança culturais, suscetíveis de servir de baluarte contra o domínio e a aculturação. Estas danças e canções acompanharam as guerras e as lutas pela independência, as marchas e as reivindicações culturais e políticas em diversos países.
Still de «Dreams Have No Titles» [Os Sonhos Não Têm Título] (2022), de Zineb Sedira
Esta constelação de filmes anticolonialistas e antirracistas, abertos à memória plural e às diversas expressões culturais destas lutas, não para de surpreender. Continua a inspirar as novas gerações de artistas, ativistas, espectadoras e espectadores, convidando-nos a entrar na dança arrebatadora de sons e imagens, de sonhos e imaginários, ao ritmo dos desejos profundos de mudanças globais daqueles anos, para melhor questionar o nosso presente e o nosso futuro.