O traço enigmático das gravuras rupestres de Tchitundo-hulo

Foi há cerca de cinquenta anos que o Tchitundo-hulo começou a interessar os cientistas. Em 1952, o geólogo Camarate França iniciou o estudo da estação. Em 1954, o etnólogo alemão Herman Baumann observou as gravuras e pinturas do Tchitundo-hulo Mulume e encontrou o Tchitundo-hulo Mucai.

Já na década de 70, coube ao professor angolano Carlos Ervedosa1 e ao professor Santos Júnior (a quem se deve o registo de novas gravuras no Tchitundo-hulo Mulume, assim como a descoberta da Pedra da Lagoa e da Pedra das Zebras) visitar e efectuar pesquisas nesta estação.

O Tchitundo-hulo Mulume deve ter cerca de duas mil gravuras, quase todas de tipo geométrico. Associações de circunferências e de traços rectilíneos constituem figuras verdadeiramente labirínticas e de interpretação bastante difícil.

Segundo aferiram os dois últimos cientistas, “as gravuras (…) parecem resultar da percussão da superfície da rocha, seguida da fricção dos sulcos abertos, possivelmente segundo um desenho previamente riscado.”

“Não são todas da mesma idade e com facilidade isso se constata. Desde as mais apagadas ou patinadas até às de traço mais recente (…), há uma infinidade de estados intermediários, atestando uma tradição desde longa data perpetuada no Tchitundo-hulo.”

O professor Santos Júnior2 apresenta várias razões para defender a antiguidade destas gravuras, sendo uma delas o seu grande número, o que “deve corresponder a um largo período de utilização daquele monte para a prática de quaisquer cerimónias, nas quais a execução de gravuras no chão de pedra fizesse parte integrante do respectivo ritual.”

“É também lícito imaginar que correspondam a um período de certa permanência nas redondezas do povo que tão exuberantemente deixou assinalada a sua presença naquele grande morro.”

“Por isso, é lógico admitir que a antiguidade daquelas gravuras corresponda a um período de condições climáticas menos severas do que as actuais naquela orla do deserto, onde a falta de água é manifesta, por a chuva ser rara e escassa.”

Devido à escassez de água, o Tchitundo-hulo é, presentemente, apenas um abrigo temporário das populações cuvales, que por ele passam em busca de pastagens e água para o seu gado.

Na rota das suas deambulações, o morro acolhe-os por pouco tempo. Por ali erguem o “sambo” (cercado de ramos de espinheira), onde o gado pernoita, assim como os pastores, que se acolhem em pequenas cabanas cónicas, cobertas de bosta de boi, com porta baixa e, por vezes, curto alpendre.

A carta étnica de Angola de José Redinha, editada em 1975, referencia o Tchitundo-hulo como pertencendo à zona de ocupação dos Cuíssis, com os Cuvales a oriente, estendendo-se até aos contrafortes da serra da Chela.

Em relação aos nomes Tchitundo-hulo Mulume e Tchitundo-hulo Mucai, distantes um do outro cerca de mil metros, o primeiro (com muitas gravuras rupestres e um abrigo, ou pala com pinturas no tecto) significará o homem e o outro a mulher.

Entre os muitos outros “inselbergs” que ali se erguem, Camarate França refere-os sob a designação de mãe e filha, não tendo os naturais da região sabido explicar o motivo que os terá levado a dar-lhes estes nomes.

Parece evidente que Tchitundo significa monte ou morro. É na significação de hulo que as opiniões divergem.

Em Março de 1970, Cornelius Prinsloo refere ao professor Santos Júnior que Tchitundo-hulo significaria Monte do Céu, em virtude de se acreditar que as figuras de círculos concêntricos – especialmente as que se encontram raiadas – e que constituem o motivo dominante dos desenhos, representam astros.

O dr. Alberto Machado Cruz , que foi conservador do Museu da Huíla, informa que terá havido no alto do morro um acampamento que se chamava Tchitundo-hulo (Acampamento do Céu).

Por sua vez, o padre Carlos Estermann assinala: “Quanto a hulo, supõe que o seu significado não pode ser concretamente o que lhe tem sido atribuído… Monte Sagrado. Será Tchitundo-n’cola, visto que n’cola ou uncola significam sagrado. Para dizermos Monte do Céu seria Tchitundo-èúlo, visto que èúlo é céu.”

Segundo parecer deste ilustre reverendo, hulo pode significar último, derradeiro, e acrescenta que, por exemplo, ondjila hulo quer dizer caminho último, fim de caminho, ou ainda caminho terminado.”

E conclui o professor Santos Júnior:

“Como o fim do caminho da vida do homem é a morte, fim último, pode, pois, emitir-se a hipótese de ser aquele monte local de especial veneração entre os naturais da região, por ali terem realizado as cerimónias dos ritos de passagem e mesmo práticas rituais em manifestações fúnebres de culto pelos mortos.”

Que gravuras encontraremos ali, nos dias de hoje, em perigo de desaparecerem, vandalizadas impunemente por quem ignora o seu valor?

“…grande número de símbolos astrais, círculos e desenhos abstractos (…), pequeno número de animais de grande porte ou médio. Ausência de figuras antropomórficas (…), sobreposições de gravuras, desde as mais apagadas ou patinadas (que constituem a grande maioria), até às de traço mais vivo, (o que nos leva) a concluir que desde tempos recuados até quase aos nossos dias têm feito gravações no Tchitundo-hulo Mulume.”

“Só vimos seis representações de animais, três antílopes, um  chacal e duas cobras. É possível que haja mais e nos tenham passado despercebidas.”

 

Fotos: Emídio Canha

 

in AUSTRAL nº 50, artigo gentilmente cedido pela TAAG - Linhas Aéreas de Angola

 

  • 1. Arqueologia Angolana de Carlos Ervedosa, ed.Minist. da Esducação, 1980
  • 2. Santos Junior,1974, Ervedosa,C,1974

por Dario Melo
Vou lá visitar | 5 Agosto 2010 | arqueologia, gravuras rupestres