Por um novo equilíbrio mundial, Fórum Social Mundial, Dakar

Meio ambiente, democracia, economia, agricultura, pescas e política internacional foram discutidos durante seis dias na capital senegalesa, no Fórum Social Mundial, o maior evento antiglobalização do mundo.

fotografia de Fernanda Polacowfotografia de Fernanda Polacow 

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL. É o slogan do maior evento antiglobalização do mundo, o Fórum Social Mundial (FSM), cuja 11.a edição foi realizada na capital senegalesa entre os dias 6 e 11 de fevereiro. Durante seis dias, sindicatos, intelectuais, agricultores, grupos feministas e estudantes de mais de cem países reuniram-se em vários pontos de Dacar, mas, sobretudo na Faculdade Cheikh Anta Diop, para discutir sobre ações que promovam uma sociedade mais justa e com maior desenvolvimento humano. 

O FSM nasceu há dez anos na cidade brasileira de Porto Alegre e, desde então, tem acontecido em diferentes partes do mundo. Pela segunda vez no continente africano – a primeira foi em Nairóbi, no Quénia, em 2007 – a edição deste ano reuniu cerca de 50.000 pessoas. O facto de ter decorrido em África permitiu que viessem delegações de mais de 30 países do continente. Além dos temas transversais a todas as sociedades, como as questões ambientais, de educação e de segurança alimentar, os assuntos africanos tiveram grande destaque no Fórum. «Uma das grandes vantagens de termos abrigado o Fórum Social Mundial este ano em Dacar foi colocar em pauta as temáticas africanas, muitas vezes invisíveis ao mundo», diz Coumba Toure, artista e educadora que trabalha em empreendedorismo social no Oeste da África. 

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Os acontecimentos recentes no Egito e na Tunísia foram tema em quase todas as mesas e serviram de exemplo para os mais diversos debates. «O Cairo prova-nos que é possível sincronizar ações a nível mundial e isso dá-nos poder», afirmou, numa reunião sobre a democratização da informação, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, acrescentando ainda: «temos muito que aprender com o que aconteceu no Norte da África». 

O debate mais quente no campo político foi o conflito entre o Sara Ocidental e o Marrocos, assunto ainda pouco abordado pelos mídia mundiais. O Sara Ocidental, terra dos sarauís, é um dos poucos territórios no mundo que ainda tem o status de colônia, apesar de ser reconhecido como República Árabe Saraui Democrática (RASD) pela União Africana e mais 58 países. Fica na costa atlântica norte da África e foi colonizada pela Espanha de 1884 a 1975, com o nome de Sara Espanhol. Quando a Espanha deixou a região, em 1975, o território foi dividido entre a Mauritânia (ao sul) e o Marrocos (ao norte). Foi então que surgiu a Frente Polisário, movimento nacionalista que defende a autonomia do Sara Ocidental. Apoiada pela Argélia na fronteira nordeste, conseguiu fazer com que a Mauritânia libertasse o território. No entanto, o mesmo não aconteceu com Marrocos, que ainda domina a região, rica em fosfatos e pesca. 

A Frente Polisário, com apoio da Argélia e atuante em Tindouf, e a Democracia para o Sara, uma dissidência mais numerosa, mas não armada, que se mantém na Espanha, reivindicam a independência. Desde o desfile de abertura do Fórum, no dia 6 de fevereiro, já se podia ver a tensão entre os grupos de ativistas de direitos humanos sarauís e o grupo do Marrocos. A situação extremamente tensa entre os grupos gerou conflitos diretos, poucas vezes vistos num Fórum.

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Economia e meio ambiente

O contexto económico africano também esteve em pauta. As economias dos países ao sul do Sara, em conjunto, devem crescer em torno de 5,5% este ano, prevê o FMI. Para 2012, a previsão é de resultados parecidos (5,7%). Estes dados, pertencentes ao Relatório Global de Estabilidade Financeira e Previsões Económicas e Financeiras para 2011, também mostram que o crescimento global está projetado para 4,4% em 2011 e 4,5% para o próximo ano, e o do conjunto dos países ricos deve ficar em apenas 2,5% por ano até 2012. «A recuperação económica continua a fazer-se a um ritmo mais rápido nas economias emergentes», disse o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard.

Outro assunto muito relacionado com questões econômicas de África foi o aluguel e a compra de imensos lotes de terra em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento por grandes grupos privados ou por Estados com pouca extensão territorial. Foram relatados casos em Madagáscar, República Democrática do Congo, Moçambique, Quénia e Mali, além de Índia e Brasil. Falando em megafones sob uma tenda de plástico, líderes comunitários de uma vila do Mali denunciaram a aquisição de grandes pedaços de terra pelo Governo da Líbia, que construiu um canal de 40 metros de largura, cortando ao meio uma zona de pastagem, de agricultura e até um cemitério. 

No último dia do Fórum, a ONG ambientalista Greenpeace divulgou um alerta aos países do oeste africano: as suas reservas de peixe estão seriamente ameaçadas. «Precisamos engajar as autoridades para combater a pesca ilegal e para que o excesso de pesca no oeste africano seja combatido», disse Oumy Sene Diouf, que coordena a campanha no Greenpeace África, citado no estudo «Como a África alimenta a Europa». Segundo o dossiê, grupos pesqueiros europeus estão avançando para os mares africanos à medida que o volume de peixe disponível na costa dos países europeus diminui e a capacidade produtiva aumenta. O Greenpeace produziu o estudo durante uma expedição do Greenpeace de cinco semanas pelas águas do Senegal e da Mauritânia. Nesse período, foram contabilizados 26 barcos pesqueiros desses dois países e 93 estrangeiros – 61 deles pertencentes a países da União Europeia. Dados da FAO, a agência das Nações Unidas para alimentação e agricultura, estimam que mais de 75% das reservas mundiais de peixe estão totalmente superexploradas ou em vias de serem dizimadas, e na Europa este percentual sobe para 88%.

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América Latina mais próxima

O FSM também deixou claro que está em curso um forte movimento político de aproximação entre América Latina e África, encabeçado, sobretudo, pelo Brasil. Um dos protagonistas desse movimento é o ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, que fez em Dacar sua primeira aparição pública desde que deixou o cargo. 

Lula, que tem planos de criar um instituto que se dedique à cooperação entre países do hemisfério Sul, foi recebido como popstar por ativistas de esquerda e como chefe de Estado pelo Governo senegalês, e discursou num auditório superlotado no segundo dia do evento ao lado do Presidente senegalês, Abdoulaye Wade, sobre o papel da África na geopolítica mundial. Ele destacou a importância das nações africanas se unirem politicamente, procurarem novos parceiros no hemisfério Sul e se distanciarem dos antigos poderes coloniais do Norte. «O continente africano tem um papel mais relevante do que nunca para as nações em desenvolvimento como o Brasil», afirmou o líder. Também disse que os países africanos deveriam perseguir uma revolução na agricultura para proteger o continente das oscilações dos preços globais dos alimentos. «Estou convencido de que a África tem todas as condições necessárias para seguir os passos do Brasil e promover uma revolução verde», declarou o ex-Presidente. Os preços dos alimentos no mundo subiram, em média, 25% no ano passado, de acordo com dados da FAO, o que afetou a economia africana e causou protestos violentos em países como Moçambique.

 

artigo originalmente publicado no Africa 21, nº 50

 

por Juliana Borges e Fernanda Polacow
Vou lá visitar | 5 Abril 2011 | Dakar, economia, Fórum Social Mundial