Encontradas vacas sagradas de cinco mil anos em Laas Geel, na Somália

Desenhos de vacas e de homens foram descobertos em 2002 por arqueólogos franceses na região autónoma da Somália. De uma qualidade estética excepcional, ainda não revelaram todos os seus mistérios. Nos próximos meses, uma visita em 3D ás grutas de Laas Geel estará disponível na internet. 


“Durante muito tempo tivemos medo de vir pois pensávamos que maus espíritos moravam aqui.” Com um chapéu de lã verde, Moussa Abdi Jama aponta com a bengala uma silhueta pintada na abóbada arredondada de uma caverna. Entre dois ninhos de andorinha aparece uma vaca ocre avermelhada, fantasiada com uma espécie de escudo em tecido, desenhada há mais de cinco mil anos. O contorno está intacto e a cor brilhante, como quase praticamente todas essas pinturas rupestres extraordinárias descobertas há 10 anos por uma equipa de arqueólogos franceses.

Chegando à Somália no final de 2002 para estudar as culturas do final da pré-história, a equipa dirigida por Xavier Gutherz percorre a região à procura de grutas onde efetuar as escavações. Na véspera da partida, dia 4 de dezembro, um jovem condu-los a um grande rochedo cheio de cavidades, perdido no meio da paisagem desértica. O lugar, no cruzamento de dois uádis, é conhecido pelos pastores nómadas de Laas Geel como “os poços dos camelos”. Foi ali que arqueólogos estupefactos descobriram uma constelação de pinturas, em cerca de vinte grutas. Dezenas de vacas, homens, cães e até mesmo uma girafa.

“Vimos logo na hora que se tratava de um sítio importante, que tinha uma qualidade estética excepcional e isso deixou-nos muito emocionados. Na carreira de um pesquisador, fazer uma descoberta assim é um momento muito marcante”, lembra-se Xavier Gutherz, arqueólogo e professor da Universidade Paul-Valéry de Montpellier.

A equipa, que ia voar no dia seguinte, prometeu voltar o mais rápido possível. Missões arqueológicas foram então organizadas todos os anos até 2010 e, pouco a pouco, o lugar deu a conhecer uma parte de seus mistérios. Trata-se, antes de tudo, de datá-lo, o que se mostrou uma tarefa muito difícil. Em 2003, amostras microscópicas foram efetuadas em cinquenta pinturas. A ideia era procurar traços de matéria orgânica que poderia ser datada com a técnica do carbono 14. A tentativa foi um fracasso.

De maneira indireta que os pesquisadores chegam a uma datação. Uma das grutas abrigava sedimentos que não foram dissipados pela erosão. Escavações nessa gruta permitiram a descoberta de vestígios de ocupação humana: ferramentas de sílex, ossadas de animais, fragmentos de rochas colorantes utilizadas para pinturas e restos de carvão de madeira. Uma vez datados, esses elementos permitiram chegar a uma estimação da idade das pinturas: entre 3500 e 2800 anos antes da nossa era. Laas Geel é não somente “o mais importante sitio de arte rupestre do Chifre da África”, mas também o mais antigo, conclui Xavier Gutherz.

Ainda há muito a descobrir. Se essas pinturas provam a existência de pastores nómadas, o que significam? Porquê essa espécie de escudo pendurado no pescoço das vacas? “Ou isso representa uma cerimónia onde realmente as vacas eram cobertas de tecidos que se colocavam sobre o lombo, ou é totalmente simbólico. De toda a maneira, é uma encenação que mostra que existe uma relação peculiar entre o gado e os homens, onde a vaca é o animal sagrado”, analisa Xavier Gutherz, que evoca um provável “santuário”. “Os personagens têm os braços estendidos, como se invocassem deuses.”    É necessário preservar o local, ameaçado pela erosão, pela escorrência superficial e pelo número crescente de visitantes - 600 no ano passado. Com este objetivo, os arqueólogos franceses conseguiram uma gravação em três dimensões feita por uma empresa privada. “Nos próximos meses, vamos divulgar na internet um passeio nas grutas de Laas Geel. Com o rato do computador você pode girar na caverna, olhar o teto, o solo”, explica Xavier Gutherz. Uma ótima ocasião para os pesquisadores, que poderão estudar as pinturas ainda com mais precisão. Até lá, Moussa, o guardião, continuará a vigiar. “Isso é a nossa herança”, diz com orgulho.

 

Para ler: Les Abris ornés de Laas Geel et l’art rupestre du Somaliland, por Xavier Gutherz e Luc Jallot, Presses universitaires de la Méditerranée, 32 p., 9,13 €.

 

Este artigo foi publicado originalmente no jornal “La Croix”, em 06/06/2012

 

Translation:  Vanessa Peres

por Marie Wolfrom
Vou lá visitar | 15 Fevereiro 2013 | arqueologia, Somália