Arquivo, da exposição Contar Áfricas!

Carta de D. Sebastião Agombe, Dembo Qilumbo Quiacongo, a D. Sebastião Francisco, Dembo Caculo Canzega. 1913 Papel. 2fl. alt. 20,9 | larg. 13,2cm Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa cota Dembos, Cx.09, Doc. 188Carta de D. Sebastião Agombe, Dembo Qilumbo Quiacongo, a D. Sebastião Francisco, Dembo Caculo Canzega. 1913 Papel. 2fl. alt. 20,9 | larg. 13,2cm Arquivo Histórico Ultramarino. Lisboa cota Dembos, Cx.09, Doc. 188Os historiadores estão habituados a analisar a ação dos europeus em África, e a sua relação com as sociedades locais, a partir de textos que os europeus escreveram, circularam, e por fim guardaram como seus arquivos de Estado. Contudo, também os africanos foram prolíficos criadores e arquivadores de documentos nos seus próprios termos culturais – quer em interação com europeus, quer entre africanos/as.
Os documentos preservados pelos Estados ou chefaturas Ndembu (Jin- dembu) em Angola são testemunhos importantes da centralidade plurissecular de práticas africanas de arquivo. Em 1934, o antropólogo português António de Almeida tomou posse (alegadamente “por empréstimo”) do Arquivo de Estado do Dembo Caculo Cacahenda, trazendo-o para Lisboa, para seu estudo.
Na década de 2000, este espólio de mais de mil documentos, abrangendo do século XVII ao século XX, foi redescoberto por investigadores do Instituto de Investigação Científica Tropical. Junto com as autoridades angolanas, iniciou-se um processo de revalorização que culminaria no reconhecimento dos “Arquivos Ndembu” como Património da Humanidade pela UNESCO, em 2011. O documento aqui em exposição – uma carta trocada entre autoridades Dembo em 1913 – é um fragmento deste valioso diverso e complexo arquivo africano.

D. Sebastião Agombe apela ao seu destinatário que “mande” uma “carta com feitiço” – um apelo que indicia que os textos africanos em circulação, por vezes, poderiam ser entendidos como agentes de um tipo de poder que excedia a simples informação escrita.

 

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Contar Áfricas! é uma exposição-ensaio, um exercício científico-museológico em que importa a diversidade de África e não a “visão” que de África tiveram os portugueses. As peças de Contar Áfricas!, foram escolhidas, uma a uma, por investigadores da antropologia, artes, geografia, história e literatura que, ao longo das suas investigações, têm estudado África e temas que com ela se relacionam, ou têm realizado propostas metodológicas, pedagógicas ou de intervenção cívica que se cruzam com o tema da exposição. O conjunto das peças e da palavra definitória de cada uma delas, destacada pelo seu curador, foram agrupadas em três núcleos, Espaços e Poderes, Conquista e Exploração, Símbolos e Cores. Estas orientações de leitura visual e de conteúdos, geradoras de muitas mais palavras explicativas, entrecruzam-se no espaço expositivo, permitindo a cada visitante construir ou corrigir, para vir a contar África. A multiplicidade dos curadores, peças e palavras, construíram o objectivo da exposição: uma chamada de atenção sobre a diversidade de África, nos seus poderes, organizações sociais, culturas e valores, mostrando algumas das diferenças e originalidades que se registam em tão vasto território.

(do catálogo da exposição)

por Ricardo Roque
Vou lá visitar | 24 Janeiro 2019 | arquivo, Contar Áfricas