“O perigo de uma história única”: a construção da identidade africana negra no romance Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

Este artigo tem como objeto a análise do livro Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, no qual a autora nigeriana denuncia a construção de uma história única sobre a identidade africana, por parte dos ocidentais brancos, apresenta os conflitos culturais, as questões raciais, identitárias, e explora igualmente o choque da realidade devido à idealização do sonho americano. Pretendemos igualmente demonstrar como a universalização e hierarquização da epistemologia ocidental tiveram impacto na construção da narrativa do ser-se negro, dentro e fora do continente africano.

Vivemos numa sociedade onde é normal ouvirmos histórias únicas sobre um indivíduo ou sobre um grupo de pessoas que, à força de serem repetidas, acabam por parecer definitivas. Vivemos num mundo onde a história única tem servido para descredibilizar “minorias” em detrimento de um só povo. As histórias são importantes, mas devemos ouvir muito mais histórias de modo a encontrar um equilíbrio de narrativas, experiências e realidades diversas.

Durante muitos anos, ouvimos histórias sobre o continente africano - das suas guerras, catástrofes, doenças e fomes - que se tornaram a única verdade sobre África. É importante sabermos que cada história tem dois lados, e nunca podemos ouvir apenas uma das versões.

Segundo a escritora Chimamanda, em O perigo da história única, cria-se uma única história, quando mostramos um povo como se fosse somente uma coisa, um objeto do discurso dos outros. Para a escritora, é impossível falar da história única sem se falar de poder, uma vez que quem conta a história única é quem detém poder, seja ele económico, político ou epistémico. O poder, para além de ter a capacidade de contar a história de outra pessoa, consegue fazer com que esta história seja definitiva. Para Léila Gonzalez: A hierarquização de saberes como produto da classificação racial da população dá o privilégio social e epistémico à ciência eurocêntrica. (Ribeiro, 2017, p. 26).

A pensadora considera que quem possui o privilégio social possui o privilégio epistémico. Por sua vez, o escritor Mourid Barghouti, afirma que para desapropriar um povo, a forma mais simples de o fazer é contar a sua história, começando por “Em segundo lugar’” (Adichie, 2009, p. 11).

De igual modo, Susana Galante (2010) considera que os media têm grande influência na construção das histórias únicas, uma vez que fomentam a perpetuação dos estereótipos e discriminação das minorias étnicas e raciais. Através dos meios de comunicação, a estrutura de poder consegue comunicar-se com a sociedade. Na sua análise aos periódicos Público e Diário de Notícias, embora considerados jornais de “referência” pela sociedade portuguesa, estes são, contudo, imparciais, ao estarem munidos de preconceitos e estereótipos traduzidos na escrita.

Somos uma geração que consome bastante cultura pop americana. Durante anos, por influência dos media, da música e filmes. Em 2005, com o avanço das novas tecnologias de informação que foram surgindo, como o Youtube e, em 2009, o Facebook, e, posteriormente, outras redes sociais, o consumo tornou-se cada vez maior e a influência e o controlo sobre as vidas das pessoas aumentaram.

A autora salienta ainda que, ao atribuir a nacionalidade ou etnicidade a um indivíduo, o jornalista fomenta, através de “rótulos”, a perceção das minorias enquanto grupos, consequentemente, associam os indivíduos desses grupos aos mesmos comportamentos negativos e assim anulam os indivíduos enquanto pessoas.

Durante muitos anos, a minha pobreza sobre a única história acerca do continente africano e, principalmente, sobre o meu país de origem, São Tomé e Príncipe, fizeram com que tivesse vergonha de ser santomense e não tivesse orgulho em ser africana. Apesar de ter tentado inúmeras vezes enquadrar-me, a verdade é que nunca consegui fazê-lo, até ao momento que conheci e aceitei as inúmeras histórias sobre o meu continente.

Cheguei a Portugal com dez anos, carregada de memórias, modos de pensar, falar e agir. A primeira dificuldade com que me deparei, foi a barreira linguística. Diziam-me que falava «pretuguês», um termo que desconhecia até chegar a Portugal. Descobri-me preta e descobri-me diferente dos negros que nasceram cá. Assim, passei a ser definida por vários “rótulos”: era uma preta africana, que falava mal português, e burra. Durante anos acreditei nestes “rótulos” e quis ser igual aos afrodescendentes, já que não podia mudar de cor, falar português “correto”, gostar das coisas “fixes”, porque eram ocidentais, e ter vergonha das minhas raízes. 

Ouvia histórias únicas sobre São Tomé e Príncipe: as pessoas falavam mal porque tinham sotaque, a comida era estranha e os hábitos culturais remetem para rituais tribais. Um país que não existia no mapa. Esta era a única história que há 18 anos ouvia sobre o continente africano, e sobre São Tomé e Príncipe, um país que foi colonizado pelos portugueses. Na altura, não sabia questionar porque acreditava na superioridade branca, porque a minha família me induzia a acreditar nessas mesmas verdades. Consideravam que, para um preto ser aceite na sociedade portuguesa, tinha que agir como portugueses brancos. Não conhecer outras histórias, as diversas histórias sobre o continente africano, fez com que duvidasse do meu valor enquanto mulher negra e africana com influência ocidental. São exemplos, o facto de neste mestrado não haver universalidade de autores e obras, no qual é notória a epistemologia branca, eurocêntrica e masculina. Ou seja, pretendo mostrar a importância de remodelar o conhecimento através de uma dimensão epistemológica, que não exclua a raça, religião, etnia ou género.

Em contraposição, quero contar outras histórias sobre o continente, quero mostrar o outro lado do continente africano pelo olhar da Ifemelu, histórias que os media não contam, que a literatura eurocêntrica não reflete, que os filmes não mostram e que as pessoas não têm acesso.

Assim, através de uma análise a Americanah, tento ressaltar os argumentos que consolidam a ideia de ser-se negro nos Estados Unidos da América e como isso determina o ser humano. 

Quem é Chimamanda Ngozi Adichie?


Chimamanda Ngozi Adichie é uma feminista e escritora nigeriana reconhecida como uma das jovens autoras anglófonas de sucesso. Conhecida pelos seus discursos e por uma escrita única e criativa, em 2009, numa TED Talk brilhou com o discurso que mais tarde se converteu em livro O perigo de uma história única, que se tornou o TED Talk mais visto de todos os tempos.

Em 2010 entrou na lista de 20 autores mais influentes de fiçção, com menos de 40 anos. Americanah foi selecionado pela New York Times como um dos 10 melhores livros de 2013, no ano seguinte foi nomeada entre um dos 39 escritores mais influentes com menos de 40 anos, a autora já conta com mais de 6 livros publicados.

O perigo da única história - TED Talk de 2009

“O perigo de uma história única” foi a TED Talk mais vista nos últimos 10 anos, com mais de 18 milhões de visualizações no Youtube. Mais tarde um livro, alertou o mundo sobre o perigo de contar apenas uma versão da história e transformá-la em histórias únicas.

“Quando comecei a escrever, por volta dos sete anos, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve, comiam maçãs. E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido, apesar do fato de eu morar na Nigéria”. (TED 2009)

Esta citação da autora faz-me regressar à minha infância, uma infância feliz, com muita alegria, amor, música e boa disposição. Mas uma infância com pouca expectativa do futuro. Lembro-me perfeitamente que o meu sonho de infância era trabalhar numa loja de roupa. Achava fascinante a vendedora da Zara, H&M, Mango etc., sempre bem vestidas, maquilhadas e arrumadas. Considerava que aquele seria o patamar mais alto que poderia chegar, uma vez que as pessoas que estavam ao meu redor trabalhavam em trabalhos mais precários, andavam desarrumadas, sofriam humilhações e estavam sempre cansadas, por isso a minha história única era trabalhar no Colombo numa loja de roupa para andar sempre aprumada. Quando terminei o 9º ano, uma professora aconselhou-me a fazer um curso profissional - naquela altura os cursos para “pessoas como eu”, eram na área da hotelaria, restauração, ou cabeleireiro - pois seria a melhor solução. Acabei por escolher o curso técnico de turismo, achava que não tinha perfil para ser animadora sociocultural (outra opção bastante recomendada pelos professores).

“Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir a minha “música tribal” e, consequentemente, ficou muito desapontada quando eu toquei a minha fita da Mariah Carey. O que me impressionou foi que ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto. A minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela”, recorda, mencionando a “história única” como um estimulador dos estereótipos, principalmente em relação ao continente africano.” (TED, 2009)

Este excerto recorda-me o dia em que a minha colega me perguntou de onde eu era e de onde eram os meus pais: respondi que era de São Tomé e Príncipe. Questionou-me onde ficava São Tomé e Príncipe - além de lhe ter explicado, obviamente que lhe disse que este tinha sido um dos países colonizados pelos portugueses. Questionou-me também qual era a língua oficial de STP. Quando lhe disse que era a língua portuguesa, ela estava claramente confusa e não compreendia o porquê da diferença de sotaques. Rapidamente a elucidei sobre a diferença de sotaques que existiam em diversos pontos de Portugal.

Neste discurso de 19 minutos, Chimamanda Ngozi expôs questões provenientes das experiências que teve até aos 19 anos, quando foi estudar para os Estados Unidos da América e pôde entender finalmente o impacto que as histórias únicas têm na mente das pessoas que não estão atentas a outras narrativas, e que durante muitos anos por intermédio dos media, da literatura e outros meios de difusão de informação, tiveram como definitivas a única história sobre povos, crenças, culturas, línguas e pessoas. São 19 minutos de reflexões, questionamentos, introspeção, risadas e, acima de tudo, muitas aprendizagens. Chimamanda destaca ainda os impactos que a descoberta de livros de autores africanos tiveram na sua vida, e como teria sido ela, se não os tivesse descoberto. Através deste TED muitas pessoas começaram a ter consciência de que as histórias têm sido usadas para desapropriar e tornar maligno culturas e crenças, o mundo entendeu que histórias únicas podem quebrar a dignidade de um povo.

Americanah - O perigo da História única na construção da narrativa de ser-se preto

I Análise crítica

Americanah faz-nos questionar tudo o que durante muitos anos tivemos como verdades absolutas. A identidade, a noção de africanidade, a ancestralidade e o lugar do “outro” no qual os negros sempre foram colocados. Uma das coisas mais fascinantes do livro é o facto da autora não questionar apenas as pessoas oriundas do continente africano, Adichie faz com que qualquer pessoa questione e reflita sobre a história única que sempre ouviu. Podemos ver através do olhar dos imigrantes os principais desafios que ultrapassam até conseguirem se integrar. A língua é, sem dúvida, das principais barreiras, mesmo que partilhada como neste caso, o inglês, a pronúncia é apontada como um factor de desvalorização da sua inteligência ou capacidade.

O racismo e o preconceito apresentam-se como entraves na integração, problemas com a documentação tornam o processo de integração profissional bastante lento. Sem documentação não se consegue emprego, sem emprego não se consegue documentação, habitação, ingresso na escola/universidade, e encerra-se um ciclo vicioso de exclusão. Existem diversas variantes que fazem com que os imigrantes, especialmente imigrantes africanos e negros (porque existe a questão da cor de pele), não consigam autonomia, o que faz com que não entrem de forma natural e positivamente no sistema do país recetor.

É um romance real, claro, direto e muito emotivo, multi-premiado e publicado em diversas línguas. O romance relata a vida de Ifemelu, uma jovem nigeriana que aos 19 anos emigra para os Estados Unidos para estudar, acompanhando a sua estadia no país de acolhimento e depois o regresso à Nigéria. A autora recorre frequentemente a analepses onde retrata a adolescência de Ifemelu e o modo como a ditadura militar a impossibilita e a tantos outros estudantes de prosseguirem os estudos.

Ifemelu não é a única personagem que se vê como uma pessoa em diáspora. Um seu namorado de adolescência, Obinze, é também obrigado a migrar em busca de melhores condições de vida. Nestas duas personagens é notória a perda e a reconstrução de identidade e como a cultura de um país molda a identidade. Ambos vivenciam dificuldades que os migrantes habitualmente vivem: conflito cultural e social, processo de negação e posteriormente aceitação, a auto descoberta e a forma como são vistos os africanos aos olhos dos outros. No caso de Ifemelu ela ainda se confronta com o feminismo negro e a distinção entre negros americanos e negros afro-americanos.

À leitora e ao leitor é-lhes dada uma clara perceção sobre as classificações raciais na sociedade americana e o lugar de cada um. Quando Ifemelu chega aos Estados Unidos descobre-se negra, uma realidade que desconhecia na Nigéria. Percebe ainda a segregação espacial e cultural presente na sociedade americana, vivencia o racismo, o preconceito e a discriminação em vários momentos.

Logo no título do livro está implícita uma crítica que a escritora faz aos nigerianos migrantes que forçam o sotaque para mostrarem que vivem ou viveram nos Estados Unidos. Também Ifemelu tentou mudar a sua pronúncia para se sentir integrada: porque ela assumirá, por demasiado tempo, um tom de voz e uma forma de ser que não eram os seus (Adichie, 2013, p. 270).

A temática romântica não é o ponto forte do romance, mas sim o fio condutor da narrativa, no entanto, existe uma ânsia ao longo da leitura pelo reencontro das duas personagens. Os excertos do blog da Ifemelu, trazem um olhar bastante crítico e um meta- discurso no próprio livro, uma vez que através da escrita, põe a nu questões raciais e identitárias de situações do dia-a-dia: Caros Negros Não Americanos, quando optam por vir para a América, tornam-se negros. Deixam de argumentar. Deixam de dizer «Sou do Gana». A América não quer saber. Que interessa que não fossem «negros» no vosso país? Agora estão na América. Todos nós temos o nosso momento de iniciação à Sociedade de Ex-Negros (Adichie, 2013, p. 338). Há uma acepção universalizante dos americanos sobre considerar África como um país, e, por consequência, todos os negros serem de África.

Este excerto faz-me lembrar vários momentos em que os africanos na diáspora portuguesa discutem sobre as suas origens e qual é o melhor país (PALOPs), ou sentem-se ofendidos quando são confundidos como sendo oriundos da Guiné, Cabo Verde, São Tomé, ou Angola. Esta incapacidade de situar geograficamente uma pessoa constitui-se como uma micro-agressão, pois a identidade cultural é algo estruturante. A homogeneização de um continente é um ataque brutal a toda a história da humanidade. Há várias passagens que poderiam ilustrar este argumento, mas elejo o momento em que a tia de Ifemelu lhe dá documentos de uma outra mulher nigeriana que regressou para Nigéria, uma vez que ninguém daria conta que Ifemelu não era a mesma pessoa da foto.

Durante anos acreditou-se que a representatividade negra que vinha dos Estados Unidos era a verdadeira demostração do que é ser negro, assim como o que era ser africano, negando-se as suas origens africanas. São várias as vezes que a autora mostra a falta de conhecimento em relação ao continente africano, através do desprezo que os americanos brancos sentem, e a forma como os afro-americanos tratam os africanos. É possível verificar isso, quando a personagem Halima numa conversa com uma cliente africana, fica entusiasmada e encantada, quando a cliente fala inglês com pronúncia americana: Halima sorriu, enamorada da mulher por causa daquele feito extraordinário, um sotaque americano. (Adichie, 2013, p. 288). Fascinada com este feito, Halima conta à cliente o episódio infeliz de bullying, vivenciado pelo seu filho na escola, por este ter sotaque africano: Quando venho para cá com meu filho, eles batem a ele na escola por causa do sotaque africano (Adichie, 2013, p.288). É bastante notório a ânsia dos africanos pela integração, e a língua é uma das principais barreiras: a pouca instrução das figuras parentais normalmente não promove uma boa integração escolar por parte das crianças.

A autora, mostra o desdém existente entre os próprios africanos em relação aos países uns dos outros. Vemos isso, quando a cliente que fala o inglês com sotaque americano, começa a relatar os aspetos negativos da Nigéria. Nigéria muito corrupta. País pior corrupto na África (Adichie, 2013, p. 288). Nota-se, que os africanos, ao sentirem que fazem parte da cultura americana, o seu subconsciente começa a reproduzir as histórias únicas que são passadas sobre os continentes americano e africano.

Consegue-se ter uma percepção de como é generalizado o American dream. Logo no início do livro quando Ifemelu volta 13 anos para trás, mostra-se a forma como Obinze sonha em viver nos EUA, as expectativas que tem em relação à educação, à sociedade americana, o nível de vida que o imigrante pode ter. O American dream é visto pelo olhar do Obinze que consome tudo que seja americano, literatura, música, pensamentos e de uma certa forma acaba por influenciar a Ifemelu, a questão da idealização. Ifemelu cria uma expectativa que não corresponde à realidade. Observa-se aqui a desvalorização das suas origens, e até que ponto as histórias únicas e os estereótipos sobrepõem às identidades dos personagens.

É verdade que se deve estar disposto a aprender hábitos e costumes do país que nos acolhe de forma a facilitar a integração, mas o que se verifica ao longo do texto é a forma como cultura do país recetor penetra sobre as identidades de um povo e até que ponto as personagens estão dispostas a moldarem-se para serem aceites.

É perceptível onde são colocados os negros, todos os grupos racializados consideram que os negros esta no último lugar da escala: Compreender a América para os negros Não Americanos: A que aspiram os WASP? (…) As minorias raciais americanas - os negros, hispânicos, asiáticos e judeus - apanham com merda dos brancos, diferentes tipos de merda, mas a merda de qualquer maneira. Cada um dos grupos acredita secretamente que apanha com a pior merda. Por isso, não existe uma Liga Unida dos Oprimidos. No entanto, todos os outros acham que são melhores do que os negros, porque, bem, não são negros (Adichie, 2013, p. 314). Através da visão da autora, podemos considerar que se as minorias estivessem mais unidas, poderiam ter um voz forte na luta contra a segregação e a discriminação.

Artista - BanksyArtista - Banksy

O racismo nem sempre vem envolto em grandes acções, expressa-se através de pequenos gestos - Laura, irmã de Kimberly, (patroa da Ifemelu): Laura tinha trazido uma revista. - Olhe para isto, Ifemelu - disse. - Não é a Nigéria, mas é perto. Eu sei que as celebridades podem ser caprichosas, mas ela parece estar a fazer um bom trabalho. Ifemelu e Kimberly olharam as duas para a página: uma branca magra, sorrindo para a objetiva, com um bebé africano de pele escura nos braços rodeada de crianças africanas pequenas, de pele escura, espalhadas como um tapete (Adichie, 2013, p. 251). Ou quando um elogio vem carregado de negatividade: Li na net que os nigerianos são o grupo imigrante com mais estudos neste país. É claro, que não diz nada sobre os milhões que vivem com menos de um dólar por dia no seu país, mas quando conheci o médico pensei naquele artigo e em si e noutros africanos privilegiados que estão cá neste país (Adichie, 2013, p. 259).

Os americanos brancos de classe média, ou média alta, exercem o seu poder através da imposição do seu privilégio, e das histórias únicas que fazem questão de reproduzir de forma a inferiorizar o outro. Consideram os africanos, pessoas incompreensíveis, incapazes, e que deveriam ser-lhes gratos, uns pelo “privilégio” outros pela “ajuda” que lhes dão através das diversas associações e organizações que surgem no continente africano com intuito de “ajudar” os fracos e oprimidos que lá vivem.

Em sociedades hegemónicas assiste-se à falsa crença da superioridade entre as pessoas, cultivada obviamente pelo sistema capitalista, e não é raro assistir-se a uma exigência de reconhecimento aos migrantes de que o país que os acolhe é superior ao país de origem: Mas nem sequer conseguiria ter este negócio lá no seu país, certo? Não é maravilhoso que possa vir para os Estados Unidos e que agora os seus filhos possam ter uma vida melhor? (…) “As mulheres podem votar no seu país? (Adichie, 2013, p. 290).

São vários os factores que contribuíram para que Ifemelu regressasse ao seu país: uma redescoberta do seu país, da sua cultura, da sua língua. Um sentido de identidade que tão bem reconhecia.

A consequência da história única é que ela rouba a dignidade das pessoas, torna-se difícil reconhecer a sua humanidade e consequentemente realça como somos diferentes, não como somos parecidos. Enquanto a história sobre o continente africano for contada pela literatura ocidental, os ocidentais apenas saberão uma versão da história.

Conclusão

Combater mitos para desconstruir os estereótipos é possível se combatermos a história única que temos em relação a um povo, uma etnia, uma língua, uma cultura, um país ou um continente. Embora tenhamos acesso fácil através das tecnologias de informação e livros, a tudo. É crucial termos pessoas certas à nossa volta. É imprescindível que a academia seja inclusiva de forma a evitar histórias únicas.

À falta de interesse ou de interpretação, criam mitos e preconceitos que são perpetuados, desta forma, geram estereótipos acerca do desconhecido, neste caso o povo e o continente africano. Esta é outra barreira criada pela história única. Um dos grandes exemplos é a ideia de África ser um país, e lá passamos todos fome e a guerra é a nossa única realidade. Que somos todos tribais, que temos uma língua única, que todos gostamos e pensamos o mesmo. E os meios de comunicação aqui têm um papel crucial, uma vez que é através deste, que a estrutura de poder comunicar com a sociedade. Em suma, se continuarmos a tratar as minorias como um grupo homogéneo excluindo-os enquanto indivíduos singulares, vamos continuar a ter histórias únicas a perpetuar-se

Bibliografia

Adichie, C. N. (Ed. 1a). (2013). Americanah. Alfragide: Dom Quixote

Adichie. C. N. (2009) O Perigo da única história. São Paulo. SP: Companhia das Letras Está disponível a partir de: (9) Chimamanda Adichie: O perigo da história única -YouTube

Galante, S. M. (2010) As representações dos imigrantes e minorias étnicas no jornalismo 

português: análise comparativa entre o Diário de Notícias e o Público (Dissertação de Mestrado, Universidade da Beira Interior, Faculdade de Artes e Letras, Beira Interior, Portugal) Está disponível a partir de: TESE_MESTRADO_S_GALANTE.pdf (ubi.pt)

Ribeiro, D. (2017) O que é lugar de fala?. Belo Horizonte (MG): Letramento

por Neusa Sousa
Mukanda | 25 Maio 2021 | África, americanah, chimamanda adichie, identidade africana, relações de poder