"Mexem na raiz da árvore e pensam que a sombra fica no mesmo lugar"

ESTILHAÇOS PÓS 17.04.16

Que saudade dos domingos, tão somente, melancólicos.

“o deputado Jair Bolsonaro (PSC) 

não pensou duas vezes antes de homenagear neste domingo (17) 

o General Ustra, responsável pelo desaparecimento de mais de 40 pessoas 

durante a ditadura militar. Sabe o que vai acontecer? Nada.”

[agência democratize]

Algo em mim - pra não falar por nós - está deslocado. Não há distanciamento o suficiente para certa organização da escrita. O sentir caótico se imiscui à ansiedade que flana em fibrilações, toma tom de desassossego. 

“bateu panelin, foi senhor?

tocou no cabo-madeira

com colher de pau da feira

da janela na Pompeia”

[bárbara esmênia]


Saímos de casa, nossos pés resistiram aos passos, sabíamos que não seria agradável o trajeto de metrô. Logo chegamos à esquina pequena equipe da rede globo entrevistava uma jovem enrolada à bandeira nacional, não conseguimos ouvir o que ela dizia, mas imaginamos. A angustiante comprovação do clima do dia se deu em instantes. Passa o carro:rede globo mentirosa, não vai ter golpe! / resposta imediata da entrevistada com braço em riste: vai ter golpe, sim! 

“você que acredita no que falam na tv,

dá seu dinheiro pro pastor pra fazer sua fé valer,

e pra você que acredita no velho azul-marinho, 

essa é sua dança, dança do patinho”

[bnegão]

O que as telonas do Anhangabaú mostraram ainda ressoa qual unha rasgando a lousa: verborragia podre d’um lado, bruto silêncio em nossos dorsos. Observei com objetiva e retinas os tantos ao redor, caleidoscópio de lutas & cansaços, evocação fúnebre dos que esperavam não ter feridas & tempos reabertos, a sensação sem-nome generalizada de ver a submersão em águas cada vez mais absurdas. 

“Pelos militares de 64″

“Pela nação evangélica”

“Pelos fundamentos do cristianismo”

“Pelo setor gerador de renda, o setor agropecuário”

“Pela Sandra, pela Érica, pelo Vítor, pelo Jorge, e por meu neto que está chegando”  

A semana descomeçou, curta e longuíssima, cada vez mais ansiogênica. li ali, cá, outro lá. Os ódios fascistas cada vez mais exorbitantes em rotação frenética entre umbigo e seus privilégios.

Eu sigo inquieta, insone e muda. Busco cerzir uma escrita, em despretensão, pela necessidade de me posicionar junto ao coro, de insistir, persistir. Partilhar da repetição conjunta, a ver se reverberamos a possibilidade de um sentido novo - ainda que mínimo - nestes tantos-alguéns que acreditam o golpe como oposição, que misturam religião com política, que se embasam em veículos de desinformação alimentando-se do ódio que eles dizem combater (pessoas de bem, pessoas de fé) - enquanto atacam com machismos, racismos, xenofobias, homofobias… -, que botam a nossa pluralidade no risco do açoite de ditaduras antigas - sim, aquele horror mesmo que vocês assistem assombrados, nos documentários.

Se escrevo é para não sucumbir ao silenciamento corrosivo, é porque tantos lutaram - e morreram - para que possamos engatinhar no aprendizado trôpego de exercer a democracia. Escrevo para que sejamos atentos uns aos e com os outros, porque, destes tantos muitos, somos vários que no dia seguinte estávamos a bater, lado a lado, o cartão de ponto.  

Hoje, ainda esmorecida, permito a vivência de certo luto, o desencantamento, a desesperança. Mas, tento enxergar um a um, me irmano aos meus, sinto as pulsões da luta - repito como mantra: é preciso fazer o que tem de ser feito, é preciso estar de pé, multiplicar vozes, imagens, escritas,  braços, punhos, afagos.

Por fim, para não esquecermos, como sabemos muito bem, a luta nunca teve trégua nas periferias: lugar onde, principalmente, a juventude negra sofre cotidianas repressões (para fazer uso de eufemismo). Como sabemos muito bem, tudo vai para muito além deste dia triste.

Seguimos:

Resistindo& lutando.

Em nosso canto polifônico, acreditem, 

Haverá poesia!

 

Notas:

* Referência do título: AvóKunjikise in: Ondjaki, Os transparentes, p.266.

1 - https://medium.com/democratize-m%C3%ADdia/o-que-acontece-quando-um-deput...

2http://barbaraesmenia.blogspot.com.br/2015/03/bateu-panelin-foi-senhor.h...

 3 - https://www.youtube.com/watch?v=aXqgd5cmB7A

 

por Daisy Serena
Mukanda | 26 Abril 2016 | Brasil, manifesto, protestos políticos