Poor Boer

 

 

 

Os Homens

Nos princípios do século XIX (a data que nos interessa) as vastas plantações de algodão que havia nas margens eram cultivadas por negros, de sol a sol. Dormiam em barracas de madeira, sobre o piso de terra. Fora da relação mãe-filho, os parentescos eram convencionais e turvos. Tinham nomes, mas podiam prescindir dos apelidos.

Não sabiam ler. A sua amolecida voz de falsete cantarolava um inglês de lentas vogais. Trabalhavam em filas, curvados sob o azorrague do capataz. Fugiam, e homens de fortes barbas saltavam sobre belos cavalos e cães próprios para caçar feras seguiam o seu rastro.

A um sedimento de esperanças irracionais e medos africanos tinham junto as palavras da Escritura: a sua fé, por conseguinte, era a de Cristo. Cantavam profundos e amontoados: Go down Moses. O Mississípi servia-lhes de magnífica imagem do sórdido Jordão.

Os proprietários dessa terra trabalhadora e desses bandos de negros eram ociosos e ávidos cavalheiros de cabeleira ao vento, que habitavam enormes casarões voltados para o rio – sempre com um pórtico pseudo grego de madeira de pinheiro-branco. Um bom escravo custava-lhes mil dólares e não durava muito. Alguns cometiam a ingratidão de adoecer e morrer. Havia que tirar desses bens instáveis o maior rendimento. Por isso os tinham nos campos desde que rompia o Sol até aos seus últimos raios; por isso exigiam das plantações uma colheita anual de algodão ou tabaco ou açúcar. A terra, fatigada e maltratada por essa cultura impaciente, ficava exausta em poucos anos: o deserto confuso e sujo de barro metia-se nas plantações. Nas chácaras abandonadas, nos subúrbios, nos exíguos canaviais e nos lodaçais abjectos, viviam os poor whites, a canalha branca. Eram pescadores, vagos caçadores, ladrões de cavalos. Aos negros costumavam mendigar pedaços de comida roubada e na sua degradação mantinham um orgulho: o do sangue sem fuligem, sem mistura. Lazarus Morell foi um deles.

Jorge Luis Borges, “História Universal da Infâmia” (Historia Universal de la Infâmia, 1935).

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Jordi Burch viajou durante os meses de Março e Abril do ano 2010 por várias lugares de África do Sul. “Poor Boer”, a série de imagens dos “boers”, é uma aproximação a uma realidade muito específica deste país, cujas características antropológicas, culturais ou socio-económicas, se reflectem no modo como se apresentam estas pessoas. Em geral, fazem-se acompanhar daquilo que Jordi Burch viu nelas: a vasta paisagem, a tecnologia rural, os outros “boers”, os animais, os sintomas de um trânsito que ficou lá atrás (ou continua?). Para Jordi Burch, esta viagem serviu para perceber um pouco melhor uma realidade paralela ao campeonato do mundo de futebol.

Sinais dos tempos na África do Sul pós-“apartheid”. A classe média branca está mais pobre. Eles não têm nenhum apoio. Não têm solução. Esta é uma comunidade de brancos pobres na cidade de Danville, nos arredores de Pretória.

Jordi Burch