A história de Nelson Triunfo, um dos pais do hip-hop no Brasil

Um dos países que mais absorveram o contingente dos milhões de africanos raptados de seu continente e escravizados na América durante séculos, o Brasil tem essa questão pouco abordada nos livros de História convencionais - que, invariavelmente, são escritos de forma distorcida e mentirosa pelos vencedores/opressores e seus descendentes.

A cultura foi um dos meios que os afrobrasileiros encontraram para se manifestar e resgatar esses tristes capítulos da História. Um dos principais ícones desse fenômeno diaspórico é Nelson Triunfo (Nelson Gonçalves Campos Filho), dançarino e músico considerado um dos pais da cultura hip-hop no Brasil, e que em outubro próximo completará 60 anos de vida.

Lançado em março deste ano, o livro Nelson Triunfo: do Sertão ao Hip-Hop, de autoria do jornalista e escritor Gilberto Yoshinaga, é a biografia deste artista tão emblemático. Mais do que contar sua história de vida, rica em detalhes, a obra trata de questões sociais e políticas - e a diáspora africana é presença crucial em cada capítulo.

Nelson TriunfoNelson TriunfoNascido no interior da porção nordeste do Brasil, uma das regiões mais pobres do país, Nelson Triunfo iniciou sua carreira artística como dançarino de soul e funk na década de 1970, época da efervescência do movimento negro pelos direitos civis nos Estados Unidos e de outros acontecimentos culturais e políticos que, exaltavam o orgulho negro na época, como a eclosão do The Black Panther Party, o movimento Black Power e a projeção de líderes como Nelson Mandela (e a luta contra o apartheid), Steve Biko, Marcus Garvey, Malcolm X, Martin Luther King Jr. e Stokely Carmichael, entre outros.

Num país marcado pela forte miscigenação, Nelson Triunfo tem em sua ascendência uma mistura de sangue africano, indígena e europeu. E foi por meio da cultura que se conscientizou da importância de se afirmar como afrobrasileiro. Influenciado principalmente por James Brown, que cinco anos antes lançara Say it loud: I’m Black and I’m proud, em 1973 ele começou a cultivar sua vasta cabeleira black, símbolo de resistência e afirmação de identidade, que nunca mais foi cortada e viria a se tornar sua marca registrada.

Nos 10 anos seguintes, Nelson Triunfo se consolidaria como um dos principais dançarinos e divulgadores de soul e funk no circuito de bailes e shows que movimentavam milhões de pessoas por diversas cidades brasileiras. Nesse período, mudou-se para São Paulo, onde reside hoje, e chegou a dividir palco com astros internacionais, como James Brown e Jimmy Bo Horne, além dos principais músicos negros de seu país.

Com a chegada da emergente cultura hip-hop ao Brasil, entre 1983 e 1984, ele acompanhou essa nova tendência e, mais uma vez, foi um dos pioneiros. Começou a abrir rodas de dança nas ruas do centro de São Paulo, a maior metrópole da América Latina, e por diversas vezes sofreu com a repressão da polícia. Na época, o país ainda vivia os últimos anos de uma ditadura militar que já durava duas décadas e torturava e matava muitos cidadãos contrários ao regime, que eram considerados subversivos - sobretudo, estudantes e artistas.

Nelson Triunfo e o autor do livro Nelson Triunfo e o autor do livro Insistente, mesmo depois de muito apanhar e até ser preso por dançar nas ruas, Nelson Triunfo seguiu a resistir e sobreviveu. Com o passar das três décadas seguintes, o hip-hop brasileiro cresceu e viu seus agentes culturais se multiplicarem. Hoje, três décadas depois, ele é reconhecido como ícone e um dos pais da cultura de rua no mais extenso e populoso país latino-americano. Recebeu a comenda da Ordem do Mérito Cultural, o maior reconhecimento de seu país no âmbito cultural, e exportou sua arte para países vizinhos, além de Estados Unidos e Alemanha.

Também pioneiro no uso da cultura hip-hop como instrumento de educação alternativa e reinserção social, ainda hoje Nelson Triunfo segue a cantar, dançar e ministrar oficinas e palestras por todos os cantos do Brasil.

Símbolo de resistência e questionamento de padrões e costumes, este griot dos tempos atuais tem em sua trajetória de vida um importante exemplo dos fenômenos culturais, sociais e políticos que caracterizam a história da diáspora africana em solo brasileiro. História essa que continua a ser escrita e perpetuada pelos passos seus e de seus incontáveis discípulos.

Resta a Nelson Triunfo apenas um sonho ainda não realizado: conhecer a África.

 

 

Para adquirir o livro “Nelson Triunfo: Do Sertão ao Hip-Hop”, contactar o artista ou o autor de sua biografia, escreva para contato@shurikenproducoes.com.br

por Gilberto Yoshinaga
Cara a cara | 22 Agosto 2014 | afro-brasileiros, Brasil, hip hop, Nelson Triunfo, Nelson Triunfo: do Sertão ao Hip-Hop