O cinema africano ao norte e ao sul do Saara (2ª parte)

Iniciativas africanas

 
Abrangemos aqui principalmente o cinema pós-independência em quatro regiões adjacentes nos dois lados do Saara, todas colonizadas pelos franceses até o fim dos anos 1950 ou começo dos 1960. Três territórios – Argélia, Marrocos e Tunísia – são países independentes e não trazem problemas críticos ao serem apresentados como contextos unificados de produção cinematográfica (embora isso não signifique supor, a priori, que essa produção constitua um cinema nacional). Considerar a quarta região uma unidade talvez seja mais controverso, pois ela inclui 14 países independentes na África ocidental francófona, ao sul do Saara, sendo que foram protetorados franceses (Camarões e Togo) ou fizeram parte das duas supercolônias francesas, a África ocidental francesa e a África equatorial francesa (os 12 restantes).

Nesse caso, o fator unificador deve-se ao ímpeto e ao financiamento da produção cinematográfica – principalmente francesa – como parte da política do governo de manter estreitos laços culturais e econômicos com suas antigas colônias africanas. Um outro argumento é que há uma unidade entre os cineastas ao norte e ao sul do Saara, embora sejam em geral considerados mundos bastante distintos pelos críticos ocidentais, particularmente dos EUA. Compartilho com o crítico tunisiano Hédi Khelil a crença de que “os cineastas da Tunísia, Marrocos, Argélia, Mali, Burkina Fasso e Senegal são muito próximos uns dos outros nas questões que propõem e nas maneiras como as propõem” (KHELIL, 1994). Certamente, apesar das diferenças históricas e dos processos para obter a independência, o cinema começou simultaneamente nos quatro territórios, no final dos anos 1960, com um total de 20 longas-metragens produzidos entre 1965 e 1969.

Na África subsaariana, Ousmane Sembène foi pioneiro com seus longas-metragens senegaleses Black girl/La noire de… (1966) e The money order/Mandabi (1968), acompanhados por um filme da Guiné em 1966 e dois da Costa do Marfim (dos cineastas radicados na França Désiré Ecaré e Bassori Timité), em 1969. Durante os anos 1970, a produção continuou nesses três países e cineastas de outros oito também produziram filmes: Benin, Burkina Fasso, Camarões, Congo, Gabão, Mali, Mauritânia e Níger. O Chade e o Togo começaram a produzir tardiamente, nos anos 1990, e foi Didier Ouenangare que co-dirigiu o primeiro longa-metragem na República Centro-Africana, em 2003. No Magreb, a produção de filmes começou na Argélia, em 1965, com Dawn of the damned/L’aube dês damnés (Ahmed Rachedi, 1965), primoroso documentário logo seguido por oito filmes de ficção na mesma década, entre eles The wind from the aurès/Rih al awras (Mohamed Lakhdar Hamina, 1966). O cinema tunisiano foi inaugurado por Omar Khlifi com uma produção intitulada apropriadamente The dawn/L’ Aube (1966) e mais três longas foram realizados no país no fim da década. Marrocos, por sua vez, produziu três filmes pela organização cinematográfica estatal Centre Cinématographique Marocain (CCM), em 1968/1969.

Com o estabelecimento de dois grandes festivais de cinema africano existentes até hoje – as Journées Cinématographiques de Carthage (JCC), em Túnis, em 1966, e o Festival Panafricain du Cinéma de Ouagadougou (Fespaco), em Ouagadougou, em 1969 –, os cineastas aproximaram-se e puderam se organizar, resultando na criação da Fédération Pan-Africaine des Cinéastes (Fepaci), que se reuniu primeiro em Túnis, em 1970, e novamente em Argel, em 1975. Outros encontros de cineastas aconteceram – em Mogadiscio, em 1981 e Niamy, em 1982 –, com a emissão de várias declarações e estatutos. Ferid Boughedir, um verdadeiro cinéfilo (cineasta, acadêmico, historiador e crítico), examinou o pensamento dos cineastas nesse estágio inicial cuja base da estratégia adotada era a idéia de que “a viabilidade da produção estava ligada à viabilidade dos outros quatro setores: exibição, infra-estrutura técnica, capacitação profissional e, é claro, a importação e a distribuição de filmes. Como só o Estado poderia controlar essas áreas, ele se tornou, assim, uma espécie de fada madrinha” (KHELIL, 1994).

Esta era uma política que os países africanos recém-emancipados desejavam adotar, e muitos deles exerciam um rígido controle sobre todos os aspectos do cinema, por meio de seus Ministérios da Informação ou da Cultura. Em todos os casos, suas tentativas de enfrentar os grandes distribuidores internacionais – como a Motion Picture Association of America (MPAA), de Hollywood, foram mal sucedidas e, na verdade, ao sul do Saara, a distribuição permaneceu principalmente nas mãos de duas organizações francesas – a Compagnie Africaine Cinématographique Industrielle et Commerciale (Comacico) e a Société d’Exploitation Cinématographique Africaine (Secma) –, subsidiárias de companhias sediadas em Mônaco, até 1974 (DIAWARA, 1992). Foram estabelecidas organizações cinematográficas estatais (nacionais), estruturadas nos moldes do Centre National Cinématographique (CNC), da França e com acrônimos tipicamente franceses. No entanto, poucas dessas organizações estatais – como o Centre National de la Production Cinématographique (CNPC), do Mali e o CCM do Marrocos – sobrevivem hoje. A maior parte foi desativada com o fim gradual do envolvimento direto do Estado na produção cinematográfica.

Na maioria dos países africanos francófonos, o governo ofereceu, em algum momento, apoio financeiro para alguns cineastas. E em alguns Estados, a relação de filmes financiados pelo governo é praticamente a lista integral dos filmes produzidos (na Argélia até meados dos anos 1990, por exemplo, ou no Marrocos atual). Mas, o envolvimento com o financiamento cinematográfico tem sido acompanhado pelo controle estatal atrelado à liberdade de expressão. Em toda parte existe censura, declarada ou dissimulada. Alguns filmes só são lançados no mercado doméstico depois de atender às exigências dos órgãos de censura governamentais. Em toda a região, o financiamento para o investimento na produção cinematográfica sempre foi escasso, de modo que quase metade dos cineastas dirigiu apenas um longa-metragem em toda a carreira e apenas alguns poucos concluiu, digamos, cinco ou seis filmes em 12 anos. O malinês Souleymane Cisse, por exemplo, reconhecido internacionalmente como um grande cineasta, concluiu apenas cinco filmes desde sua estréia como diretor, em 1975.

Argélia
O cinema foi considerado uma parte vital na luta da Frente de Libertação Nacional (FLN). E no período imediatamente posterior à guerra, vislumbrou-se por um breve momento que a Argélia pudesse desenvolver um grupo distinto de instituições cinematográficas com base nessa experiência. O primeiro contexto de produção do cinema argelino pós-independência, o Centre Audiovisuel Algérien (CAV), liderado pelos ativistas René Vautier e Ahmed Rachedi, foi criado em 1962. Mas o fechamento do CAV, depois da conclusão de um pequeno número de documentários e apenas um longa-metragem, A people on the march/Peuple en marche (Nacer Guenifi e Ahmed Rachedi, 1963), mostrou que isso não ocorreria. Por algum tempo nos anos 1960, houve certa diversidade de organizações apoiando a produção cinematográfica. A emissora Radiodiffusion Télévision Algérienne (RTA), por exemplo, co-produziu o primeiro filme de ficção do país e inicialmente promoveu um ambicioso programa de produção de longas para a TV, com os diretores normalmente trabalhando em preto e branco e 16 mm e, com freqüência, em locações. Várias dessas produções foram exibidas em cinemas e em festivais estrangeiros. Mas as atividades de co-produção da RTA cessaram gradualmente nos anos 1970. Um outro contexto de produção foi o Office des Actualités Algériennes (OAA), criado em 1963 pelo Ministério da Informação para produzir seu cinejornal semanal. Mas o OAA tornou-se rapidamente a base de produção dos primeiros filmes de ficção de uma das personalidades mais fortes e influentes do cinema argelino, o primeiro e único diretor da organização, Mohamed Lakhdar Hamina. Houve até uma produtora privada, Casbah Films, fundada pelo ex-ativista da FLN, Yacef Saadi, cuja própria história serviu de base para o filme mais conhecido da produtora, A batalha de Argel/La battaglia di Algeri (1965), dirigido pelo italiano Gillo Pontecorvo. A primeira organização de incentivo à produção cinematográfica – a CNCA – foi criada em 1964, nos moldes do serviço colonial criado pelos franceses em 1947. O órgão Institut National du Cinéma (INC), que durou apenas um ano, estabeleceu um programa de treinamento profissional para o setor e alguns de seus estudantes tornaram-se futuros cineastas.

 


Em 1967-8, houve uma reorganização das estruturas cinematográficas. O OAA e o CNCA foram dissolvidos e três novas organizações foram criadas – Centre de Diffusion Cinématographique (CDC), Centre Algérien du Cinéma (CAC) e Office National pour le Commerce et l’Industrie Cinématographique (Oncic). O CDC assumiu o papel de ciné-bus estabelecido inicialmente pela organização colonial francesa SDC e o CAC foi encarregado das funções administrativas. Mas o Oncic, que inicialmente recebera apenas o monopólio da produção de filmes em 1967, acabou absorvendo todas as outras funções e tornou-se um monopólio estatal completo. A partir desse momento, evidenciava-se que o cinema argelino não assumiria um papel revolucionário, mas, ao contrário, serviria como instrumento de propaganda em apoio às políticas governamentais. Nenhuma inovação estilística era buscada e, como escreve o historiador do cinema argelino Lotfi Maherzi, “o cinema ainda era visto sob a mesma perspectiva comercial. Não se propunha nenhum outro código, nenhum outro modelo de produção ou programação além dos oferecidos pelo cinema ocidental” (MAHERZI 1980). Maherzi observa ainda que, “embora os textos oficiais afirmem repetidamente a função educativa e ideológica do cinema argelino”, o Oncic, na verdade, foi criado para ser um organismo industrial e comercial. No entanto, como tem ocorrido no mundo todo, a burocracia estatal mostrou ser uma produtora altamente ineficaz e as estruturas da organização sufocaram a criatividade. Apesar disso, a Argélia continuou sendo o maior produtor cinematográfico no Maghreb até o início dos anos 2000, com mais de 120 filmes produzidos por cerca de 50 diretores.

Com o monopólio de produção, o Oncic foi responsável por praticamente toda a produção argelina de longas-metragens para lançamento nos cinemas de 1968 até sua dissolução, em 1984. Os diretores tornaram-se funcionários públicos assalariados, quer fizessem filmes ou não. Como observou o diretor Mohamed Chouikh: “Produzir um filme fora das estruturas estatais era um ato contra-revolucionário.
Isso simplesmente não acontecia nem sequer obtínhamos permissão para filmar. Foi por isso que todos os cineastas, eu incluído, foram integrados ao setor estatal” (CHOUIKH, 2003). Enquanto o CNCA contribuiu com dois filmes, o OAA com quatro e a RTA com seis, o Oncic produziu ou co-produziu 46 dos 61longas-metragens feitos até 1984, na Argélia. O órgão foi responsável pelo maior sucesso argelino dos anos 1970, Chronicle of the years of embers/Chronique des années de braise (Mohammed Lakhar-Hamina, 1975), que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 1975. Apesar do predomínio do Oncic, alguns dos filmes mais importantes do período foram produzidos à margem dele (entre eles, os fascinantes e únicos filmes de Farouk Beloufa e Mohamed Zinet).

A partir de meados dos anos 1980, o cinema argelino passou por uma série de confusas reorganizações burocráticas que prejudicaram dramaticamente o nível e a qualidade da produção. Em 1984, o Oncic foi dissolvido e suas funções foram divididas entre duas organizações distintas, uma voltada à produção, a Entreprise Nationale de Production Cinématographique (Enaproc), e outra à distribuição, a Entreprise Nationale de Distribution et d’Exploitation Cinématographique (Enadec).

Os três filmes produzidos pela Enaproc antes de seu rápido desaparecimento foram muito semelhantes às obras produzidas anteriormente pelo Oncic. Em 1987, as duas organizações foram fundidas novamente para formar o Centre Algérien pour l’Art et l’Industrie Cinémathographique (Caaic). Ao mesmo tempo, os recursos da emissora de televisão RTA foram reagrupados para formar a Entreprise Nationale de Production Audiovisuelle (Enpa) e as fronteiras que até então haviam separado a produção cinematográfica da televisiva se tornaram indistintas. De 1986 a 1996, o Caaic e a Enpa foram responsáveis por 22 longas (uma média de dois por ano). Com a co-produção vietnamita de Amar Laskri, Lótus flower/Fleur de lótus (1998), teve produção demorada e foi lançado vários anos mais tarde. Vários desses filmes foram produções conjuntas das duas companhias e teve orçamento baixo – alguns em 16 mm – e destinados principalmente ao mercado televisivo.

O violento distúrbio político dos anos 1990 na Argélia – que Benjamin Stora chamou de “guerra invisível”, e na qual até 100.000 pessoas podem ter morrido (STORA, 2001) – levou muitos diretores ao exílio na França e na Itália. Como conseqüência, co-produções sem nenhum envolvimento do setor público surgiram pela primeira vez, com obras filmadas na Argélia, mas financiadas pela Europa. Em outubro de 1993, outro passo radical foi dado pelo governo argelino: os diretores empregados no Caaic tiveram seus contratos rescindidos. O órgão continuaria a existir apenas para oferecer apoio limitado à produção e administrar um novo esquema de financiamento baseado em roteiros submetidos a uma comissão governamental.

Finalmente, em 1997, o governo encerrou as atividades do Caaic, da Enpa e da organização de cinejornal, a Agence Nationale des Actualités Filmées (Anaf), efetivamente deixando o país sem nenhuma estrutura de produção cinematográfica.

Diante disso, a situação da produção na Argélia permanece incerta. Boujemaa Karèche, diretor da Cinémathèque argelina, não exagerou ao declarar, em Où va le cinéma algérien?: “O cinema argelino em 2000 – produção: zero; salas de exibição: zero; distribuidores: zero; ingressos vendidos: zero”. Nenhum longa-metragem argelino foi produzido entre 1997 e 2002, pois simplesmente não houve financiamento disponível no país. Embora a diretora Yamina Bachir-Chouikh tenha permanecido na Argélia, seu sucesso internacional Rachida, que pôs fim à seca em 2002, foi produzido exclusivamente com verbas francesas. Um esquema de financiamento baseado em tributação sobre a bilheteria se esgotou (praticamente não havia bilheteria) e teve de ser complementado pelo Ministério da Cultura para financiar a produção de cinco filmes que celebrariam o milésimo aniversário da cidade de Argel, embora apenas um tenha sido realizado – The neighbour/La voisine (Ghaouti Bendeddouche, 2002). O co-financiamento parcial argelino-francês de outros nove projetos para celebrar o “Ano da Argélia na França 2002” teve mais sucesso, com a produção de sete filmes (mas apenas dois de diretores residentes na Argélia). Somente em 2004 foi reestabelecido um centro nacional de cinema, o Centre National de la Cinématographie et de l’Audiovisuel (CNCA). Com apenas 11 filmes (todos com financiamento francês total ou parcial e sete deles dirigidos por cineastas residentes na Europa) lançados entre 2000 e 2004. Porém levanta-se a questão se podemos afirmar que se trata de um genuíno cinema argelino, sendo as obras dos diretores exilados particularmente problemáticas. Mirka (2000), de Rachid Benhadj, por exemplo, foi exibido no festival JCC em Túnis como um filme “argelino”. Mas Benhadj vive atualmente na Itália e seu filme é uma co-produção verdadeiramente internacional: teve financiamento italiano, francês e espanhol, Vanessa Redgrave e Gérard Depardieu no elenco, fotografia do mundialmente famoso Vittorio Storaro e uma exuberante trilha sonora no estilo hollywoodiano do compositor argelino Safi Boutella.



Marrocos

Depois de um início lento, a produção cinematográfica marroquina cresceu constantemente por quase 40 anos. Com 150 longas-metragens feitos por cerca de 60 diretores até o fim de 2004, o Marrocos é hoje o maior produtor cinematográfico da região. O CCM tinha experiência considerável com curtas-metragens, mas a produção de longas só começou 12 anos depois da independência, em 1968. No início, o governo pareceu indiferente ao potencial mais amplo do cinema.

O CCM fora criado pelos franceses nos anos 1940 como uma organização essencialmente colonial, mas permaneceu operando com funções praticamente inalteradas depois da independência – embora técnicos marroquinos tenham substituído gradualmente os expatriados franceses e o serviço de cinejornal tenha sido reestruturado como uma instalação de produção independente, as Actualités Marocaines, em 1958. Significativamente, o CCM respondia não ao Ministério da Cultura – como é o caso da maioria das organizações estatais de produção cinematográfica –, mas aos Ministérios da Informação e do Interior. Na independência, o Estado não assumiu poderes para controlar a importação, a distribuição ou a exibição de filmes. E os 250 cinemas de 35 mm do Marrocos, a maioria em centros urbanos, foram deixados para o setor privado que, inevitavelmente, favoreceram os filmes importados. Embora tenha financiado total ou parcialmente os primeiros três longas-metragens marroquinos em 1968-9, o CCM não deu continuidade a esse apoio durante a década seguinte. Somente em 1977 o financiamento pelo menos parcial do CCM tornou-se a norma, com sete longas-metragens financiados entre 1977 e 1979. Mas todos os filmes do início da década de 1970, sobre os quais o país criou sua primeira reputação internacional, tiveram financiamento privado. Os avanços na oferta de estúdios e instalações de laboratório e serviço de dublagem tiveram pouco ou nenhum impacto sobre o nível da produção doméstica, que permaneceu baixo ao longo dos anos 1970. Durante todo o período desde 1968, os filmes com produção estrangeira utilizando locações marroquinas superaram em muito as iniciativas locais em termos de financiamento e recursos1.

A situação local mudou radicalmente em 1980, quando o governo marroquino introduziu um sistema de auxílio (os chamados fonds de soutien) que, embora não tenha dado atenção à qualidade, foi um grande estímulo à atividade de produção. Como resultado, 38 longas-metragens de 21 novos diretores foram produzidos. Apesar da boa intenção do plano, as somas oferecidas eram pequenas e só disponibilizadas após a conclusão do filme. Além disso, o esquema não era apoiado por nenhum sistema de controle de importações ou organização de distribuição. O resultado foi uma produção de um grande número de filmes para os quais praticamente não havia público dentro ou fora do Marrocos.
Em 1988, o esquema de financiamento foi novamente modificado – sob o nome de Fonds d’Aide à la Production Cinématographique Nationale (FAPCN) – visando dar mais ênfase à qualidade e oferecer financiamento principalmente com base em roteiros.

O nível de financiamento voltou a aumentar nos anos 1990 e novas concessões fiscais foram oferecidas aos produtores cinematográficos. Assim, têm sido produzidos sete longas-metragens anualmente desde o início da década de 2000 (33 ao todo), quase três vezes a quantidade obtida nos anos 1970 e 80. Pela primeira vez, os filmes marroquinos atraem públicos locais substanciais. Várias produções alcançam públicos de mais de 200.000 pessoas, sendo duas comédias as produções que obtiveram maior público: Looking for my husband’s wife/À la recherche du mari de ma femme (1993), de Mohamed Abderrahman Tazi, e Crooks/Les bandits (2004), de Saïd Naciri, que atraíram mais de 1 milhão de espectadores só no Marrocos. A força do sistema marroquino está no ecletismo, com verbas concedidas tanto a quem obtém êxito junto ao público doméstico quanto a quem se sobressai junto ao público estrangeiro em festivais. A cada ano, pelo menos um novo cineasta recebe financiamento para o seu primeiro longa-metragem, normalmente depois de concluir dois ou três curtas-metragens. Ademais, a ajuda governamental é praticamente a única fonte de financiamento cinematográfico no Marrocos; portanto, os filmes que não recebem apoio estatal simplesmente não são realizados. Em geral, os filmes feitos por cineastas nascidos no Marrocos e residentes no exterior não recebem distribuição no país. Nem mesmo In my father’s house/In het huis van mijn vader, de Fatima Jebli Ouazzani, ganhador do prêmio principal no Festival Nacional de Cinema de 1998, foi distribuído no país.

Na década de 1990, o CCM realizou co-produções interessantes com cineastas do
Mali, Costa do Marfim e Tunísia, mas sua própria produção concentra-se principalmente no mercado doméstico, e filmes realizados como co-produções estrangeiras são incomuns. Como na Argélia sob o monopólio do Oncic nos anos 1980, parece haver alguma concessão entre quantidade e qualidade no sistema marroquino. Embora o CCM tenha produzido duas vezes mais filmes que os produtores tunisianos desde 1990, essas obras marroquinas atraíram menos atenção da crítica internacional.

 

Tunísia

Embora a Tunísia seja, de longe, o menor país maghrebino, os cerca de 40 diretores do país produziram mais de 80 longas-metragens em quatro décadas, 20 deles entre 2000 e 2004. Depois da independência, as duas organizações fundamentais que moldaram a produção e a cultura cinematográfica foram o Secrétariat d’État aux Affaires Culturelles et à l’Information (Seaci) e a Société Anonyme Tunisienne de Production et d’Expansion Cinématographique (Satpec). O Seaci foi a organização governamental criada para supervisionar a cultura e a informação. Sua divisão de cinema foi chefiada pelo famoso crítico Tahar Cheriaa de 1961 a 1969. No início dos anos 1960, o Seaci seguiu o padrão colonial francês de distribuição de filmes em zonas rurais, criando vários centros culturais equipados com projetores de 16 mm e organizando um sistema de distribuição de ciné-bus. O órgão também produziu dois filmes dirigidos por cineastas estrangeiros e três dos primeiros seis longas-metragens tunisianos lançados entre 1967 e 1970. A Satpec foi a empresa estatal criada em 1957 para administrar a produção, importação, distribuição e exibição de filmes. No início da década 1960, as tentativas da Satpec de enfrentar as distribuidoras multinacionais que dominavam o mercado doméstico tunisiano foram malsucedidas. A estatal, porém, não se intimidou e montou um ambicioso complexo de produção cinematográfica em Gammarth em 1966. Infelizmente, até 1983, o local só pôde processar filmes em preto-e-branco e, como resultado, incorreu em custos e prejuízos que acabariam levando a sociedade controladora à virtual bancarrota. A Satpec encerrou o envolvimento na produção de longas no fim dos anos 1980 e fechou em 1994, quando foi incorporada pela empresa de televisão Canal Horizon. Durante o período de seu envolvimento com a produção de longas-metragens (1969-90), a Satpec não deteve o monopólio da produção cinematográfica. Contudo, atuando normalmente como co-produtora ao lado da produtora do próprio diretor, a empresa foi parcialmente responsável por 29 dos 49 longas tunisianos produzidos nesse período, dos quais 12 filmes foram co-produzidos por empresas estrangeiras. Embora possua o menor número de cinemas entre os três países maghrebinos (150 na época da independência, diminuindo para apenas 36, em 2000), a Tunísia sempre teve uma cultura cinematográfica rica, exemplificada pela revista de cinema bilíngüe Goha (mais tarde SeptièmArt), que foi fundada em 1964 e chegou à centésima edição em 2002. O principal festival de cinema árabe, o bienal Journées Cinématographiques de Carthage (JCC), foi criado em Túnis em 1966 e avança nos anos 2000. Um movimento de cinema amador prospera desde os anos 1960, época da criação do Festival International du Film Amateur de Kélibia (Fifak), existente até hoje. Foi desse movimento que surgiram alguns dos novos diretores de longas-metragens tunisianos. Apesar do fechamento da Satpec, o governo tunisiano continuou a financiar a produção cinematográfica. Em 1981, ele introduziu um sistema de ajuda aos produtores baseado num imposto de 6% sobre a renda da bilheteria (semelhante ao do Marrocos). Desde 1990, o serviço de televisão estatal Établissement de la Radiodiffusion Télévision Tunisienne (ERTT) também atuou como co-produtor de um filme por ano (em um total de 12 até 2002), e o Ministério da Cultura contribuiu diretamente em outras seis produções. Por causa das limitações do mercado doméstico, os cineastas têm de procurar financiamento no exterior. Dos 36 filmes lançados desde 1990, 28 foram co-produções internacionais. A maioria das companhias co-produtoras é francesa ou belga (onde muitos cineastas estudaram), mas também existem ligações com o Marrocos (seis longas-metragens). Um acontecimento fundamental em meados dos anos 1980 foi o surgimento de Ahmed Attia, um grande produtor independente, cuja companhia Cinétéléfilms foi responsável por vários dos melhores filmes tunisianos recentes, que obtiveram grande sucesso e distribuição internacional.

A África ocidental subsaariana francófona
Há várias razões para tratar esses 14 Estados como uma unidade em termos de produção cinematográfica. Como ex-colônias, todos receberam tratamento especial de ministros franceses preocupados com os assuntos externos e a cooperação cultural (de fato, o Ministério da Cooperação foi criado especificamente para desenvolver os laços com a África pós-independência). De fato, muitos dos filmes considerados  neste trabalho dificilmente seriam realizados ou teriam ganhado grande difusão internacional sem o apoio do governo francês. A necessidade de exibição no exterior é bem clara, pois com freqüência o número de salas de exibição nesses países é freqüentemente irrisório: Mahamat Saleh Haroun filmou uma visita ao único cinema existente no Chade em seu quase documentário Bye, bye África/Bye, bye Africa (1999).

O total de filmes individualmente produzidos pelos países ao longo de 30 ou 40 anos é bem modesto, uma média de seis longas-metragens por ano. Freqüentemente, como é o caso de Benin, Camarões e Gabão, há uma lacuna de dez, quinze ou até mesmo vinte anos entre a obra dos cineastas pioneiros de filmes de 16 mm dos anos 1970 (financiada na maior parte pelo Ministério da Cooperação francês) e a dos praticantes do novo cinema de filmes de 35 mm dos anos 1990 (também dependentes do financiamento estrangeiro). Todo o estímulo para a mudança de 16 mm para 35 mm veio de fontes francesas – até mesmo no Senegal, que tem um histórico de produção contínua desde 1966, ainda que de um único filme por ano. Em nenhum lugar – nem no Maghreb nem na África ocidental francófona – houve um tipo e um grau de investimento em infra-estrutura equivalente aos que permitiram o surgimento de uma indústria cinematográfica genuinamente autônoma no Egito. Nem tal projeto foi atraente para os sucessivos governos franceses, que nunca demonstraram qualquer interesse verdadeiro no desenvolvimento da infra-estrutura da África. Em nenhum país o número de salas de exibição atingiu um nível que permitisse a sustentação financeira de uma produção local com um público local. Uma valiosa pesquisa realizada por Jacques Roitfeld para a Unifrance Film em 1980, estimou em 337 o total de cinemas na África ocidental francófona (ROITFELD, 1980). E há uma relação direta entre o número de filmes produzidos e o total nacional de cinemas. Isso fica bem claro quando consideramos os cinco países que produziram 20 filmes ou mais: Bye, bye Africa, de Mahamat-Saleh Haroun (1999). California Newsreel
• Senegal: 47 filmes; terceiro em número de cinemas (52).
• Burkina Fasso: 40 filmes; sétimo em número de cinemas (12).
• Camarões: 31 filmes; terceiro em número de cinemas (52).
• Costa do Marfim: 26 filmes; segundo em número de cinemas (59).
• Mali: 25 filmes; quinto em número de cinemas (30).

Guiné é uma exceção, já que os 14 filmes produzidos não são compatíveis com seu número de cinemas (65), talvez por causa do governo autocrático e das políticas culturais específicas do presidente Sekou Touré, e Burkina Fasso, que virou a “capital” do cinema africano francófono com financiamento externo, apesar da escassez de cinemas2. O argumento de que esses filmes africanos ocidentais francófonos podem ser melhor considerados como um grupo único não significa, contudo, que iniciativas africanas específicas não tiveram importância ou que os cineastas em países africanos específicos – e os filmes que produziram – não tenham características que os diferenciem da produção dos países vizinhos. Há diferenças enormes entre os Estados recém-emancipados da África subsaariana em termos de história, língua e etnia e há também, na verdade, diferenças igualmente grandes dentro desses países. Talvez o caso mais extremo seja o de Camarões, com apenas 15 milhões de habitantes que pertencem a 200 grupos étnicos diferentes e falam mais de 100 línguas diferentes (NGANSOP, 1987). Não surpreende que os longas-metragens de Camarões usem constantemente a língua francesa, à exceção de Aristotle’s plot/Le complot d’Aristote (Jean-Pierre Bekolo, 1996), que adota o inglês e é bastante diferente quanto a outros aspectos: foi filmado no Zimbábue com atores sul-africanos e teve pós-produção no Zimbábue, França e Canadá. (HARROW, 1999). A produção de Camarões (31 filmes de 13 diretores, a maioria formada em escolas de cinema francesas, cinco no Conservatoire Libre du Cinéma Français (CLCF)) foi impulsionada por oito longas-metragens de Alphonse Béni, no período de 1975-85, em um estilo adequadamente descrito por Ferid Boughedir como “films policiers erótico-disco” (BOUGHEDIR, 1984). O clássico de Jean-Pierre Dikongue-Pipa, Muna Moto (1975), indicou uma possível direção para a produção camaronesa, mas o tomado pelos cineastas do país foi claramente comercial, com esforços para alcançar um público amplo por meio da comédia. Em 1973, o governo criou um órgão de financiamento, Fonds de Développement de l’Industrie Cinématographique (Fodic), que apoiou quatro longas-metragens entre 1978 e 1982. Mas apenas um filme foi feito nos nove anos entre 1987 e 1996, quando um novo grupo de jovens diretores com financiamento francês e trabalhando em 35 mm começou a dirigir e criar reputação internacional. Outro cinema de língua francesa dos anos 1970, o do Gabão (nove filmes de seis diretores), mostra descontinuidade similar. Embora o país tivesse apenas oito salas de exibição, o presidente, Omar Bongo, demonstrou um interesse altamente pessoal pelo cinema, criando um centro cinematográfico, o Centre National du Cinéma (Cenaci), e encorajando algumas produções durante aquela década.

 

No fim dos anos 1970, a produtora do próprio chefe de Estado produziu versões de duas peças escritas por sua mulher e uma adaptação de suas memórias. Seguiu-se uma lacuna de 21 anos antes da produção de Dôlè, filme realizado pelo jovem Léon Imunga Ivanga, formado na École Nationale Supérieure des Métiers de l’Image et du Son (La Fémis) – que ganhou o prêmio principal no festival JCC, em Tunis, em 2000. A produção de Benin (antigo Daomé), que nacionalizou seus seis cinemas em 1974, é menor e ainda mais fragmentada (apenas nove longas-metragens de cinco diretores). A primeira organização cinematográfica, Office National de Cinéma du Dahomey (Onacida), mudou o nome em 1974 (quando o país foi rebatizado pelo governo marxista-leninista) para Office Béninois du Cinéma (Obeci). Segundo Victor Bachy, a nacionalização “criou grande esperança, mas o Obeci, mal  dirigido e mal administrado, levou o cinema de Benin ao desastre”. Houve apenas dois filmes em meados dos anos 1970, de diretores que mais tarde se exilaram, e outro em 1985. Seguiu-se uma lacuna de 14 anos, quando então surgiram os dois primeiros diretores nascidos após a independência. A minúscula produção do Congo (cinco filmes de quatro cineastas, todos formados em Paris) é igualmente descontínua. Inicialmente, houve um longa-metragem pioneiro em 1973, com financiamento francês, seguido em 1979 e 1981 por dois filmes produzidos pela organização estatal Office National du Cinéma (Onaci). Depois de uma lacuna de 13 anos, foram exibidos os primeiros filmes de cineastas mais jovens. A Guiné, com 14 filmes de sete cineastas e outros dois longas-metragens produzidos coletivamente, nacionalizou seus cinemas – por meio da companhia estatal Syli-Cinéma – assim que se tornou independente, em 1958, e produziu um primeiro longa-metragem em 1966. Depois, o cinema da Guiné é definido essencialmente por três estágios: um trio de filmes de Dansogho Mohamed Camara e um filme de Moussa Kemoko Diakite entre 1977 e 1990; três filmes dirigidos entre 1991 e 2002 por Cheik Doukouré, que viveu na França por 40 anos; e, desde 1997, os filmes de estréia de três jovens diretores. O Níger possui 12 cinemas e sua produção de 12 filmes (11 em 16 mm) é obra de apenas cinco diretores, quatro deles autodidatas. De fato, a característica marcante do cinema do Níger, segundo Ferid Boughedir, é que seus cineastas “representam o cinema africano a partir de dentro” (BOUGHEDIR, 1984), sem o distanciamento encontrado na obra de intelectuais educados na Europa. O Níger era uma das locações prediletas do documentarista e etnógrafo francês Jean Rouch, que revelou e apoiou dois pioneiros do cinema africano dos anos 1960: o animador Mustapha Alassane e Oumarou Ganda, que fez o papel principal em seu documentário Eu, um negro/Moi, un noir (1959). A maior parte da obra desses dois cineastas é formada por curtas e médias-metragens, mas Alassane chegou a dirigir três longas em 16 mm e Ganda, dois – o primeiro no início da década de 1970 e o segundo, The exile/L’ exilé, pouco antes de sua morte, em 1981, com apenas 46 anos (ISSA, 1991; TEICHER, 2003). No início dos anos 1980, a televisão nacional, Office de Radiodiffusion Télévision du Niger (ORTN), tornou-se, por um breve período, o foco da produção cinematográfica local e também participou do épico pan-africano Sarraounia, do mauritano Med Hondo. Desde 1989, longasmetragens não são produzidos no Níger. Outros quatro cinemas “nacionais” incluem apenas um ou dois cineastas, quase todos exilados.

'Eu, um negro' de Jean Rouch'Eu, um negro' de Jean Rouch

A produção de longas na Mauritânia, por exemplo, é representada por apenas dois cineastas radicados em Paris, mas ambos são, cada um a seu modo, grandes personalidades do cinema africano. O veterano Med Hondo produziu sete longas-metragens politicamente engajados e vários documentários longos desde 1970, enquanto Abderrahmane Sissako, que estudou no Vserossiyskiy Gosoudarstvenni Institut Kinematographii (VGIK) – Instituto Estatal de Cinematografia da Rússia –, é uma das grandes esperanças do novo cinema africano. O Chade é berço de dois cineastas formados em Paris e radicados na França cujas carreiras começaram em 1999 e 2000: Mahamat Saleh Haroun, que dirigiu dois longas-metragens com produção francesa na virada do milênio, e Issa Serge Coelo, que dirigiu um. O único cineasta de Togo, Kilizou Blaise Abalo, dirigiu seu único longa-metragem, Kawilasi, co-produzido pelo Ministério de Cooperação e Cultura, em 1992. Na República Centro-Africana, Didier Ouenangare co-dirigiu seu primeiro longa-metragem, O silêncio da floresta/Le silence de la forêt, com o colega camaronês Bassek Ba Kobhio, em 2003. Apenas quatro cinematografias francófonas subsaarianas – além da de Camarões – têm um nível de produção contínua suficiente para permitir algum tipo de declaração significativa sobre direções ou tendências. Mas é duvidoso afirmar que os filmes constituem um cinema “nacional”. Os quatro países são a Costa do Marfim (26 filmes de 13 cineastas), Mali (25 filmes de 11 cineastas) Burkina Fasso (40 filmes de 20 cineastas) e Senegal (47 filmes de 21 cineastas).

O cinema da Costa do Marfim tem uma origem dupla – na obra dos anos 1960 de Désiré Ecaré e Bassori Timité, formados pelo Institute des Hautes Études Cinématographiques (IDHEC), em Paris, e na organização estatal Société Ivoirienne de Cinéma (SIC), que foi criada em 1962 e existiu (embora com pouco impacto real) até 1979. Os dois principais diretores, bem diferentes um do outro e responsáveis por metade dos filmes do país, são pioneiros dos anos 1970 formados pela escola francesa: Henri Duparc, que fez seis longas-metragens, na maioria comédias exuberantes, e Roger Gnoan Mbala, que dirigiu cinco e recentemente se especializou em dramas locais que tratam de poder e religião. Nenhum dos outros 11 diretores fez mais que dois ou três filmes. Por isso, é difícil oferecer alguma definição deste cinema além do fato de que a maioria de seus diretores (nove entre 13) é formada em Paris.
Embora o primeiro longa-metragem do Mali só tenha sido feito em 1975, a preocupação do governo com o cinema como uma força social começou em 1963, com a criação, pelo Ministério da Informação, do Office Cinématographique National du Mali (Ocinam), com apoio técnico fundamental da Iugoslávia. Cinco futuros diretores de longas-metragens do Mali foram enviados para estudar em Moscou e outro para a Alemanha oriental. Em 1967, a unidade de produção foi separada do Ocinam para se tornar o Service Cinématographique du Ministère de l’Information du Mali (Scinfoma), que produziu doze curtas-metragens antes de ser incorporado ao Centre National de la Promotion de l’Artisanat (CNPA) – um foco da produção malinesa dos anos 1970 até os anos 2000, particularmente sob a liderança de Cheick Oumar Sissoko, que ingressou no órgão em 1981. Sissoko seguiu o mesmo padrão de cinematografia de cunho social do pioneiro Souleymane Cissé, moldado por sua formação na escola de cinema VGIK, em Moscou, nos anos 1960. Com cinco longas-metragens cada um, eles dominam a produção malinesa, determinando seu tom e, no caso de Cissé, provocando uma reviravolta na cinematografia africana subsaariana com Yeelen, em 1987. Seus esforços têm sido apoiados mais recentemente pela obra de outros cineastas mais jovens formados em Moscou. Como a maioria de seus diretores tem formação profissional e vários deles são escritores profissionais, o cinema malinês é particularmente rico no alcance e na textura de seus filmes. Embora o Estado ofereça algum financiamento por meio do CNPA, os filmes são na maioria co-produções internacionais. Ferid Boughedir escreveu em 1984 que “o cinema malinês possui o material humano. A ajuda de algumas medidas legislativas certamente permitiria que ele se tornasse um dos grandes cinemas africanos do futuro” (BOUGHEDIR, 1984). Com a chegada de Sissoko em 1986, o lançamento de Yeelen de Cissé em 1987 e o surgimento de outros cinco cineastas entre 1989 e 2002, essa promessa foi ao menos parcialmente cumprida. No Senegal, que representa cerca de um quinto do cinema africano ocidentalfrancófono em termos de filmes e diretores, nove filmes foram produzidos antes da criação de uma organização estatal de produção. O pioneiro foi Ousmane Sembène, com seus três longas-metragens: Black girl/La noire de… (1966), The money order/Mandabi (1968) e Emitai (1971). Embora os dois primeiros tenham sido concluídos graças, em parte, ao financiamento francês, Emitai, com sua denúncia do colonialismo da França, teve financiamento independente.

 

A partir de 1970, Sembène contou com o apoio financeiro de Mahama Traore (mais conhecido como Johnson Traore), que fez três filmes de ficção (16 mm) em 4 anos por meio de sua companhia Sunu Films, Ababacar Samb-Makharam (com Kodou) e Momar Thiam. Em 1973, Djibril Diop Mambéty estreou no longa-metragem, depois de alguns curtas, com o maravilhoso e criativo Touki Bouki. Dois anos depois, Safi Faye tornou-se a primeira mulher da África ocidental francófona a dirigir um longa-metragem, com o bem-sucedido Letter from my village/Kaddu Beykat, uma mistura de documentário e ficção em preto-e-branco e filmado no formato 16 mm. A organização estatal de produção, Société Nationale de Cinéma (SNC), que começou a operar em 1973, cobriu até 90% dos custos de cinco longas-metragens – em 16 mm e 35 mm – antes de sua extinção, em 1977. A década terminou vigorosamente com três longas de boa qualidade, mas bastante variados: Ceddo, de Sembène, Tiyabu Biru, de Moussa Yoro Bathily, e Fad’jal, de Safi Faye, este último co-financiado pelo Ministério da Cooperação francês e pelo Institut National de l’Audiovisuel (INA), sediado em Paris. A introdução de uma nova estrutura de financiamento (o Fonds d’aide à l’industrie cinématographique) levou a um salto na produção cinematográfica no início dos anos 1980, com três longas-metragens de estréia, incluindo o do veterano historiador do cinema e documentarista Paulin Soumanou Vieyra. Outros três diretores – Thierno Faty Sow, Samb-Makharam e Thiam – dirigiram seu segundo ou terceiro longa-metragem. Seguiu-se uma lacuna de quatro anos (1984-87) até o surgimento, como em outras partes da África, de uma nova geração, na maior parte nascida na década de 1950. Entre esses novos cineastas estavam Amadou Saalum Seck, que estudou em Munique; Clarence T. Delgado, educado na Argélia e em Portugal; e quatro formados em Paris: Moussa Sene Absa, Samba Félix N’Diaye, Joseph Gaye Ramaka e Mansour Sora Wade, que se destacaram mais.

Burkina Fasso (conhecido até 1984 como Alto Volta) ocupa uma posição paradoxal no cinema africano. Como Victor Bachy disse em 1983, o país é, “cinematograficamente falando, um país excepcional, uma espécie de farol africano” (BACHY, 1983). Ferid Boughedir vai ainda mais longe e, em 1984, descreve o país como “um símbolo no coração do cinema africano” (BOUGHEDIR, 1984). Desde 1969, a capital do país, Ouagadougou, abriga o principal festival de cinema bienal da África negra – o Fespaco – e também a sede da associação dos cineastas africanos, a Fepaci. Graças ao financiamento francês a partir de 1979, também foram feitas tentativas de criar uma organização de distribuição cinematográfica interafricana, Consortium Interafricain de Distribution Cinématographique (CIDC), e um consórcio paralelo de produção, Consortium Interafricain de Production de Films (Ciprofilm). Ambos os órgãos abrigavam grandes promessas, mas não foram capazes de cumpri- las. A primeira escola de cinema africana subsaariana, Institut Africain d’Études Cinématographiques (Inafec), foi criada em 1976. No entanto, embora tenha formado grandes personalidades como Idrissa Ouedraogo, Dani Kouyaté e Régina Fanta Nacro, a escola atraiu poucos estudantes estrangeiros e fechou em 1986. Também foi em Ouagadougou que se estabeleceu, em 1995, a Cinémathèque Africaine. Embora Burkina Fasso tivesse apenas seis cinemas na época da independência, seu governo foi o primeiro da África subsaariana a nacionalizar a exibição cinematográfica, em 1970, entregando a administração das seis salas a uma nova organização estatal, Société Nationale Voltaïque du Cinéma (Sonavoci). Ogoverno também liderou a luta para libertar a África francófona do domínio das companhias de distribuição estrangeiras. Mas a produção de longas-metragens teve desenvolvimento lento e inicialmente careceu de um foco claro, em parte porque os primeiros dez filmes foram dirigidos por dez diretores diferentes, com uma mistura de diplomados e autodidatas. Contudo, em um fascinante livro sobre o cinema de Burkina Fasso de 1960 a 1995, Teresa Hoefert de Turégano demonstra, sob a perspectiva de 2005, a existência de um duplo padrão na produção burquinense. Os filmes dominados pelas autoridades locais ou feitos como co-produções africanas(embora a maior parte do financiamento ainda venha freqüentemente da França) são “altamente educativos do ponto de vista social, didático e dramático” (TURÉGANO, 2005). Embora sejam inteiramente louváveis em seus objetivos e intenções, esses filmes praticamente não são exibidos no exterior e, ao mesmo tempo, mostram-se impopulares entre o público doméstico. A segunda tendência – inaugurada por Gaston Kabore com Wend Kuuni (1982) – consiste em filmes que “têm narrativas universalmente sintonizadas e, em alguns casos, brincam com uma dimensão exótica” (TURÉGANO, 2005). Aqui o financiamento é evidentemente europeu e os cineastas, residentes ou regularmente presentes na França. Mesmo assim, esses filmes têm se mostrado mais populares entre o público burquinense – Wend Kuuni atraiu mais de 100 mil espectadores (TURÉGANO, 2005). Essa tendência inclui a obra das três figuras fundamentais que deram ao cinema burquinense sua face internacional: Gaston Kabore, Idrissa Ouedraogo e S. Pierre Yaméogo. Os três, que juntos são responsáveis por metade da produção cinematográfica nacional, nasceram nos anos 1950, estudaram cinema em Paris e começaram suas carreiras na década de 1980. No período iniciado em 1990, surgiram oito novos diretores, a maioria nascida nas décadas de 1950 e 1960 e todos trabalhando com 35 mm e financiamento principalmente francês. À exceção de Dani Kouyaté, no entanto, eles têm se destacado bem menos que seus antecessores.

  • 1. Em 1996-7, a disparidade foi de mais de 40 para 1 (US$ 2,4 milhões em investimentos marroquinos e US$ 98,2 milhões em investimentos estrangeiros) (Rabat: Cinémaroc 8 dezembro de 1998).
  • 2. O declínio geral do número de cinemas africanos é ilustrado por uma pesquisa mais recente: 22 no Senegal e apenas sete em Camarões (contra 52 anteriormente em ambos os países), 25 na Costa do Marfim (contra 59) e 23 no Mali (contra 30). Só o caso especial de Burkina Fasso (34 cinemas ativos, contra 12 anteriormente) contraria a tendência. L’Atlas du Cinéma, Cahiers du Cinéma, edição especial (Paris, abril de 2003), p. 33.

por Roy Armes
Afroscreen | 28 Agosto 2012 | áfrica subsariana, cinema africano, Saara, subsaariano