Um contexto político complicado

Neste momento, há claramente três facções dentro do MPLA: a dos seguidores do Presidente, João Lourenço; a dos fiéis a José Eduardo dos Santos; a dos saudosistas e sempiternos fiéis a Agostinho Neto.

João Lourenço está sob fogo das duas outras facções, em reacção à sua política de luta contra a corrupção. Essas duas facções têm actuado em separado, mas certamente que vão unir-se no combate a esta presidência.

Eu diria que João Lourenço tem agora quatro frentes de combate na área do seu próprio partido, o MPLA. Quais são essas frentes? As duas citadas (adeptos de Neto e de JES), mais a daqueles que confiaram numa mudança que não vêem realizada; e há, ainda, a quarta frente que é constituída pela inércia ou incompetência e outras fragilidades de membros da sua própria equipa governativa (incluindo suspeitas de corrupção).

O presidente está a sofrer os efeitos do regime de que ele foi um dos construtores. Um regime que começou por implantar uma terrível ditadura; que foi implacável na perseguição à divergência política e de pensamento, na exclusão e exerceu sanguinária repressão. 

Obrigado a evoluir por força das circunstâncias (oposição armada da UNITA que levou aos acordos de Bicesse), o regime tornou-se pluripartidário mas manteve e amplificou taras iniciais: o MPLA conservou a esmagadora hegemonia na vida nacional; alargou a construção e preservação duma enorme clientela política; continuou e ampliou o sistema de corrupção que, desde a independência, drenou as avultadíssimas receitas do Estado proporcionadas pelo petróleo. 

São bem visíveis as consequências dessas taras do regime: o país em difícil situação financeira, económica e social; o aparelho político e administrativo e instituições corroídos pela corrupção e descrédito; o generalizado servilismo ao poder político; o acentuado deficit de cidadania na população.

Daí os enormes obstáculos para se poder realizar as tão urgentes e necessárias mudanças no país. Elas só podem ser conseguidas com uma governação com eficácia, uma sociedade civil desperta e actuante, mecanismos de escrutínio da actuação governativa que agora não existem. No pressuposto de que o Chefe do Executivo está empenhado na mudança, ele terá de remover os obstáculos criados ao longo de quarenta e cinco anos pelo regime que governa o país. Para isso é necessário muita capacidade de ruptura com métodos, pessoas e hábitos que conduziram Angola à perigosa situação em que se encontra.

Para lá das lutas no seio do MPLA e da sua vasta clientela (chamemos-lhes combates internos), João Lourenço enfrentará ainda uma UNITA que tem capitalizado muito do descontentamento popular face às precárias condições económicas e sociais que prevalecem no país.

Contudo, no plano internacional, João Lourenço continua a desfrutar de variado apoio. 

Memorial ao soldado desconhecido, Luanda. foto Marta LançaMemorial ao soldado desconhecido, Luanda. foto Marta Lança

O momento que se vive em Angola e o seu desfecho levam a procurar obter-se respostas para questões como estas: até onde irão as divisões no seio do MPLA; como o Executivo conseguirá captar determinados sectores da sociedade civil e como conseguirá amenizar as duras condições em que vive a grande maioria da população; como a oposição, nomeadamente a UNITA, conseguirá capitalizar o descontentamento das populações; como a oposição conseguirá ser percebida pelo eleitorado como credível alternativa ao actual poder.

Publicado originalmente no NOVO JORNAL a 23-10-2020.

por Adolfo Maria
A ler | 25 Outubro 2020 | undefined