A língua caboverdeana é um fator de unidade transnacional.
A ilicitude na escrita da língua caboverdeana (LCV) do manual do 10° ano, que só existe em versão digital, e da prova nacional de língua e cultura cabo-verdiana (LCCV), da 1ª chamada do 11º ano, vêm trazer à liça questões que extravasam a falta de base legal e a ampla crítica negativa técnico linguística e pedagógico didática dos mesmos.
Sobre esta matéria muitas questões se podem colocar e, desde logo, a razão da introdução da disciplina de LCV no 10º ano, quando a literatura científica indica o papel irrefutável do ensino em língua materna nos primeiros anos de escolaridade, para o fortalecimento, do desenvolvimento cognitivo, da aprendizagem de outras línguas e disciplinas, na construção da identidade cultural e por essas e mais razões no sucesso escolar.
A polémica do manual do 10º ano de LCV e do teste do 11º ano de LCCV é apenas um dos múltiplos gatilhos do ponto fulcral, já não de discussão, mas da tomada de decisão sobre a oficialização da língua materna.
A Língua Caboverdeana é um fator de unidade transnacional e, por essa via, um ativo de valor incalculável para Cabo Verde a par e sem diminuição da valia da Língua Portuguesa que, por razões históricas, terá sempre um papel importante a nível nacional e de destaque no quadro geopolítico mundial especialmente no conturbado momento que a humanidade atravessa. Não subestimemos o poder dos países falantes oficiais do português, nomeadamente nas organizações continental e transnacional como os PALOP e a CPLP.
Cabo Verde é resultado de correntes migratórias de África e da Europa, no século XV, no século XVIII flui para a América atrás das baleias, no século XX sai para a Europa e África, e no século XXI continua a espalhar-se pelo mundo de oriente a ocidente.
plateau, Praia, fotografia de Marta Lança
A língua caboverdeana forma-se com essa nação quinhentista e é hoje uma língua transnacional falada pela imensa diáspora, espalhada pelo mundo, mantendo-se viva e permitindo que dois falantes de segunda ou mais gerações, que vivam em pontos opostos do globo onde se falem línguas diferentes, discutam matemática, astronomia, medicina, educação ou simplesmente falem da família na sua língua materna. Todos aprendem, desde sempre, melhor ou pior, as línguas dos países onde se instalam, marcando-as com o sotaque da variante da região da sua origem.
A dificuldade no consenso para a padronização da escrita é perfeitamente entendível e advém do processo histórico caboverdeano de que pouco ou nada falamos. Julgamo-nos uns aos outros, fulanizamos críticas que se desviam invariavelmente do foco principal, partidarizamos a política e perdemo-nos em desaguisados indigestos.
As configurações seculares que nos enformam, desde o povoamento, trazem com elas estigmas de desunião quer entre as ilhas do arquipélago, quer na relação com o nosso continente, que teimamos em manter sem nos apercebermos quão colonizado deixámos ficar o nosso pensamento.
Tendo consciência dos inibidores determinantes na tomada de decisão sobre a oficialização da língua caboverdeana, não deveríamos permitir que, a coberto de encontrar caminhos que contentem as pressões regionais de todas as variantes, se produzam atrocidades como o manual do 10°ano de LCV e a prova nacional de LCC, da 1ª chamada, do 11º ano.
Quando finalmente descolonizarmos a mente perceberemos que estas questiúnculas de infra e supremacias das variantes nada mais são do que o resultado de uma colonização secular que nos deixou, apesar de meio século cumprido de independência, formas bizarras de desunião que impedem que se avance com a oficialização da LCV.
Ultrapassemos definitivamente os complexos coloniais e regionais oficializando a língua materna que é indubitavelmente transnacional.