A Branquitude como propriedade em Israel - restabelecimento, reabilitação e remoção

Introdução

O influente texto de Cheryl Harris, «A Branquitude como Propriedade», abre com uma história na qual a sua avó é tomada por branca. A habilidade desta avó para atravessar linhas de demarcação legais permitiu-lhe ter acesso a oportunidades de emprego, espaços físicos e contextos sociais apenas acessíveis aos brancos nos Estados Unidos de Jim Crow dos anos 1930. No entanto, o seu fenótipo não era o suficiente para a qualificar e para a inserir na branquitude. Ao reificar a branquitude na lei, a elite política, desejosa de proteger o seu próprio controlo, tornou-a impermeável a estas transgressões informais. 

No seu texto axial «Reflexões de uma judia árabe», Ella Shohat evoca de modo similar a história da sua avó judia iraquiana para poder descrever a construção das categorias raciais em Israel durante o seu estabelecimento, em 1948. Nessa altura, foi com avidez que os pioneiros sionistas estabeleceram um Estado-nação para os judeus, numa tentativa de escapar às perseguições europeias. Contudo, em vez de desafiarem a disposição racista e discriminatória que os excluía de uma integração plena na sociedade europeia, os sionistas tinham internalizado e reproduziram essa disposição exclusiva, no seu esforço para finalmente se tornarem europeus e alcançarem a aceitação na Europa. Com efeito, já muito antes do estabelecimento de Israel, os sionistas tinham adoptado a mitologia étnico-nacional do judeu novo e universal que era branco e europeu. Sucedeu que, factualmente, Israel excluiu e subalternizou o judeu do Médio Oriente, que necessitava de reabilitação cultural e de desenvolvimento para se tornar um israelense como deve ser: branco e europeu. Shohat descreve o que foi um chocante episódio para a sua avó quando tem a sua primeira experiência da sociedade israelense nos anos 1950:

“Estava convencida de que pessoas com aspecto, língua e hábitos alimentares tão diferentes – os judeus europeus – eram, de facto, cristãos europeus. Para a sua geração, a judaicidade estava inextricavelmente associada à orientalidade. A minha avó, que ainda vive em Israel e continua em grande medida a comunicar em árabe, teve de ser ensinada a falar de «nós», os judeus, e deles, os árabes.”

De modo a tornar-se israelense, a avó de Shohat, assim como outros judeus do Médio Oriente, foi forçada a expurgar a sua condição étnica, linguística e cultural, assumindo e reproduzindo assim a difamação das suas origens no Médio Oriente. Para os judeus do Médio Oriente que emigraram para Israel, o custo da passagem foi o equivalente a um exercício de «auto-devastação».

No entanto, o autóctone palestino, desprovido de nacionalidade israelense, não era sequer elegível para esse processo de auto-destruição. Em termos linguísticos, culturais e sociais, era quase impossível distinguir o autóctone palestino do judeu árabe. Daí que, à semelhança do judeu do Médio Oriente, o árabe (muçulmano, druso, cristão ou ateu) palestino tenha sido relegado para uma categoria inferior, denegrido e empurrado para as margens da estrutura da modernidade. Mas ao contrário do judeu do Médio Oriente, o autóctone palestino era inelegível para poder vir a tornar-se europeu ou para se aproximar da branquitude, uma vez que a definição legal de quem era um nacional judeu era muito estreita. Daí decorreu que, dentro de um contexto colonial apoiado em colonos que tentam suplantar as populações autóctones e recriar significados históricos e simbólicos para essa terra, o autóctone palestino seja sempre um obstáculo. A única solução é removê-lo/a, contê-lo/a ou torná-lo/a invisível.

O sionismo transformou necessariamente muitos tipos de judeus e os seus diversos marcadores de identidade numa categoria nacional homogeneizada em que é a lei civil, e não a doutrina religiosa, que define quem é judeu. Sem essa transformação, o judaísmo teria permanecido uma religião em que a pertença era definida pela linhagem e/ou pela adesão, mais do que por uma nacionalidade que pudesse ser reconhecida e regulada pela burocracia do Estado. A fim de assegurar o valor da nacionalidade judaica no quadro de um Estado, a lei começou por bifurcar a cidadania israelense e a nacionalidade judaica. Em segundo lugar, a lei alargou uma série de direitos e privilégios potenciais a cidadãos judeus independentemente da sua localização geográfica, seja ela dentro ou fora do Estado. Ao mesmo tempo, colocando-os em desvantagem, a lei privou os palestinos dos seus direitos e isto sem ter em conta a sua situação geográfica, fosse ela no interior do Estado, nos territórios a ocupar subsequentemente ou no exílio para o qual Israel baniu o autóctone que se considerasse pertencer a uma população em excesso. Agindo assim, Israel tanto consegue alcançar a supremacia de uma nacionalidade judaica vista pelo prisma de uma superioridade branca europeia, como facilita a expropriação, remoção e confinamento dos autóctones palestinos.

A lógica dos ideais iluministas da Europa favoreceu tanto a reabilitação dos judeus árabes como o continuado apagamento dos palestinos. Fundados em conceitos da ciência e da razão, os ideais iluministas construíram um protótipo universal marcado por características próprias do cristianismo da Europa ocidental. Enquanto elemento da ordem natural, demonstrável em termos de conhecimento científico, o cristão europeu ocidental, branco e rico, reinou como suprema manifestação da humanidade. Desde que a ciência afastou a religião como explicação da superioridade cristã e branca, veio a colocar no seu lugar o discurso orientalista que encontrava justificação na ordem natural. Ao mesmo tempo, o Iluminismo secular tornou os judeus assimiláveis por meio de um processo de engenharia social. A inclusão requeria a obliteração da diferença. Ao mesmo tempo que os sionistas renunciavam às aspirações assimilacionistas na Europa, internalizavam e reproduziam esses ideais iluministas na sua busca de um Estado-nação no Mandato Britânico da Palestina, o território administrado pelos britânicos como parte do sistema de tutela da Liga das Nações, que procurava conduzir as possessões coloniais à independência. Estes ideais conduziram a um processo de engenharia social orientado para a limpeza cultural dos judeus árabes e provenientes da Europa Oriental, assim como para a limpeza étnica dos palestinos. Tal como Edward Said explicou no seu ensaio «O sionismo a partir da perspetiva das suas vítimas»:

“O sionismo colaborou com aqueles aspectos da cultura ocidental dominante (em que o sionismo vivia institucional e exclusivamente), tornando possível que os europeus vissem os não-europeus como inferiores, marginais e irrelevantes […]. A ligação entre uma atitude abertamente imperialista em relação a terras distantes do Oriente e uma atitude científica relativamente às «desigualdades» de raça residia no facto de ambas as atitudes dependerem da vontade europeia e da força determinante necessária para transformar as realidades confusas num conjunto ordenado e disciplinado de novas classificações úteis para a Europa.” 

O trabalho de Harris, que teoriza os valores da propriedade e os aplica à branquitude, enquanto um bem tangível e não apenas como um atributo estético, ajuda à condução de uma leitura do valor da nacionalidade judaica e da sua diferenciação através da supremacia branca em Israel. Fá-lo, pelo menos, de três maneiras. 

Em primeiro lugar, o seu trabalho revela a violência codificada e aquela explícita das democracias ocidentais. Com efeito, essa violência está embebida no estado de direito, no procedimento legal, na igualdade e no pluralismo das democracias liberais, os quais, em conjunto, regulam o colonialismo dos colonos, a exclusão e o apagamento. A sua exposição mina o raciocínio jurídico enquanto fonte de legitimidade ao pôr em causa o carácter natural, ou melhor, a anti-natureza da lei. Em segundo, ao examinar o valor de propriedade da branquitude, o trabalho de Harris contribui para uma transformação tanto do estudo quanto da definição de raça. Para lá do colorismo e das suas dimensões, a raça é uma unidade cientificamente mensurável na lei, sujeita a teste e verificável quando ao serviço do Estado e, em particular, da sua elite política e económica. Por esta razão, ela é também maleável e funciona como porta de entrada para outras formas de propriedade, privilégios e acessibilidade. Finalmente, a branquitude vê o seu valor acrescido em relação a algo que não é branco. Necessita de um putativo outro que possa ser facilmente identificado, definido e capturado segundo categorias legais. Quando reunidos, estes três elementos – a violência das democracias liberais, a codificação da raça e a necessidade do «outro» – conformam esta particular leitura da branquitude enquanto propriedade no sistema legal de Israel dos nossos dias.

Fazer o rastreio da genealogia da supremacia branca e da sua edificação em Israel desde as suas origens europeias contribui para complexificar a relação binária entre judeus israelenses e palestinos. Revela uma relação de mútuo reforço entre a privação palestina e as lógicas raciais israelenses. Nomeadamente, a supremacia branca em Israel justifica e alimenta a privação palestina. Por outro lado, a privação palestina é uma parte constitutiva da supremacia branca, reificando, por conseguinte, a estratificação social israelense, na qual os judeus da Europa Ocidental e os de África ocupam as posições extremas desse regime racial. Diversos outros grupos sociais de judeus distribuem-se ao longo dessa escala, incluindo-se aí os judeus do Médio Oriente, da Europa do leste, judeus oriundos de Espanha, assim como judeus russos e não-judeus. Os palestinos, que nem sequer aparecem nos lugares mais ínfimos dessa escala, não têm nela lugar. O seu lugar na base da escala é o equivalente à morte social devido à extrema privação institucional que suportam e que lhes nega o acesso às oportunidades, à mobilidade, à família, à nação e à terra, aos meios de vida e à segurança, em sentido tanto físico quanto metafísico. Embora esta relação com os palestinos dê valor à nacionalidade judaica, ela reforça ao mesmo tempo as marcas de exclusão que estiveram na origem da «Questão Judaica» na Europa. A descolonização da figura do colono não é apenas necessária para a emancipação palestina, mas também possui o potencial de levar a emancipação judaica para lá da questão do Estado, ao resistir às representações desfiguradoras e orientalizantes que estavam subjacentes à exclusão dos judeus da Europa.

Esta abordagem contrasta claramente com aquelas, dominantes na visão do conflito, que situam Israel como uma frente de combate que impede que actores não-estatais religiosos e irracionais se desloquem para ocidente. Israel alarga a aceitação deste enquadramento quando recorre a representações islamófobas que visam amalgamar deliberadamente grupos palestinos, como o Hamas ou a Jihad Islâmica, com a Al-Qaeda ou, mais recentemente, com o Estado Islâmico. O entendimento vulgar do conflito tem assim recebido um enquadramento religioso, civilizacional e primordial, quando na verdade ele é colonial, político e contemporâneo.

Ao definir o conflito como civilizacional, Israel e os seus patronos ocidentais tentam naturalizar a existência de um Estado judaico e ocultar a continuidade da herança do colonialismo e dos colonatos. Fazem-no apresentando a presença israelense como intemporal e o seu regime judaico, tanto no interior como no exterior das fronteiras, como sendo homogéneo. Isto é inteiramente prejudicial para os palestinos, que vêem a própria existência negada. E é-o também para os judeus em cujo nome Israel fala, sem olhar às próprias prerrogativas destes. Trata-se de uma relação arbitrária que pressupõe que a nacionalização do judaísmo e a sua encarnação num Estado é o remédio adequado para a sistemática judeofobia na Europa. Assim, acaba por também encarnar e reproduzir as lógicas racistas e os exclusivismos que precipitaram a violência estrutural contra a população judaica da Europa. E vem então projetá-la numa judaicidade global, independentemente das particularidades da sua perspectiva e das frequentemente óptimas experiências fora dos limites da Europa.

A fim de demonstrar a importância da nacionalidade judaica filtrada pela supremacia branca que lhe vem do Iluminismo europeu, este ensaio abre com uma discussão do modo como os ideais do Iluminismo acentuaram a Questão Judaica na Europa. Na seção 3 discute-se como é que o sionismo, um movimento de revivalismo nacional diretamente derivado dos ideais do Iluminismo, veio a incorporar a edificação europeia da superioridade e da violenta rejeição da diferença, requerendo, portanto, a violenta bifurcação das identidades árabe e judaica no seio dos judeus do Médio Oriente. Na seção 4 discutem-se as leis fundamentais de Israel que atribuíram um valor estratificado à nacionalidade judaica e permitiram a contínua expulsão, expropriação e contenção dos autóctones palestinos. Inclui-se aqui um estudo de caso dos beduínos palestinos no deserto do Neguev dos nossos dias. O ensaio fecha com questões sobre o potencial da descolonização dos colonatos para realizar a emancipação de palestinos e judeus para além do Estado. 

O Iluminismo europeu entrincheira a exclusão e a subjugação dos judeus

O Iluminismo europeu é geralmente associado à emergência das democracias liberais, à separação da Igreja e do Estado, tal como ao triunfo da razão e da ciência sobre a emoção e o misticismo. Os pensadores iluministas afirmaram com insistência que conceitos como a razão, a universalidade e o secularismo foram o sustentáculo da modernidade. Contudo, em vez de se aproximarem da tolerância e da inclusão, os conceitos iluministas reificaram e entrincheiraram as distinções com diferença consequente. O conhecimento científico, marcado por uma verdade demonstrável, não pôs em questão as ordenações divinas da hierarquia racial, fornecendo explicações racionais para elas. Em vez de aceitar a amplitude da diversidade humana, o universalismo impôs violentamente uma norma hegemónica e singular do sujeito universal. Os judeus europeus acabaram por transportar o peso do triunfo da modernidade.

O Iluminismo secularizador interrompeu as relações sociais tradicionais construídas em torno das doutrinas religiosas e, por meio da etnologia, produziu hierarquias étnica e racialmente ordenadas dos seres humanos. Zygmunt Bauman explica como a ciência se limitou a suplantar o dogma do divino ao fazer da Natureza a nova divindade:

“…a legitimação da ciência enquanto único culto ortodoxo, e dos cientistas como seus profetas e sacerdotes. Em princípio, tudo fora aberto ao exame objectivo; tudo podia, em princípio, ser conhecido com fiabilidade e na sua verdade […]. O temperamento humano, o carácter… até as tendências políticas eram vistas como sendo determinadas pela Natureza […]. A frenologia e a fisiognomia refletiam cabalmente a confiança, a estratégia e a ambição da nova era científica.”

Estas teorias, que justificaram a hierarquia racial baseadas em asserções de diferenças biológicas imutáveis, foram fundacionais para o antissemitismo e o racismo modernos. O Iluminismo, ao mesmo tempo que descartava o debate alimentado pelas polémicas entre cristianismo e judaísmo sobre o estatuto dos judeus na sociedade, estava a reformulá-lo nos termos do Orientalismo. Estes termos tinham emergido com a expulsão dos judeus e muçulmanos de Espanha e moldaram os debates que então decorriam sobre o estatuto dos judeus europeus, perguntando-se se os atributos orientais atribuídos ao povo judeu lhes eram inerentes.

Ao mesmo tempo, a substituição iluminista da verdade divina pela razão serviu como uma nova base para o estabelecimento da igualdade e tornou os judeus elegíveis para a assimilação. Na medida em que todos os humanos têm a mesma capacidade racional, tornou-se concebível reformar a comunidade judaica através de uma integração que a fizesse passar do seu estatuto inferior e aparente inferioridade cultural para uma situação social mais produtiva. A declaração universal das Luzes sobre os seres humanos enquanto portadores da razão abriu as portas para que os judeus e os seus vizinhos aspirassem à assimilação.

Enquanto a primazia da razão tornava os judeus elegíveis para a assimilação, a ascensão da ciência tornou a assimilação possível por meio da engenharia social. O projecto que visava compreender a natureza conduziu inevitavelmente o mundo moderno a tomar uma parte activa na moldagem, ordenação e planificação de um mundo mais perfeito. Através da Europa, porque os judeus haviam estado durante muito tempo fora da sociedade e tinham uma relação difícil com as novas sociedades promovidas pelo Iluminismo, eles tornaram-se nos objectos das práticas de engenharia social.

O objectivo de tais práticas, que variavam de acordo com os Estados-nação, era o apagamento da diferença através da imposição de uma forma genérica do cidadão universal. A ironia residia no facto deste cidadão universal e indistinto ser, na verdade, bastante específico. Existem bastantes particularidades dentro do «universal». Em termos gerais, o ideal universal consistia em se ser um indivíduo racional, ser-se capaz de dominar o mundo natural e pertencer a uma nação soberana. O judeu, contudo, era membro de uma comunidade geograficamente difusa, que não conseguira construir a sua própria nação e que, supostamente, não podia jurar lealdade a outro, ficando assim impedido de ingressar na modernidade.

A Questão Judaica perguntava: como haveria o judeu de ser aceite na Europa? Ao detalhar o processo de exclusão que trabalhou contra os judeus europeus, Aziza Khazzoom assinala que «os cristãos exigiam que os judeus […] reformassem o seu estilo de vida, os seus valores e estruturas sociais, económicas e educacionais». O processo de assimilação era um esforço para des-orientalizar o judeu, que se pensava que tivesse origens asiáticas. Este discurso aliava-se à repulsa pela «pobreza judaica… pelos seus guetos sombrios e desordeiros» e pela sua língua iídiche, que era «demasiado pobre para conter pensamentos poderosos». No seu trabalho sobre Derrida e o sionismo, Sherene Seikaly e Max Ajl explicam: «a integração judaica na Europa estava condicionada à purificação e à reforma da alteridade, ao  apagamento do particular. Nos piores casos, o “nós” europeu exigia a própria aniquilação do judeu».

Os judeus europeus interiorizaram este discurso orientalista. Na sua busca da assimilação, procuraram abandonar os seus supostos traços orientais, pelo que reproduziram estas imagens negativas usando-as uns contra os outros. Uma «segunda vaga» de judeus assimilacionistas, que procuravam a assimilação total, «negou a sua própria história e encarou tudo o que neles próprios fosse uma particularidade como um impedimento à integração, ao seu devir inteiramente humanos». Khazzoum explica-o:

“À medida que se deslocavam para o mundo da Europa ocidental, os judeus alemães e franceses começaram a organizar as suas identidades em torno da dicotomia entre oriente e ocidente, definindo-se a si próprios e aos outros de acordo com o grau de conformidade ao modelo cultural ocidental. O seu desconforto com o seu passado oriental tornava-se particularmente marcado quando entravam em contacto directo com populações judaicas não-ocidentalizadas.”

Os judeus adquiriram a sua emancipação, ou a remoção das barreiras legais à sua participação social, económica e política na Europa ocidental, colocando-se ao serviço dos Estados absolutistas que se estavam a formar nessa fase inicial da modernidade na Europa. Emergiu assim uma relação entre o Estado e os judeus que haveria de se tornar um ponto focal da judeofobia europeia. Como os monarcas necessitavam de ajuda para o financiamento das guerras no exterior, tornou-se prático usar os judeus para tal, alguns dos quais tinham reunido fortunas por meio de atividades financeiras como empréstimos e recolha de impostos. Acabariam por se tornar os principais credores dos Estados. Aqueles que haviam acumulado riqueza podiam viver em Berlim ou nas capitais provinciais, mas a maioria pobre permanecia na província de Posen. A dicotomia do rico e do pobre, dos que viviam nos guetos e dos que viviam fora deles, veio a definir a existência binária dos judeus orientais e ocidentais no interior dos limites da Europa ocidental.

Segundo esta dicotomia, os judeus ocidentais conseguiram ultrapassar a sua história e reformarem-se, enquanto os judeus orientais simplesmente prosseguiram a sua isolada existência medieval. A Alemanha, que tinha uma das maiores populações judaicas da Europa, é um caso de estudo apropriado à discussão mais alargada dos judeus europeus porque, como aponta Hannah Arendt, «toda a libertação e toda a catástrofe que se abateu sobre os judeus da Europa conseguiu emprestar da Alemanha os seus fundamentos teóricos e o seu pathos».

Antes da emancipação de 1869, o Estado atribuía uma proteção estatutária aos judeus (ocidentais) prósperos. Estes formavam, contudo, uns quantos privilegiados a quem o Estado atribuía «privilégios gerais», ou seja, o estatuto legal dos cristãos. Estes direitos não eram dádivas altruístas, mas procuravam antes proteger as contribuições judaicas ao Estado. A aquisição de semelhantes direitos por parte dos judeus (orientais) empobrecidos, que conduzia à sua emancipação, progrediu a um ritmo muito mais lento.

Apesar dos seus esforços, as motivações socioeconómicas e religiosas rejeitaram o desejo judaico de assimilação. Na década que se seguiu à emancipação judaica na Alemanha, a judeofobia começou a adquirir amplitude enquanto movimento político, atingindo o seu clímax em 1944.

O sionismo e os judeus do Médio Oriente: bifurcações violentas

Em resposta à Questão Judaica, e décadas antes deste clímax determinante, o sionismo emergiu enquanto movimento de renascimento nacional. Theodor Herzl, o fundador do sionismo, desenvolveu a convicção de que a assimilação nas sociedades europeias havia falhado ao observar o violento desenvolvimento do caso Dreyfus em França. Contudo, mais do que desafiar as representações desfiguradoras que excluíam e subjugavam os judeus na Europa, o sionismo interiorizou-as e reproduziu-as. Herzl acreditava que o processo de emigração haveria de transformar o judeu no seu exílio e, por fim, levaria à criação de uma «Europa no Médio Oriente». Ao estabelecerem um Estado judeu longe dos limites da Europa, os judeus haveriam de, finalmente, alcançar a aceitação nela.

Enquanto que Israel havia sido um lugar de peregrinação para os judeus, o sionismo secularizou e nacionalizou o judaísmo. Os pioneiros sionistas usaram o nacionalismo como uma ferramenta para alcançarem a modernização, a superioridade e a libertação das condições de inferioridade e opressão em que os judeus viviam no passado. Dentro deste quadro modernizador, a dimensão religiosa era remetida para uma categoria pré-moderna encarnada pelos judeus orientais, enquanto a vida secular, encarnada pelos judeus europeus, era remetida para a esfera moderna. Agindo assim, o sionismo falou com duas vozes contraditórias…

“…«primordial/religioso» e «moderno/secular». A voz primordial mistura (ou seja, torna híbrido) o velho e o novo. Tenta assegurar a legitimidade do sionismo, em particular para o exterior, ao enfatizar a continuidade histórica com o seu passado religioso. A «voz moderna» fala para dentro, dirigindo-se aos membros da nação e tentando «modernizá-los» virando costas ao passado (ou seja, purificando). O sionismo moderno procura distinguir o «novo judeu» do velho e improdutivo judeu religioso.”

O sionismo modelou o «novo judeu» segundo os valores e a cultura da Europa branca, numa propositada oposição aos marcadores culturais do oriente transportados pelos judeus do Médio Oriente e certamente pelos muçulmanos e cristãos árabes. Enquanto derivado do Iluminismo europeu, o sionismo reproduziu a polarização binária entre o Ocidente superior e iluminado e o Oriente inferior e primitivo. Afirmou que os judeus, enquanto entidade nacional, pertenciam ao Ocidente superior e iluminado, malgrado as suas origens geográficas estarem no Oriente, e procuravam trazer o esclarecimento (leia-se colonizar) aos seus povos primitivos. Consequentemente, a ideologia sionista inferiorizou os judeus orientais, curdos, árabes, indianos e turcos, procurando civilizá-los ao mesmo tempo que apagava a sua diferença, à semelhança do que a Europa iluminada procurara fazer com a sua população judaica. Tal como explicou o diplomata e político israelense Abba Abban, «o objetivo deveria ser infundir todos os judeus não-asquenazes com um espírito ocidental, em vez de permitir que eles nos arrastem para um orientalismo contranatura». O denegrimento dos judeus orientais tornou-se de tal forma endémico que os dirigentes revisionistas, como Vladimir Jabotinsky, opuseram-se à integração de modo a preservar a maioria dos judeus europeus e a evitar a possibilidade de uma «raça enfraquecida».

Foi assim que o movimento decidiu purificar e reabilitar o judeu oriental, fazendo dele um europeu. A nacionalidade não prometia apenas um renascimento aos judeus, mas funcionava também como uma missão civilizadora. Os primeiros sionistas promoveram o movimento junto dos impérios otomano e britânico como uma vantagem para os seus esquemas imperiais e civilizacionais na Palestina, tanto para a terra como o judeu árabe enquanto povo. Ele não só renovaria o judeu ocidental, tornando-o finalmente europeu, como reabilitaria o judeu oriental, que sofrera a influência de traços orientais.

Estas caracterizações rígidas criaram um conflito para o israelense mizrahi, natural do Médio Oriente, que não podia coerentemente abraçar a sua identidade árabe. «Árabe israelense», enquanto identidade, é a designação usada para assinalar o outro palestino, de forma a negar a sua identidade autóctone, ou seja, o seu estatuto de minoria nacional. Os judeus árabes tinham mais em comum com os árabes muçulmanos e os árabes cristãos do que com os judeus europeus. Tal representava uma ameaça para o sionismo, uma vez que o movimento de renascimento nacionalista procurava criar uma nação homogénea de que os judeus europeus fossem o modelo. Para os sionistas, esta afinidade requeria…

“…o apagamento da dimensão árabe dos judeus árabes… [que] pela primeira vez na sua história, enfrentavam o dilema, que lhes era imposto, de terem de escolher entre a sua judaicidade e a sua arabicidade, num contexto geopolítico que perpetuava, por um lado, a equação entre arabicidade, Médio Oriente e Islão e, por outro, aquela entre judaicidade, Europa e ocidentalidade.”

Este sistema binário que fez de «israelense» um sinónimo de «judeu da Europa (ocidental)» forçou os judeus árabes a terem de escolher entre os laços culturais/linguísticos/étnicos e a sua religião. Daí que a reabilitação do judeu mizrahi necessitasse da violenta bifurcação da sua identidade árabe e judaica. Ao recorrer a um quadro modernizador, o jovem Estado de Israel concretizava esta bifurcação retirando as crianças judias do Médio Oriente às suas famílias, suplantando a língua árabe com o hebraico e substituindo a diversidade de histórias com uma única história europeia. Além disso, apenas os judeus europeus ou os judeus brancos eram elegíveis para as prestações sociais que incentivavam a aproximação à branquitude empenhando-se no que Ella Shohat descreveu como um «exercício de auto-destruição». Para «se safarem» na sociedade israelense, os mizrahim, «pelo menos em público, tinham de adoptar as percepções israelo-europeias que viam os árabes e os muçulmanos como primitivos e atrasados».

Dentro do esquema modernizador, os imigrantes mizrahim foram enviados para cidades em desenvolvimento localizadas em áreas maioritariamente rurais e zonas de fronteira onde eles pudessem ser «desenvolvidos» ou transformados em europeus. Os judeus europeus escaparam a este procedimento porque a sua anterior vivência na Europa tinha-os «desenvolvido» adequadamente.

Israel ocultou a geografia cultural judaico-islâmica dos judeus do Médio Oriente e sobrepôs-lhe a «crónica judaico-europeia do shtetl e do pogrom». Os programas das escolas e dos liceus instilaram esta mitologia étnico-nacional ao ensinarem a história asquenaze como a única história verdadeira do novo, ou universal, judeu. Até signos culturais como «Judeus da Diáspora», «asquenazes» ou «mizrahim» estão imbuídos de uma qualidade normativa. O asquenaze, que quer dizer literalmente «judeu europeu», representava «uma norma silenciosa e não assinalada» que era o sinónimo de israelense ou da elite branca hegemónica. Em contraste, o mizrahi apenas existia enquanto uma etnicidade relativa ao seu significante universal: judeu branco europeu.

Em 1967, o destino dos mizrahim em Israel sofreu uma transformação fundamental como resultado da Guerra dos Seis Dias e da ocupação militar que se lhe seguiu. A ocupação militar das terras árabes requeria familiaridade com a cultura e a língua árabes. Subitamente, os signos de inferioridade e impureza encarnados pelos mizrahim passaram a ser «um recurso social e económico» e eles tornaram-se «peritos» em assuntos árabes. A opressão dos palestinos e o controlo das suas terras na Cisjordânia e na Faixa de Gaza trouxeram perspetivas de integração a (alguns) mizrahim. Embora as circunstâncias fossem sombrias, eles viram o seu compromisso com a nacionalidade judaica aumentar, assim como o valor que lhes dava. Em 1977, os judeus mizrahim viriam a constituir um pilar da direita política israelense. A elite liberal israelense atribuiu esta viragem para a direita, não ao sionismo, mas aos mizrahim originários do Médio Oriente. Em Israel, a elite intelectual atribuía a religiosidade dos mizrahim aos Estados onde estes tinham vivido sem o benefício da secularização e da democratização, assim contribuindo para a divisão intransponível entre o Ocidente iluminado e o Oriente incivilizado. Além disso, a ascensão política dos mizrahim ameaçava diminuir a diferenciação cultural que Israel atribuía em relação «ao ambiente corrupto, preguiçoso e retardado do Médio Oriente». Sem a reabilitação cultural e a erradicação da sua identidade árabe, os mizrahim poderiam minar a identidade de um Israel branco, europeu e judeu.

A nacionalização do judaísmo atribuiu, no entanto, um valor significativo à identidade mizrahi. Embora apontados como inferiores, necessitados de reabilitação, linguística e historicamente marginalizados, os mizrahim permaneceram judeus e, como tal, superiores ao autóctone palestino. O sionismo consagrou a nacionalidade judaica na lei, regulando estritamente a sua aquisição e a miríade de direitos que dela derivam. Daí que, em contraste com os seus homólogos judeus árabes, os palestinos desprovidos da nacionalidade judia não fossem de todo elegíveis para a reabilitação. Em vez disso, era preciso removê-los, despojá-los e/ou contê-los. Israel conseguiu isto por meio de uma rede de leis que enquanto diminuíam o valor de ser palestino, aumentavam o de ser judeu. Orientar totalmente os judeus do Médio Oriente para o sionismo complica a leitura da branquitude como propriedade em Israel porque não consiste apenas na nacionalidade judaica, mas numa nacionalidade judaica que consagra a superioridade europeia. Vem assim aumentar o valor da nacionalidade judaica para os judeus mizrahi que, sem ela, seriam cultural e, em alguns casos socioeconomicamente, indistinguíveis dos seus homólogos palestinos. Ainda assim, na medida em que não possuíam a nacionalidade judaica, os palestinos eram inelegíveis para a branquitude. Em vez disso, o regime legal israelense propôs-se remover, desapossar e/ou conter os palestinos. 

O sionismo e os palestinos: remoção, desapossamento e contenção

O autóctone palestino estava fora da categoria legal do nacional judeu, tal como fora legislada pela Lei do Retorno (1950) e pela Lei de Cidadania (1952), sendo assim inelegível para a reabilitação. Em vez disso, tinha de ser removido, desapossado e/ou contido. O historiador israelense Ilan Pappé explicou que os palestinos eram vistos como «fazendo parte dos obstáculos naturais, razão pela qual tinham de ser conquistados ou removidos. Nada – nem as pedras nem os palestinos – podia interpor-se no caminho para redenção nacional da terra tão ambicionada pelo movimento sionista». O Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, lorde Balfour, que foi o autor em 1917 da declaração de Balfour, repercutiu este sentimento ao explicar que «o sionismo, esteja certo ou errado… tem uma importância muito maior do que os desejos ou os preconceitos de 700.000 árabes que vivem agora nessa terra ancestral».

Nem os fundadores de Israel, nem os seus interlocutores coloniais europeus negaram a presença de palestinos. Negaram antes a sua categorização legal enquanto povo elegível para a autodeterminação nacional. Os ideais do Iluminismo fizeram o trabalho da marginalização dos palestinos, remetendo-os a uma condição irrelevante. Na sua leitura de Herzl, Edward Said observou que nada disso poderia ter sido feito se não houvesse antes uma inclinação europeia para ver os autóctones como sendo desde logo irrelevantes. Ou seja, esses autóctones cabiam já numa grelha de classificação, mais ou menos aceitável, que os dava como sui generis inferiores ao ocidental ou ao homem branco: foi esta a grelha que um sionista como Herzl se apropriou, adaptando-a da cultura geral do seu tempo para as necessidades específicas de um nacionalismo judeu que estava em pleno desenvolvimento.

Em conjunto com o mandato de exclusão do sionismo, a remoção dos palestinos foi meticulosamente planeada, sistematicamente executada e facilitada pelo conluio europeu. Os palestinos encaram este episódio de remoção forçada, dispersão e expropriação como a Nakba, a catástrofe. Na formação do Estado de Israel, os seus fundadores europeus reificaram a supremacia europeia e deram um novo valor à nacionalidade judaica por comparação com o outro árabe. Assim se consagrou o valor da nacionalidade judaica numa série de leis que continuam a servir de acesso aos serviços básicos, à terra, à habitação, educação e emprego. Sobretudo, criou-se uma bifurcação entre a cidadania israelense e a cidadania judaica, de forma a privilegiar a pessoa judia tanto dentro como no exterior do Estado. Esta distinção e as leis e instituições que dela decorrem continuam a operar partindo do princípio da ausência funcional do autóctone, assegurando que estes «permanecem no seu “não-lugar”, ficando os judeus no seu e assim por diante». A edificação desta distinção na lei contribuiu para avançar o projeto colonial que procura remover para substituir. As forças sionistas procuraram remover os palestinos física e metafisicamente, substituindo-os por colonos judeus e promovendo uma história revisionista da terra.

As ambições sionistas foram conduzidas por um conjunto de axiomas gémeos desde o seu início até ao presente: adquirir a maior parcela de terra com o menor número possível de palestinos e concentrar o maior número possível de palestinos na mais pequena parcela de terra. Embora o tratamento israelense dos palestinos difira de acordo com as suas jurisdições territoriais (ou seja, a Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Israel e a Faixa de Gaza), a política do Estado para com os palestinos é sempre a mesma, independentemente do local. Israel alcança estes objectivos gémeos através da Lei Marcial na Cisjordânia, por meio de uma mistura de leis marciais e administrativas em Jerusalém Oriental, pela lei civil em Israel e através da contra-insurreição na Faixa de Gaza.

Determinado em não se desviar da direção apontada por Harris, este artigo aborda apenas Israel, onde a lei civil é empregue para remover o palestino ao mesmo tempo que incrementa o valor da nacionalidade judaica. Restringir a análise a Israel também ajuda a comprovar que a supremacia judaica não é apenas uma situação excepcional na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ocupadas, mostrando-se antes central para o caráter do Estado. As secções seguintes mostrarão como Israel potenciou a lei de modo a remover, desapossar e/ou concentrar geograficamente os palestinos que permaneceram dentro do âmbito jurisdicional do Estado depois de 1948. Além disso, tal como foi demonstrado pelo caso dos palestinos beduínos no Neguev, Israel tem prosseguido, em alguns casos, as três políticas ao mesmo tempo. 

Legislar a supremacia judaica: bifurcação entre a nacionalidade judaica e a cidadania israelense

No seu conjunto, a Lei do Retorno (1950) e a Lei de Cidadania (1952) criaram a bifurcação entre nacionalidade judaica e cidadania israelense. Não existe tal coisa como uma nacionalidade israelense ou uma nação israelense. Pelo contrário, a nacionalidade está baseada na religião enquanto a cidadania é uma categoria jurídica no interior do Estado. Numa perspectiva legal, os cidadãos nacionais têm mais direitos do que os simples-cidadãos, assim consagrando uma estratificação hierárquica baseada na religião. 

A Lei do Retorno de 1950 estabelece que todo o judeu em qualquer parte do mundo tem automaticamente direito à «nacionalidade judaica» em Israel. Também define de modo específico que o nacional judeu é alguém que «nasceu de uma mãe judia ou se converteu ao judaísmo e não é membro de outra religião». O artº 4 (a) estabelece que os direitos de aquisição da nacionalidade e cidadania também são conferidos ao «filho ou neto de um judeu, à esposa de um judeu, à esposa de um filho de judeu e à esposa de um neto de judeu, com a excepção de uma pessoa que, tendo sido judia, tenha voluntariamente mudado a sua religião».

Os palestinos não podiam nem podem tornar-se «nacionais» de Israel porque não são judeus e porque a «nacionalidade israelense» não é reconhecida na lei de Israel. Em 2012, um grupo de israelenses judeus, preocupado com esta discriminação estrutural, dirigiu uma petição ao Supremo Tribunal de Israel pedindo o reconhecimento de um povo israelense em vez de judeu. A petição procurava reduzir o grau de discriminação sofrida pela população palestina cristã e muçulmana em Israel, assim como separar a religião do Estado. Apesar das implicações discriminatórias da lei, o tribunal rejeitou a petição, explicando que esclarecer se há «um povo que seja uma entidade […] comum a todos os residentes e cidadãos do que se chama “Israel” […] é uma questão política-social-nacional, pelo que não cabe ao tribunal decidi-lo». Numa decisão anterior do Tribunal Distrital de Telavive, o juiz Yitzhak Shilo explicara: «Posso cabalmente declarar que não existe uma nação israelense separada de uma nação judaica».

Existe assim uma relação recíproca entre Israel e os judeus do mundo inteiro que, em virtude da Lei de Cidadania e da Lei do Retorno, são reconhecidos como nacionais judeus pelo Estado, independentemente das suas prerrogativas pessoais. Esta relação sobreleva aquela entre Israel e os seus cidadãos não-judeus que haviam aí residido ao longo dos séculos que precederam o estabelecimento do Estado em 1948. Os palestinos podem ser juridicamente cidadãos do Estado, mas nunca membros da nação. São, assim, excluídos da classe de beneficiários dos interesses nacionais por uma questão de direito. Com efeito, um nacional judeu (tal como é definido pela lei israelense) que resida em Londres sem qualquer relação com o Estado tem mais direito a prestações e à protecção do Estado do que um cidadão israelense palestino em Nazaré cuja linhagem familiar recue localmente a vários séculos atrás.

O estatuto de «cidadão de Israel» ou «simples cidadão» é um estatuto de cidadania de segunda classe que apenas garante uma protecção limitada, mesmo no interior do Estado. Cerca de 150.000 palestinos autóctones, que haviam permanecido nas suas casas ou se tornaram deslocados internos, e os seus descendentes possuem este estatuto de cidadão de segunda classe no Israel de hoje. Eles formam aproximadamente vinte por cento da população israelense.

A distinção entre o simples cidadão e o cidadão nacional visa privilegiar os direitos dos nacionais judeus, onde quer que eles possam residir, e/ou diminuir os direitos dos não nacionais (árabes palestinos), independentemente do seu estatuto legal ou localização geográfica. Esta bifurcação sustenta a discriminação israelense no que diz respeito às políticas da terra, de residência, habitação, emprego e liberdade de movimentos, incluindo o direito de sair e regressar ao seu próprio país. No interior de Israel existem pelo menos cinquenta leis que, prima facie, privilegiam os cidadãos nacionais de Israel e/ou diminuem os direitos dos seus simples cidadãos cristãos ou muçulmanos. Daí resulta que os cidadãos palestinos de Israel sejam relegados para uma cidadania de segunda classe, tenham um estatuto socioeconómico inferior, recebam menos – ou não recebam – prestações do Estado, incluindo electricidade e água em alguns casos e estejam excluídos das oportunidades para obterem bons empregos, habitação e educação.

Fundamentalmente, talvez que esta distinção trabalhe para manter uma maioria judaica e vise facilitar a transferência forçada de população palestina para a Palestina submetida ao Mandato. A transferência de população procura alterar a composição demográfica de uma dada área ao transferir pessoas para ela e para fora dela. No caso de Israel, tais transferências consolidam mais o controlo hegemónico da terra por parte de Israel que procura, na sua ambição colonial concretizada em colonatos, remover os palestinos e substituí-los por colonos judeus. Israel consegue isto removendo palestinos para diminuir a sua população; despojando-os das suas terras para incrementar o direito de posse do Estado em nome dos nacionais judeus; contendo-os geograficamente para mitigar as suas aspirações nacionalistas, ao mesmo tempo que torna a presença dos nacionais judeus omnipresente e ininterrupta.

Remoção sistemática dos palestinos

O estabelecimento de um Estado judeu na Palestina do Mandato necessitou desta sistemática remoção e exclusão forçada de aproximadamente 88% dos autóctones palestinos. Em seguida, a Lei da Cidadania de 1952, incorretamente chamada «Lei da Nacionalidade», revogou a Ordenação da Cidadania Palestina de 24.7.1925, sob a qual os autóctones palestinos tinham visto ser-lhes atribuídos os estatutos de cidadãos e nacionais no seu próprio país. Daí resultou a «desnacionalização» de facto desta população inteira. O estatuto de «cidadãos de Israel» foi atribuído aos palestinos que preenchiam o critério da Lei de Cidadania de 1952. A cidadania só era acessível a eles e aos seus descendentes se tivessem estado presentes em Israel entre 1948 e 1952, o que efetivamente excluía todos os refugiados que haviam sido expulsos durante a guerra de 1948.

Os palestinos que não satisfaziam os critérios da Lei de Cidadania de 1952 por estarem fora do país ou em território controlado por «forças inimigas», segundo a definição israelense, dentro de certas datas-limite, eram excluídos da cidadania israelense e, por conseguinte, eram transformados em apátridas pela lei. Pelo menos 750.000 palestinos e os seus descendentes (aproximadamente 6,6 milhões de pessoas) suportam hoje a condição de apátridas e/ou a falta de nacionalidade.

Israel consagrou o exílio forçado dos palestinos ao negar-lhes o direito ao retorno, à compensação e à reabilitação, de acordo com o legislado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1949. O novo Estado legislou simultaneamente uma Lei do Retorno (1950) para os nacionais judeus, que tinham direito, aquando da imigração, à cidadania e a apoios financeiros sem pré-condições. Israel removeu palestinos pela força e blindou a sua exclusão na lei. Até hoje, continua a aplicar a sua política de remoção e exclusão.

Israel vê a sua população palestina – vinte por cento do total – como uma ameaça demográfica. Discutem-se explicitamente os perigos do crescimento natural dessa população, tal como as possibilidades da sua pura e simples transferência forçada. Entre as mais recentes iniciativas legais de Israel destinadas à população de cidadãos palestinos conta-se a Lei de Cidadania e Entrada em Israel (2003), mais conhecida como a Proibição de Reagrupamento Familiar.

Esta lei suspende a possibilidade dos cidadãos palestinos de Israel e Jerusalém que sejam portadores de documento de identidade virem a obter permissão, por meio do reagrupamento familiar, para viver em Israel ou na Jerusalém Oriental ocupada com os seus cônjuges dos Territórios Palestinos Ocupados (TPO) ou de supostos «Estados inimigos». Em maio de 2002, Israel promulgou a Decisão 1813, que congelou todos os requerimentos de reunificação dos cidadãos de Israel ou de Jerusalém Oriental que envolvessem cônjuges palestinos dos TPO, a fim de prevenir a possibilidade de um «crescente direito de retorno» obtido por meio do processo de reunificação. A Knesset institucionalizou legalmente esta política em 2003, quando fez passar a Lei Temporária.

Embora redigida para ser aplicada a todos os cidadãos israelenses, sem olhar à sua nacionalidade, na prática ela discrimina desproporcionadamente os palestinos enquanto minoria nacional, já que são eles a esmagadora maioria dos que procuram casar com palestinos. Além disso, a emenda de 2003 não modifica a situação dos cônjuges de cidadãos israelenses que requerem que cônjuges estrangeiros ou cônjuges colonos que vivam nos TPO se lhes possam juntar, tornando assim mais claro o impacto discriminatório da lei.

Em 11.1.2012, o Supremo Tribunal de Israel rejeitou um repto legal à lei, sustentando que «os direitos humanos não são uma receita para o suicídio nacional». Embora o tribunal tenha considerado que a lei promove a segurança nacional de Israel, o país aplica a proibição da reunificação familiar como uma política geral, sem dar a oportunidade de um processo justo. Além disso, os litígios mostraram que, dos 130.000 cidadãos naturalizados entre 1994 e 2002, apenas sete foram indiciados por acusações relacionadas com a segurança e, destes, apenas dois foram condenados. De maneira significativa, ambos os condenados haviam já purgado as suas sentenças aquando da litigação, indiciando o relativamente pequeno risco de segurança que colocavam. Embora a lei proíba a entrada de palestinos em Israel com vista à reunificação familiar, ela permite-lhes que entrem para fins de trabalho, minando assim ainda mais o argumento de segurança do Estado.

O propósito da lei é tanto evitar um crescimento da população palestina em Israel como reduzir aquela que aí já existe. O deputado da Knesset Otniel Schneller explicou a intenção discriminatória da lei quando explicou que «a decisão articula a racionalidade da separação entre (dois) povos com a necessidade de manter uma maioria judaica… e o carácter do Estado». Yaakov Katz, também deputado da Knesset, explicou que «o Estado de Israel foi salvo de ser inundado por dois a três milhões de refugiados árabes». A proibição da reunificação familiar prossegue uma política demográfica específica. Ela dá continuidade a um rico legado, dentro de Israel, de implementação da lei ao serviço da remoção e exclusão dos palestinos das suas casas de origem, mais diminuindo assim o valor da sua nacionalidade, ao mesmo tempo que é reforçado o da nacionalidade judaica. 

A remoção entrincheirada: expropriação pela lei

Há uma rede de leis que opera para entrincheirar a exclusão palestina da terra e assegurar que os nacionais judeus são os seus principais beneficiários e usufrutuários. A Lei da Propriedade dos Ausentes (1950) foi, de entre uma miríade de leis semelhantes, o principal instrumento usado para a expropriação das terras de palestinos. Em particular, eram visadas quer as terras de palestinos que haviam fugido além-fronteira e se tinham tornado refugiados quer dos deslocados internos no novo Estado de Israel. A lei estabelecia quatro tipos de circunstâncias que tornavam terras privadas passíveis de serem confiscadas ou de caírem na posse de um guardião de terras do Estado. Estas quatro categorias são as seguintes: será confiscada (i) qualquer terra que, entre 29.11.1947 e a data de legislação, fosse detida por um nacional ou cidadão do Líbano, Egito, Síria, Arábia Saudita, Jordânia, Iraque ou Iémen; (ii) a terra de proprietários que estivessem em algum destes países ou em alguma parte da Palestina fora da área de Israel; (iii) a terra daqueles que, tendo sido cidadãos palestinos, tenham trocado o seu local de residência habitual na Palestina por um local fora da Palestina antes de setembro de 1948; (iv) a terra daqueles que, tendo sido cidadãos palestinos, tenham trocado o seu local de residência habitual na Palestina por um lugar na Palestina na posse de forças inimigas.

A Lei da Propriedade dos Ausentes fornece uma definição alargada de quem é um «ausente». Ela abrange aproximadamente oitocentos mil palestinos que fugiram da Guerra Israelo-Árabe de 1948 e viram, subsequentemente, ser-lhes negada a reentrada em Israel. Também abrange aqueles que permaneceram dentro dos limites do Estado como deslocados internos, muitas vezes a apenas alguns quilómetros das suas casas e terras, mas impedidos de as reclamarem. O novo Estado inscreveu este último grupo na lei como «presentes-ausentes». A lei naturalizou a remoção da população autóctone e confiscou as terras sem qualquer compensação para os seus proprietários palestinos.

Teoricamente, o Estado detém estas terras em regime perpétuo. Na prática, contudo, as terras mudam de mãos entre várias agências estatais e para-estatais para exclusivo benefício dos nacionais judeus. A Lei da Propriedade dos Ausentes estabelece que o guardião dos bens dos ausentes adquire todos os direitos previamente atribuídos ao proprietário e tem o dever de preservar estas propriedades. A mesma lei autoriza a venda das terras, ou o seu arrendamento de longo prazo, à Autoridade para o Desenvolvimento, estabelecida apenas alguns meses depois pela Knesset. A Autoridade para o Desenvolvimento, que detém treze por cento das terras do Estado, tornou-se num «mecanismo essencial para a transferência de terras palestinas para a posse (do Estado) judaico».

Em 1953, a Knesset aprovou a Lei do Fundo Nacional Judaico (FNJ), que trouxe a organização antes sediada no Reino Unido para a esfera do Estado. O Fundo Nacional Judaico (FNJ), que tem como mandato «comprar, arrendar, trocar ou de outra forma adquirir quaisquer terras… direitos de propriedade e outros direitos… com o propósito de estabelecer judeus nessas terras», tem a autoridade para desenvolver, mas não para vender, as terras na sua posse. O FNJ discrimina explicitamente os não judeus dentro de Israel. Na sua resposta a uma petição que fora submetida ao Supremo Tribunal de Israel em nome dos cidadãos palestinos do Estado, o FNJ explicou o seguinte:

O FNJ não é o fiduciário do público em geral no Estado de Israel. A sua lealdade é para com o povo judeu na diáspora e no Estado de Israel… No que se refere ao facto de ser um proprietário de terras, o FNJ não é um organismo público que trabalha para o benefício de todos os cidadãos do Estado. A lealdade do FNJ é dada ao povo judeu e só perante ele tem o FNJ uma obrigação a cumprir. Enquanto proprietário das terras do FNJ, ele não é obrigado a uma prática igualitária perante o conjunto dos cidadãos do Estado.

Após a sua fundação, Israel transferiu quase 2 milhões de dunams [494.200 hectares] das propriedades de ausentes para o FNJ, fazendo passar os seus bens fundiários de 600.000 dunams [148.300 hectares] antes de 1948 para quase 2,5 milhões [617.800 hectares] após essa data, o que corresponde a treze por cento da totalidade das terras do Estado na actualidade. Isso quer dizer que quase 70% das terras do FNJ são confiscadas aos palestinos refugiados e aos deslocados internos, para exclusivo benefício dos nacionais judeus.

A Lei Fundamental das Terras de Israel (1960) consolidou ainda mais a expropriação dos refugiados palestinos e dos deslocados internos ao proibir a venda de terras do Estado a proprietários privados, assim evitando na prática a sua transferência para não judeus. As leis aqui discutidas são apenas uma amostra do complexo regime jurídico que Israel montou com vista à expropriação das terras palestinas. Outras leis incluem a Portaria Relativa à Propriedade Abandonada (1948), a Lei dos Regulamentos de Emergência (Zonas de Segurança) (1949), a Lei de Prevenção de Infiltrações (1954), A Lei de Protecção dos Vegetais (1956) e a Lei de Prescrição (1958). A Lei da Propriedade Abandonada e as suas derivadas fizeram com que, hoje, 93% das terras estejam na posse do Estado para efetivo benefício dos seus nacionais judeus. O valor desse interesse possessório implica o correlato directo da desprotecção e expropriação dos seus habitantes palestinos. 

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Concentração da população palestina remanescente

O Estado procurou concentrar geograficamente a população palestina remanescente no interior das suas fronteiras, de modo a prevenir a sua coesão nacional e a ameaça de rebelião. No período entre a sua fundação e as vésperas da ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel impôs a lei marcial exclusivamente aos cidadãos palestinos, assinalando-os, de forma explícita, como inimigos no interior do Estado. As leis de planificação israelenses também asseguraram a ubíqua e ininterrupta presença de nacionais judeus. Estas leis contribuíram para concentrar geograficamente, separando os palestinos uns dos outros, forçando-os a viver em guetos sem continuidade entre si ao longo de todo o Estado. Quase metade, mais precisamente 46%, de todos os cidadãos palestinos de Israel vive nos distritos do norte. 71% da totalidade dos palestinos vive em 116 localidades, nas quais formam a quase totalidade da população. 24% vive em oito localidades mistas, 1% vive em localidades judaicas, enquanto 4% vive em aldeias informais, como é o caso das populações beduínas.

Israel assegura a continuidade da guetização dos palestinos por meio da lei. Em Nazaré, por exemplo, que é residência de 80.000 palestinos que são cidadãos de Israel, o direito a apresentar candidatura para construir em terrenos públicos está reservado aos cidadãos que tenham completado o serviço militar. Isto exclui desde logo quase todos os palestinos de Nazaré, que não servem no exército israelense por razões históricas e políticas. Os palestinos em Nazaré são, na prática, considerados inelegíveis para qualquer empreendimento urbano nos limites da municipalidade. Só os nacionais judeus podem viver nas áreas pré-determinadas como sendo terrenos de urbanização pública, o que mais reforça a concentração dos palestinos, ao mesmo tempo que os aparta uns dos outros.

Nas 695 comunidades agrícolas e cidades, que abrangem 81% por cento da área total de terras pertencentes ao Estado, os «Comités de Admissão» podem excluir legalmente os palestinos das suas comunidades de residência sob o argumento de serem «socialmente inadequados», bastando evocar para tal a sua raça ou origem nacional. Em 2011, a Knesset aprovou a Lei de Alteração do Decreto das Sociedades Cooperativas, assim como a Lei dos Comités de Admissão, que os autoriza a excluir os residentes com base na adequação social.

A Emenda de 2011, que legalizou a discriminação com base na raça e na nacionalidade, foi uma resposta legislativa à decisão, em 2000, do Supremo Tribunal de Justiça de interditar a exclusão dos israelenses palestinos das comunidades construídas exclusivamente para judeus. Na sua resposta à decisão, Salai Meridor, o então Secretário-Geral da Agência Judaica, explicou a lógica de segurança subjacente à concentração e segregação dos israelenses palestinos:

“A questão principal não é a igualdade. Nós somos pela igualdade. A questão é saber como é que asseguramos a igualdade ao mesmo tempo que garantimos que as áreas com uma maciça maioria árabe situadas na proximidade de uma emergente entidade palestina continuarão a fazer parte do Estado de Israel. Juntamente com a igualdade, Israel deve salvaguardar os seus interesses nacionais, assim como a sua segurança.”

Os critérios de idoneidade e o processo de seleção carecem de transparência, negando assim aos candidatos a possibilidade de contestarem a sua exclusão. Houve comités em diversas comunidades e cidades que aprovaram adendas estatutárias para fazer da «lealdade à visão sionista» a condição para a admissão num esforço para excluir os israelenses palestinos com base nas suas crenças. Por lei, um dos cinco membros do Comité deve ser um representante da Agência Judaica ou da Organização Sionista Mundial, organizações cujo propósito explícito é a discriminação em nome dos nacionais judeus ou contra nacionais não judeus. Foi a própria Administração Fundiária de Israel (AFI), administradora das terras do Estado, que criou os Comités, desmentindo a distinção entre a discriminação sancionada pelo Estado e as práticas de organizações não governamentais. De forma significativa, os Comités de Admissão também excluíram outros grupos marginalizados dentro de Israel, incluindo judeus do Médio Oriente e gays.

No quadro da sua matriz jurídica, que visa a concentração da população palestina de Israel, o Estado também tem vindo a subfinanciar sistematicamente, por comparação com as contrapartidas judaicas, as cidades e vilas árabes. Os fundos municipais afectam directamente as infraestruturas físicas, como as estradas, os esgotos, a água e a electricidade, mantendo os habitantes das cidades árabes no estado de pobreza. Na verdade, o Estado aloca menos dinheiro para o desenvolvimento das cidades árabes que fazem parte do Estado do que aquele que destina aos colonatos judeus nos Territórios Palestinos Ocupados, demonstrando assim que há um tratamento uniforme dos palestinos, independentemente de qual possa ser o seu estatuto legal.

Remoção, expropriação e contenção: estudo de caso dos beduínos no Neguev

A remoção dos autóctones palestinos é uma política contemporânea e em prossecução que reflete o empenhamento numa supremacia judaica a nível nacional. O caso dos beduínos palestinos no Neguev ou no sul de Israel é particularmente ilustrativa da política tripartida de Israel para com os palestinos, desde o seu começo aquando da fundação do Estado até aos nossos dias.

Os beduínos palestinos são uma população autóctone que vive no deserto do Neguev desde o século VII, praticando um modo de vida agrícola. Em 1947, precedendo a fundação de Israel, os beduínos eram 95.000 e possuíam terras no quadro de um sofisticado sistema tribal. Em 1948, a maioria dos membros desta população foi forçada a fugir do recentemente formado Estado de Israel. Em 1953, o Estado concentrou à força os restantes 11.000 beduínos palestinos numa parcela de terra do nordeste conhecida como a Siyag («cerca», em árabe), localizada entre Bersebá, Arada e Dimona. A Siyag, com cerca de 900 quilómetros quadrados, são uns meros 7% da área do distrito de Bersebá, de onde o Estado removeu os palestinos. A fim de evitar o seu regresso às suas terras e casas de origem, Israel declarou a área circundante como zona militar fechada. Em resultado da Lei da Propriedade dos Ausentes, o Estado confiscou 90% das terras e propriedades que haviam pertencido aos beduínos antes de 1948. Desde os anos 1950, e sem o ocultar, Israel tem vindo a tentar desapossar os palestinos beduínos das suas terras ancestrais, arrancá-los ao seu modo de vida agrícola e concentrá-los em aglomerados urbanos. Ao mesmo tempo, o Estado tem vindo a supervisionar uma judaização da região do Neguev, região marcada pela presença exclusiva de colonatos judeus que têm um acesso desproporcionado às subvenções estatais, incluindo a fundos nacionais para o desenvolvimento.

A Lei Nacional para a Planificação e Construção (1965) retirou aos beduínos o reconhecimento oficial e reclassificou a população beduína autóctone como «intrusos nas terras do Estado», apesar da sua presença ser anterior à fundação de Israel e do Estado os ter até aí reconhecido. Além disso, a lei classificou retroactivamente dezenas de aldeias beduínas como «não reconhecidas» e, portanto, inelegíveis para o fornecimento pelo Estado de serviços básicos como eletricidade, água, sistema de esgotos, arruamentos e cuidados de saúde.

Cerca de 70 mil beduínos palestinos vivem em 35 aldeias «não reconhecidas» hoje. Os residentes em aldeias não reconhecidas não podem obter licenças de construção ou plantas de habitação, sujeitando-se assim à demolição sistemática das casas. Em 2013, o Estado demoliu 321 estruturas em aldeias beduínas e obrigou os residentes a demolirem 376 das suas próprias casas e estruturas, num processo que ficou conhecido como «auto-demolição». Em contraste, Israel «legaliza retroactivamente casas e localidades construídas por israelenses judeus na área [Neguev] e continua a autorizar a construção de casas sem qualquer penalidade, mesmo aquelas construídas sem licença ou planta».

Em 2004, o governo israelense decidiu reconhecer treze aldeias beduínas antes «não reconhecidas». E a partir de 2014, o Estado reconheceu 11 dessas aldeias. Embora essa política visasse integrar as aldeias na rede estatal de prestação de serviços básicos, elas permanecem seriamente mal servidas, quando não totalmente excluídas. Continua a ser-lhes negado o acesso adequado à rede eléctrica, à água canalizada, a ruas alcatroadas, escolas e a um sistema de esgotos. Ao longo do mesmo período, o Estado estabeleceu três novos colonatos judeus, enquanto outros quatro estão em fase adiantada de planeamento. Embora esparsamente povoados, os nacionais judeus que residem nestes colonatos «usufruem de uma variedade de serviço disponibilizados pelo governo, tal como recebem licenças de construção para novas estruturas ou para extensão das existentes. Além disso, estão agora em agenda doze colonatos mais, a maior parte dos quais, se não a totalidade, concebidos para a população judia».

Em 6.5.2013, o Comité Ministerial para a Legislação aprovou a Lei de Regulação do Povoamento Beduíno no Neguev, mais conhecida, de acordo com o nome dos seus autores, como o Plano Prawer-Begin. O projecto de lei reflecte diversas versões anteriores e incorpora as disposições do Plano Director Regional de 2012 para a Área Metropolitana de Bersebá, dando assim indicação da continuidade e não tanto do engenho das políticas. O plano visa deslocar pela força os setenta mil beduínos que residem nas trinta e cinco mil aldeias não reconhecidas, instalando-os em municípios sobrepovoados e caracteristicamente urbanos. A fim de os coagir à deslocação, o Estado pulverizou as terras dos beduínos com químicos tóxicos, repetidamente demoliu as suas casas às custas dos próprios residentes e continuou a negar-lhes o acesso aos serviços básicos, incluindo «acessos mínimos» como a água.

Em resposta ao protesto global, não só dos residentes beduínos em risco, mas em favor destes, o Plano foi aparentemente suspenso em dezembro de 2013. Quatro dias depois deste anúncio, contudo, o general responsável pela supervisão da remoção forçada dos beduínos palestinos disse que não havia recebido nenhuma instrução para suspender o Plano, explicando que o projeto de lei continuava em tramitação legislativa. O Gabinete do Primeiro-Ministro veio dizer que preferia corrigir o projecto de lei existente em vez de recomeçar todo o processo, indicando assim que o anúncio do final de 2013 apenas podia consistir num atraso daquela que era para todos os efeitos uma deslocação forçada inevitável da população beduína palestina.

Conclusão

O valor da nacionalidade judaica e, por extensão, da branquitude israelense tem uma correlação directa com a espoliação da terra, da presença e da nacionalidade palestinas. Na prossecução dos seus fins de colonização, Israel continuará a reduzir a população palestina por meio da sua remoção, expropriação e concentração, enquanto os seus nacionais judeus continuarão a ocupar o seu lugar espacial e temporal. Apesar das elisões deliberadas do Estado, que toma os palestinos como presentes-ausentes sociais e legais, a colonização permanece no centro da identidade israelense. Ela consolida diferenças antagonísticas no seio da sua sociedade estratificada contra o corpo palestino. O que quer que os judeus israelenses sejam, não são palestinos, e o que quer que os palestinos sejam, não são judeus israelenses. O Estado justifica a sua violência estrutural dirigida contra os palestinos, independentemente da sua situação geográfica ou jurisdição legal, sobre este quadro de um Orientalismo consequente.

Estas imagens que desfiguram e excluem não são apenas exibidas na realidade exterior. Desde a sua concepção, o sionismo interiorizou-os no seu esforço para reproduzir e ganhar aceitação no contexto da branquitude europeia. As práticas violentas do Estado, que visam reabilitar os judeus do Médio Oriente pela expurgação dos seus traços orientais de modo a aproximá-los da branquitude, provêm da mesma lógica que pressupõe o carácter inútil do corpo palestino. Falta valor material a esse corpo: ele não tem acesso ao capital, as suas pretensões à terra são retroativamente deslegitimadas, a sua posição diante da lei é truncada e diminuída, falta-lhe um mínimo de segurança providenciada pelo Estado ou por outras entidades e a sua presença é sempre ténue. Deste modo, a proximidade a tudo o que tenha a ver com os palestinos significa a morte social. Em contrapartida, a proximidade à branquitude norte-americana e europeia assinala uma condição de possibilidade.

Estruturalmente, portanto, a aproximação à branquitude em Israel necessita da contínua imposição da carência aos palestinos. E a carência dos palestinos reproduz e reifica a lógica constitutiva do regime de hierarquia racial em Israel. O imperativo de separar e distinguir os palestinos é mais urgente entre aqueles grupos sociais que possuem uma maior semelhança com eles, seja cultural ou linguisticamente e/ou pelo grau de privação material. Possivelmente, serão os judeus do Médio Oriente aqueles que têm a maior urgência no conjunto destes grupos sociais. Não apenas possuem as mesmas afinidades culturais e linguísticas, como a sua ascensão sociopolítica e económica está historicamente dependente da estrutura da ocupação militar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Para além disso, em virtude dos momentos críticos da história recente do Médio Oriente, os mizrahim estão efetivamente excluídos dos seus locais de origem. Embora a estratégia que os judeus israelenses do Médio Oriente usam quando mantêm os palestinos em estado de carência seja arriscada, uma tal privação perpétua a sua própria marginalização institucionalizada.

Descolonizar os colonos oferece uma oportunidade de emancipação para além dos limites do Estado quer para os palestinos quer para os judeus. Na sua obra, «The Vel of Slavery. Tracking the Figure of the Unsovereign», Jared Sexton explica as distinções entre o colonialismo e o colonialismo de ocupação, de modo a conceptualizar tanto as suas relações entre si como a perpectivá-los, respectivamente, num quadro antirracista. Sexton explica que, enquanto a descolonização procura remover o colonizador e «destruir as posições do colonizador e do colonizado», a descolonização do colono «implica a articulação da relação colonial, a revelação do encontro e a transformação dos aspectos mais elementares da coabitação». Neste último cenário, o colonizador permanece fisicamente, mas transforma a sua relação com a terra e a população. Isso implica descartar o «desejo de governar» e corroborar a «soberania do povo autóctone». Deste modo, a descolonização do colono não se limita a ter por objectivo a simples remoção do colonizador nem a romper a hierarquia racial, num esforço para democratizar a colónia dos colonos. Em vez disso, procura restaurar a soberania autóctone de maneiras que vão para lá das possibilidades de reforma do Estado.

Noções da pertença em competição umas com as outras podem baralhar os significados da soberania autóctone em Israel e nos Territórios Ocupados. Discordo que tal seja controverso. Sem pretender esgotar esta discussão sobre a autoctonia, é importante destacar aqui o contexto regional. Neste caso particular, os sionistas procuraram estabelecer uma pátria judaica no Médio Oriente com base na premissa de que Israel lhe é exógeno e está mais próximo, ou é mesmo uma extensão, da Europa. Longe de ser um ponto de reunião de judeus da diáspora que procuram restaurar e prolongar a sua presença no Médio Oriente, o movimento nacionalista e revivalista do judaísmo secularizado chegou à região como se fosse um senhor colonial, ao mesmo tempo que procurava um lugar numa Europa que ficava longe das suas praias. Em vez de abraçar tudo o que era próprio da região – desde a língua aos modos de vida e aos povos –, o sionismo rejeitou tudo isso, como é bem exemplificado pelo seu violento desdém pelos palestinos. Como disse Gabriel Ash no seu ensaio «The Meaning of Yair Lapid»…

“Há um colectivo nacional judeu em Israel que, embora real, é profundamente imperfeito e sofre de uma incapacidade congénita para pertencer à terra que reivindica como pátria. Isto implica que a sua única esperança de ultrapassar essa incapacidade reside na mediação dos palestinos. O nacionalismo palestino não é o inimigo do nacionalismo judaico-israelense, mas antes, por meio da descolonização, a condição para a sua evolução.”

Ash sugere com pertinência que existe uma possibilidade de uma «israelidade que esteja no Médio-Oriente como no seu lugar próprio: já não colonial, já não baseada na dominação da Europa cultural, menos pomposa e, o que é crucial, já não ilegítima».

Um movimento de descolonização do colono determinado a acabar com a privação palestina tem o potencial para subverter o regime de hierarquia racial em Israel de modo mais abrangente. A relação colonial entre Israel e os palestinos é alimentada por noções supremacistas. Assim, a destruição dessa relação colonial deve subverter essas imagens orientalistas e desfiguradoras que começaram por posicionar os judeus como estrangeiros na Europa e, depois, como senhores coloniais no Médio Oriente. Um tal movimento não visa apenas desestabilizar a relação autóctone-colono, mas pretende também perturbar o sistema de valores estratificados que têm nela a sua medida. Num tal quadro, mais do que encarná-las, os judeus são capazes de resistir às lógicas raciais que produziram a sua exclusão na Europa. Daí emergem perguntas críticas como: qual é o lugar dos judeus no Médio Oriente, uma vez que as conjunturas históricas os excluíram, de facto, dos seus lugares de origem? Se o Estado-nação não é a resposta adequada para a Questão Judaica, então, e no âmbito de uma solução de base estatal que venha a emergir de Israel e dos Territórios Palestinos Ocupados, que direitos deverão ser concedidos aos judeus? Responder a estas perguntas ajuda a ultrapassar a relação binária entre colono e autóctone que, em caso contrário, não seria capaz de examinar «como é que os colonos são diferenciados por meio da supremacia branca», arriscando-se assim a deixá-la intocada. Como escreveu Ella Shohat, «tal como é impossível imaginar a paz entre Israel e os árabes sem que para tal tenham sido reconhecidos e afirmados os direitos históricos do povo palestino, de igual modo uma paz verdadeira não pode ignorar os direitos colectivos dos judeus orientais».

Embora este ensaio explique a condição do judeu oriental, ele não deve limitar-se a essa condição. Pelo contrário, todos os judeus, sejam os da Europa oriental, os de Espanha, de África e mesmo os da Europa ocidental, sofreram com a exclusão e a subordinação racializadas e, por conseguinte, podem beneficiar da descolonização do colono. Em particular, para se desprenderem do seu papel de colonizadores, que é constitutivo de uma lógica racial, a qual pressupõe a sua inferioridade em relação a uma branquitude europeia que, efectivamente, moldou e/ou desfigurou e/ou usurpou as suas histórias, linguagem e símbolos culturais. A descolonização do colono oferece assim uma oportunidade para a emancipação face aos pressupostos fundamentais da supremacia branca.

Embora o Movimento para o Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) não seja um robusto movimento de descolonização do colono, os termos em que se apresenta contribuem para desestabilizar a normalidade no Israel do colonialismo de ocupação. Possui assim a semente de possibilidades muito mais vastas para a emancipação tanto de judeus como de palestinos. O Apelo BDS de 2005 está centrado nas normas dos direitos humanos e da lei internacional que pedem o direito ao regresso de todos os refugiados, o fim da ocupação israelense das terras árabes e a igualdade para os cidadãos palestinos de Israel. Trata-se de um utensílio de redistribuição articulado numa linguagem dos direitos e da lei que procura nivelar o tratamento entre grupos que têm sido ilegitimamente privilegiados. O movimento procura uma reforma progressiva que visa garantir a igualdade integral perante o Estado para os cidadãos e refugiados exilados, assim como a cessação da ocupação militar. É deliberadamente omisso sobre a questão de se saber se os palestinos deveriam assumir uma forma de governo autóctone ou se deveriam antes ser absorvidos num único Estado juntamente com os nacionais judeus. É seu intento criar uma plataforma centrada nos direitos para os palestinos, sem suplantar uma plataforma de libertação nacional e de luta, que era anteriormente garantida pela OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Em última análise, o Apelo BDS é uma táctica e não uma estratégia, muito menos um movimento de libertação nacional.

Mesmo enquanto táctica, as três reivindicações do Apelo põem explicitamente em questão a repartição em termos raciais dos direitos fundamentais, como são os direitos à família, à água, à terra, aos meios de subsistência, à própria cultura e à nacionalidade. Põe de facto em evidência a aberração do regime racialmente estratificado dos direitos e privilégios em Israel. Ao representar os direitos palestinos como um corpo nacional holístico, o Apelo rompe com as partições imaginárias que dividem os palestinos. Insiste ainda que Israel mantém uma política uniforme para com todos os palestinos, independentemente da sua jurisdição legal e da localização da sua residência. O movimento também vem modificar uma narrativa de pacificação entre duas contrapartes. Em vez dela, prefere destacar a disparidade de poder entre o poder colonial e os que lhe estão sujeitos, o que é inerente a uma relação colonial baseada no colono. De facto, o movimento BDS inspira-se explicitamente no movimento que procurou desmantelar o apartheid na África do Sul.

Os níveis mais elevados do Estado israelense procuraram denegrir o Apelo BDS, qualificando-o como um sectarismo contra os judeus e declarando que o movimento não-violento de solidariedade mundial era a segunda ameaça mais significativa colocada a Israel, logo a seguir a um Irão com capacidade nuclear. As ansiedades levantadas pelo BDS reflectem uma ansiedade em torno da normalização da supremacia nacional dos judeus e da perda da distribuição concomitante de bens e direitos. O governo israelense tem vindo a exprimir estas ansiedades em diversas iniciativas legislativas. Em 2011, a Knesset fez passar uma emenda à Lei de Bases Orçamentais que autoriza o Ministro das Finanças a revogar os fundos atribuídos a organizações que desafiam o carácter judeu de Israel e/ou comemoram o seu Dia da Independência como um dia de luto para os palestinos. Mais conhecida como a «Lei Nakba», a legislação visa suspender a liberdade de expressão, de modo a consagrar narrativas revisionistas sobre a fundação do Estado. Em 2011, a Knesset também aprovou a «Lei Anti-Boicote», autorizando o Ministro das Finanças a revogar fundos ou retirar incentivos fiscais a Organizações Não-Governamentais que apoiam o boicote de qualquer produto israelense, mesmo que este se limite aos Territórios Palestinos Ocupados.

Considerando que as leis que as precediam consagravam a exclusão, expropriação e concentração dos palestinos, estas medidas reacionárias procuram prevenir protestos contra elas. Procedendo assim, o Estado está a proteger o valor da supremacia nacional dos judeus. Além disso, está a proteger a elegibilidade dos judeus no que se refere à aquisição da branquitude europeia. Esta elegibilidade, contudo, tem como premissa uma lógica de exclusão que gerou antes violência física e estrutural contra os judeus europeus. Em vez de subvertê-la, Israel e os seus defensores estão a reforçar esta lógica e fazem equiparar, em sentido amplo, a destruição do arranjo colonial de Israel à violência existencial contra os judeus.

Deveria parecer irónico que, mais do que combater os quadros racistas que enformam o pensamento sionista, o governo israelense esteja a combater o movimento que procura desmontá-los. Nem todos perderam de vista este ponto. O movimento BDS tem sido um espaço profundamente politizado, empenhado em princípios de oposição à subordinação, atravessando as questões de raça, classe social e género. O movimento criou espaços de discussão que de outra forma poderiam escolher fechar diante da ameaça de virem a ser classificados como antissemitas. Embora exista um contra-movimento que procura representar o BDS como uma forma de judeofobia, ele continua a desafiar as narrativas distorcidas de Israel sobre civilização e segurança nacional. Ele tem o potencial para engendrar ainda mais discussões que esclareçam a relação entre a exclusão judaica na Europa, a interiorização da judeofobia pelo sionismo, a sua violenta disposição contra os judeus do Médio Oriente e o seu empenho genocidário contra os palestinos, como fica delineado neste ensaio. Que relação existe entre estes episódios violentos (ainda em curso)? O que é que está em jogo se não soubermos examiná-los? O que poderemos ganhar se soubermos fazê-lo? O maior contributo do BDS é ter criado o espaço para colocar precisamente estas perguntas.

1ª edição portuguesa © KKYM + P.OR.K, 2020. Todos os direitos reservados.

Texto completo do ensaio publicado no quadro do projeto (un)common ground, com a excepção das notas e bibliografia. A edição original, com notas e bibliografia, encontra-se nas lojas Amazon Kindle e iBooks, podendo ver-se o seguinte link. Para outras traduções de Noura Erakat e (un)common ground, veja-se https://www.unground.pt/txt/.

Translation:  Jorge Leandro Rosa

por Noura Erakat
A ler | 18 Outubro 2021 | branquitude, estado, igreja, iluminismo, israel